“Alcooltura”: como movimentos culturais podem incentivar o abuso de álcool

Entenda como as drogas ativam o circuito de recompensa cerebral e a relação da cultura no aumento do consumo de álcool

Alinemuniz
Revista Brado
5 min readAug 11, 2021

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Foto: Maurício Mascaro/Pexels

No último mês foi comemorado o Dia Mundial do Rock, o gênero musical mais popular do mundo. Com a celebração, muitos aspectos culturais para além da música são postos novamente em evidência: o visual, as filosofias, os contextos históricos e todo o estilo de vida das diversas correntes do rock n’ roll são brevemente retomados pelos fãs.

Um dos lemas mais famosos desse movimento, “Sexo, Drogas e Rock n’ Roll” surgiu na década de 60 e perdura até hoje. As referências às drogas estão presentes em diversas músicas, tanto de maneira explícita como implícita. Alguns exemplos são Lucy in the sky with Diamonds, dos Beatles; Cocaine, de Eric Clapton; e Lithium, do Nirvana.

As drogas sempre estiveram presentes na história da humanidade, seja para uso medicinal ou como alucinógeno. O século XIX foi marcado por uma tolerância ao consumo, quando havia vinho à base de folhas de coca e a abertura dos salões de ópio. Contudo, anteriormente, na Idade Média, as drogas foram associadas a práticas de bruxaria e proibidas na sociedade, que era regida pela moral cristã. Pode-se dizer que uma das causas para que ainda hoje o uso de algumas drogas seja proibido deve-se ao aumento do consumo entre os mais jovens, que buscam aceitação dos grupos aos quais pertencem.

Apesar de muitos associarem as drogas ao uso apenas das substâncias ilícitas, a droga mais consumida no mundo é o álcool. O consumo exacerbado de bebidas está ligado ao fato de ser usado como um relaxante, uma vez que a ingestão de algumas doses pode fazer com que o indivíduo se sinta mais solto, confiante e divertido. Mas não é só o caráter anestésico que torna o consumo do álcool um fator predominante no meio artístico.

Num estudo realizado por Joshua Hicks, um grupo de participantes que acreditava ter consumido álcool obteve melhor desempenho em testes de criatividade do que o daqueles que sabiam não estar consumindo, demonstrando assim que o álcool pode influenciar no processo criativo. Embora possa funcionar como uma forma de expandir a criação, o álcool é caracterizado por exercer ação inibitória no sistema nervoso central, maximizando a ação de neurotransmissores inibitórios, como o GABA, minimizando a atuação dos neurotransmissores responsáveis pela regulação do humor e podendo aumentar sintomas depressivos.

A questão social e criativa não é o único incentivador do consumo excessivo de álcool. A sensação de prazer ocasionada por ele também é um fator importante. O prazer é uma das principais motivações da ação humana, e a busca por ele é constantemente estimulada e reforçada.

Inicialmente, o consumo de álcool é associado a momentos de apreciação. Porém, com o tempo passa a ser dependente do ambiente, que atua como um estímulo para obter o objeto — ou os objetos — de prazer. À medida que a dependência evolui, o desejo pela substância aumenta. Tal desejo desperta o chamado “circuito de recompensa”. Este circuito cerebral é formado por neurônios e seus neurotransmissores, como a dopamina, conhecida como neurotransmissor do prazer.

Toda ação possui uma consequência reforçadora, positiva ou negativa. Quando positiva, a capacidade de reproduzir o comportamento é maior. A principal causa da dependência é que certas drogas, como o álcool, ativam diretamente o circuito de recompensa cerebral. Ao perceber que a sensação é prazerosa, a informação é armazenada e a frequência de reprodução do comportamento é aumentada. As drogas muitas vezes produzem níveis de dopamina que não são experimentados de maneira natural. A falta da substância pode gerar abstinência e fazer com que o dependente deseje utilizar a droga novamente. Isso explica porque muitos dependentes químicos retornam para as drogas mesmo após a internação. Alguns indivíduos passam a desejar o consumo de forma tão intensa que acabam comprometendo relações familiares e profissionais.

O abuso de álcool a longo prazo não afeta apenas o ciclo social, mas também traz prejuízos à saúde do consumidor. O álcool contribui para o desenvolvimento de doenças como a cirrose hepática e o câncer de boca.

Não é incomum encontrar no meio musical alguém que afirma possuir problemas com o álcool, drogas ou ter vivenciado uma overdose. A grande maioria desses recorre às drogas como uma forma de fuga da realidade, das pressões sociais e da solidão. Um exemplo clássico é a morte da cantora Amy Winehouse, mundialmente conhecida pelo hit “Rehab”. Amy sofreu a primeira overdose por abuso de álcool, crack e outras drogas dois anos antes de sua morte. O documentário “Amy (The girl behind the name)” demonstra como a solidão, a dependência emocional, o abuso de substâncias e a bulimia transformaram a vida da cantora, seu desenvolvimento profissional e relação com amigos.

A relação do álcool com a cultura não restringe o consumo apenas aos artistas. É bastante comum notar festivais de música que são patrocinados por grandes marcas de cerveja. A mídia possui um papel importante na formação de opinião da sociedade. Não basta expor imagens atrativas, mas também criar memórias positivas em relação ao produto. As propagandas de bebidas alcoólicas normalmente estão vinculadas a felicidade, aceitação social, entre outros.

Como uma maneira de divulgar o consumo de álcool e tabaco, outra substância muito usada por brasileiros, as grandes empresas recorrem aos festivais de música. Alguns exemplos são o patrocínio da Heineken ao Rock In Rio e da Budweiser ao Lollapalooza, que reforça a associação das drogas lícitas à diversão. Os festivais servem como um estímulo que oferece o objeto de satisfação, nesse caso, o consumo de álcool.

O Brasil está entre os maiores consumidores de álcool do mundo, cerca de 40% acima da média global. Por isso, é importante estar atento a quando o consumo pode se tornar perigoso e buscar a ajuda necessária para enfrentar os problemas causados. Então, fica a dica: beba com moderação, embriague-se de cultura!

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Alinemuniz
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Escrevendo poemas aleatórios sempre que possível