Amazônia emite mais gás carbônico do que absorve

Estudo de 8 anos mostra que a Floresta Amazônica está contribuindo para as mudanças climáticas, devido ao desmatamento

Robson Luiz Matias Filho
Revista Brado
4 min readJul 30, 2021

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A degradação ambiental avança num ritmo sem precedentes, devido, sobretudo, ao descuido do Estado — no caso brasileiro, principalmente com relação ao desmatamento. Isso dificulta ainda mais o controle das alterações climáticas, pois sem vegetação não é possível fazer o sequestro de dióxido de carbono (CO₂), ou seja, a captura desse gás pela ‘respiração’ vegetal. Dessa forma, a floresta tem se tornado uma fonte de gases causadores de efeito estufa em vez de absorvê-los.

Essa nova condição foi relatada em estudo publicado no último dia 14 na revista especializada Nature, liderado por uma pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Isso é grave, pois, além de abrigar comunidades nativas e uma biodiversidade imensa, a Floresta Amazônica contribui — ou contribuía — intensivamente para a manutenção do clima, através principalmente da já citada absorção CO₂ por meio da fotossíntese.

A concentração de carbono em regiões da Amazônia foi investigada em diferentes taxas de desmatamento, entre os anos de 2010 e 2018. Nesse período, os pesquisadores realizaram 590 medições coletando amostras do ar. As equipes descobriram que as áreas da Amazônia com mais de 30% de desmatamento apresentaram uma emissão de carbono dez vezes maior que regiões com desmatamento inferior a 20%.

Além disso, a floresta, no período analisado, emitiu na atmosfera cerca de um bilhão de toneladas de CO₂ devido às queimadas, e conseguiu absorver apenas 18% dessas emissões. Dessa forma, a Amazônia lançou 290 milhões de toneladas de carbono na atmosfera para além do que consegue absorver.

De 2010 a 2018, foram coletadas amostras de ar em quatro regiões da Amazônia. FOTO DE LUCIANA GATTI, INPE

O estudo é o mais completo já feito tratando-se de uma acusação devastadora da trajetória atual, tendo em vista a real situação do país em termos de gestão de emissões, passando de um dos mais progressistas a um dos piores.

As medições de carbono (por “carbono”, entenda dióxido de carbono, monóxido de carbono e outras moléculas com o elemento) na Amazônia foram coletadas com um avião que começa a coleta de dados a 4,4 km de altitude. Dessa forma, a aeronave se movimenta gradativamente em direção ao solo, coletando várias amostras do ar em altitudes diferentes por meio de um tubo coletor.

Para estimar as concentrações de carbono na atmosfera, os pesquisadores analisaram, por exemplo, as massas de ar que ficam se movendo de lá pra cá sobre a floresta, compreendendo as emissões e absorções da Amazônia em cada região e considerando tanto momentos específicos do ano quanto médias anuais.

Além disso, para entender qual parcela do carbono é proveniente de queimadas, os pesquisadores também realizam cálculos a partir das amostras, observando as concentrações de carbono que contêm o monóxido de carbono (CO). Luciana Gatti, autora principal do estudo, explica que esse é um “traçador de queima de biomassa”, pois sua concentração no ar pode aumentar em até sete vezes quando os incêndios acontecem.

Dessa forma, as pesquisas identificaram, para todas as regiões e todos os anos do período estudado, o fluxo total de carbono na floresta — e então se considerou quanto do carbono encontrado era fruto de queimada e quanto era fruto de outros processos, como da decomposição de árvores. Mediante isso, os cientistas constataram quanto carbono a Amazônia estava absorvendo e quanto estava emitindo durante esse período.

Assim também foi possível perceber que a região do oeste da floresta, que apresentava menos de 20% de desmatamento, estava em certo equilíbrio entre a absorção e a emissão durante o período estudado. Enquanto isso, a Amazônia, no sentido contrário, passava por uma situação mais complicada.

As emissões totais de carbono foram maiores do lado leste da Floresta Amazônica, com desmatamento a cerca de 30%. A região sudeste, em particular, estava emitindo uma grande quantidade de CO₂ na atmosfera, além da sua absorção.

Área de floresta queimada no estado do Pará, Brasil, na bacia amazônica, em 27 de agosto de 2019. FOTO DE JOAO LAET, AFP/GETTY IMAGES

“Os pecuaristas e agricultores ainda não entenderam que destruir a Amazônia é um tiro no pé, porque nós estamos plantando seca. Se mais área para plantar significa desmatar, terá menos chuvas e temperaturas mais altas, reduzindo a produtividade”. (Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa/Inpe).

O duplo impacto do desmatamento

A ciência percebeu que o desmatamento tem um impacto duplo na floresta, representando simultaneamente uma fonte indireta e direta de carbono. Indireta pois o clima está se tornando estressante para uma floresta tropical úmida e, assim, aumentando sua mortalidade e inflamabilidade. Direta porque as queimadas em si emitem carbono. Toda essa mortalidade da vegetação significa mais decomposição, que também é fonte de carbono para a atmosfera.

FOTO: SEBASTIÁN CASTAÑEDA, MONFABAY LATAM

Conforme a floresta sofre com a degradação ambiental, ela também perde sua capacidade de manutenção do clima, principalmente a nível nacional. Com menos árvores em pé, ocorrerá menos sequestro de carbono, menos liberação de oxigênio, menos infiltração de água nos lençóis freáticos e menos evapotranspiração — processo que transfere a água para a atmosfera a partir da evaporação da água do solo e da transpiração das plantas, tornando o clima mais árido.

Em um momento em que o mundo se debruça sobre metas de neutralidade climática, poucos países têm tanta vantagem nessa corrida quanto o Brasil, que apenas com o combate ao desmatamento na maior floresta tropical do planeta pode chegar muito perto de atingir esses objetivos. Contudo, temos infelizmente caminhado na direção oposta: a da destruição e do atraso.

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