Antropoceno, ou “a era final”?

Seria esse o último legado humano na terra?

Gustavo Dantas
Revista Brado
5 min readJan 27, 2021

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Charge: EcoDebate

Sem dúvidas esse é um dos anos mais “dramáticos” dos últimos tempos. Recorde de desmatamento na Amazônia, grandes queimadas nas florestas australianas, um vírus que matou mais de 1 milhão e meio em menos de 1 ano e infectou mais de 75 milhões em todos os países do mundo… Certamente esses acontecimentos estão intrinsecamente ligados à atuação do homem na natureza. Isso levanta questionamentos: para onde queremos ir?; como esses alertas influenciam, ou deveriam influenciar, o nosso comportamento?

Antes de entrar nesse assunto de desenvolvimento humano, é válido deixar claro o que é o termo “Antropoceno”. Na definição da revista Época, é “a época em que humanos substituíram a natureza como a força ambiental dominante na Terra”. Dessa forma, é como se nós, humanos, controlássemos diretamente o destino das futuras gerações no planeta. Baseado nisso, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) publicou um relatório em 2020 mostrando toda a atuação humana ao longo do tempo e como isso afeta nossas relações com a natureza de modo geral. Nele é explicitada nossa “perda cultural”, devido à grande extinção de espécies nas últimas décadas. Isso exige um entendimento completo das pressões que estamos colocando no planeta e de nossa interdependência com a natureza.

A pandemia da Covid-19 é um exemplo claro de como afetamos as nossas relações com o meio ambiente. De acordo com o relatório, “a pandemia é considerada como tendo revertido o progresso do desenvolvimento em décadas. Atingiu com mais força, mais rápida e profundamente aqueles já vulneráveis, marginalizados ou com poucos recursos e capacidades, aumentando as desigualdades no desenvolvimento humano”. A disponibilidade de recursos matou mais pessoas e isso fica claro quando trazemos para o plano doméstico. Quem tem mais capital vai para um hospital particular para o tratamento do vírus; quem não tem, como é para a maioria dos brasileiros, vai ao sistema público de saúde e luta para conseguir equipamentos adequados para seu tratamento, devido à alta demanda. Tudo isso perpetua as pressões no planeta que impulsionam ainda mais desequilíbrios, gerando ciclos que se repetem ao longo do tempo.

Isso nos leva a refletir sobre a forma que estamos lidando com o mundo. Os padrões sociais de desigualdade, discriminação e exclusão são presentes e visíveis. A nova época é caracterizada pela desigualdade; a subnutrição atinge hoje por volta de 690 milhões de pessoas segundo a ONU, e a tendência é que até 2030 chegue em 900 milhões. Isso se deve à estagnação das condições econômicas, posições fracas nas cadeias de valor globais e grandes desigualdades na distribuição de renda, bens e recursos.

Gráfico: PNUD

Nesse gráfico disponibilizado pela PNUD é possível notar os problemas citados acima. O eixo Y representa o número de pessoas subnutridas por milhão, a linha vermelha representa a quantidade e as seguintes representações são as projeções de como será até 2030.

Independente do cenário, vai haver um aumento e esse é o ponto crítico: não conseguimos chegar a um consenso ou medidas que abranjam todas essas pessoas, ou diminuam significativamente os danos.

Outra característica forte do Antropoceno são as questões climáticas. Desde 1992, com a Rio 92, conferência para discussão dos problemas climáticos, que o mundo dá atenção a esse mal. Degradação da terra, escassez de água, riscos naturais e esgotamento da biodiversidade serão comuns ao longo dos anos. Estima-se que em 2070 zonas quentes, semelhantes ao Saara, representarão 1/5 das áreas de terra no mundo, e 1/3 da população viverá em condições, que hoje, são consideradas suportáveis. Devido a esses problemas naturais, cerca de 25 milhões de pessoas foram deslocadas de suas casas em 2019. A grande questão dessa mudança é que não afeta diretamente a todas as pessoas: ela afeta mais as regiões com menor desenvolvimento.

Gráfico: PNUD

No gráfico é mostrada a “mudança de adequação” ao clima nos próximos 50 anos. A maioria dos países desenvolvidos conseguirão se adequar as mudanças climáticas.

O futuro parece aterrorizante, mas existem formas de diminuir esses impactos. A educação é vista como um dos fatores primordiais nesse combate, e é dito pelo programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento que “quanto maior o nível médio de educação em um país, menos mortes devido a desastres, mesmo depois de rendimentos, esperança de vida à nascença, exposição a riscos relacionados com o clima”. Indivíduos com melhor nível de escolaridade também são menos propensos a viver em acampamentos ou outras moradias temporárias alguns anos após possíveis desastres, que serão mais comuns, e possuem mais resiliência econômica para se adequar. Parece muito clichê falar que a educação salva vidas, mas essa é de fato a forma mais fácil de ascensão e independência social.

Enquanto os desequilíbrios planetários persistirem, eles geram riscos que podem se materializar em choques para o desenvolvimento humano, assim como aconteceu com a pandemia da Covid-19.

A natureza sempre esteve e sempre estará ao nosso alcance. Ela se adapta; o planeta já passou por diversas extinções em massa e nós somente aceleiraríamos esse processo, novamente.

O mundo já se movimenta de forma clara para retardar esses problemas. Em menos de 10 anos teremos a conclusão da Agenda 2030, que busca fortalecer a paz universal com mais liberdade e reconhece que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões é uma prioridade universal. É muito utópico pensar que até lá esses problemas já diminuirão drasticamente, mas sabemos que medidas já estão sendo tomadas, pesquisas já estão sendo feitas, lutas estão sendo compradas. Resta a nós deixarmos um legado diferente do que está sendo contado agora pela era Antropoceno, e que não seja a nossa última.

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Gustavo Dantas
Revista Brado

Estudante de Relações Internacionais, colunista da revista Brado