Assédio contra deputada na Alesp acende alerta para a violência contra a mulher no ambiente político

Lívia Bastos
Revista Brado
Published in
5 min readDec 22, 2020

*Texto escrito com colaboração de Carol Marcondes, bolsista PET na Faculdade de Direito de Vitória (FDV), ex-presidente da Sociedade de Debates da FDV e estagiária no Escritório CJAR Advogados Associados.

“O caso que a gente vive não é isolado. A gente vê a violência política e institucional contra as mulheres o tempo todo. O que dá direito de alguém encostar numa parte íntima do meu corpo? Meu peito é íntimo. É o meu corpo. Eu estou aqui pedindo pelo direito de ficar de pé e conversar com o presidente da Assembleia sem ser assediada!” (Isa Penna, deputada estadual por SP, sobre assédio na Alesp).

Foto: José Antonio Teixeira/Alesp

No último dia 16, a deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) foi vítima de assédio sexual por parte do também deputado Fernando Cury (Cidadania-SP), dentro da Assembleia Legislativa do estado, enquanto falava com o presidente da Casa. O caso foi registrado por um vídeo gravado por uma das câmeras da Alesp, que mostra o deputado apalpando o seio da parlamentar durante sessão extraordinária para votar o orçamento do estado.

No dia seguinte ao ocorrido, dada a repercussão negativa do vídeo, Cury discursou na Alesp. Nessa ocasião, afirmou que não houve tentativa alguma de importunação sexual (crime popularmente conhecido como assédio). Ainda assim, pediu desculpas à deputada Isa Penna caso ela tenha se sentido ofendida com o “abraço” que lhe deu.

A deputada ressaltou que chama atenção no ocorrido o quão à vontade o colega se sentiu para fazer isso na frente de uma câmera, já que geralmente o assediador leva a vítima para um local mais escondido, pensando nas possíveis consequências de seu ato. Visando evitar mais um caso de impunidade, a parlamentar já fez uma representação no Conselho de Ética da Alesp, bem como um boletim de ocorrência contra Cury pelo crime de importunação sexual.

O caso vivenciado por Isa Penna não é isolado. Segundo dados da ONU Mulheres, 82% das mulheres em espaços políticos já sofreram violência psicológica; 45% já sofreram ameaças; 25% sofreram violência física no espaço parlamentar; 20% assédio sexual; e 40% das mulheres afirmam que a violência atrapalhou sua agenda legislativa.

Frente a esse cenário alarmante, é importante refletirmos sobre o motivo de violências contra as mulheres no ambiente político ocorrerem com tanta frequência, sobre quais os impactos disso e também sobre como podemos, enquanto sociedade, contribuir para que essas violações ocorram com menos frequência.

O ambiente político ainda é dominado predominantemente por homens brancos, que perpetuam opressões patriarcais. Esse cenário político é apenas o reflexo de toda uma sociedade e um sistema que foram pensados por homens e para homens — tanto é que o primeiro banheiro feminino do Senado foi criado apenas em 2016.

Como consequência dessa política pensada por homens, temos nossos corpos vistos como públicos, seja você uma mulher adulta, criança, idosa, ou até mesmo se você for uma parlamentar. Nem sendo uma autoridade você é respeitada por alguns homens, pois não é vista e nem tratada como uma, assim como aconteceu com Isa Pena. No âmbito político, essa violência é muitas vezes intensificada, por se tratar de uma maioria de homens em espaços de poder, que sentem que podem agir como quiserem, sabendo do cenário de impunidade do nosso país.

A liberdade que o parlamentar sentiu em tocar o corpo da deputada, na frente de todos, do presidente da Assembleia, das câmeras, é assustadora! Isso nos faz refletir sobre o que acontece quando não tem ninguém por perto. Por isso ser uma mulher na política é um eterno ato de resistência, é saber que a sua voz será sempre silenciada, o que você diz será sempre questionado, sua capacidade sempre contestada e os nossos corpos sempre à disposição das vontades masculinas.

Isso distancia novas mulheres de entrarem na política e afasta outras que já estão nesse ambiente, que têm que lutar exaustivamente todos os dias contra o sexismo nesses espaços. Tal situação é ainda mais intensa com mulheres negras, indígenas e LGBTQI+, que sofrem, além do machismo, outras opressões.

Tal problema se retroalimenta, já que o ambiente político é inóspito para mulheres e as afasta, e essa falta de mulheres gera uma rede apoio entre elas reduzida. Quanto mais mulheres na política, mais teremos mulheres se apoiando, denunciando e se sentindo representadas e confortáveis para entrar nesse ramo da vida pública.

Por último, é importante refletirmos sobre como podemos contribuir para que violências contra mulheres no ambiente político ocorram com menos frequência. Para caminharmos nesse sentido, o ocorrido com Isa Penna nos desperta para três palavras-chave: solidariedade, punição e políticas públicas.

Quanto à primeira, a deputada Erika Kokay (PT-DF) e o deputado Enio Verri (PT-PR) propuseram uma moção de solidariedade à Isa Penna em razão do ocorrido, a qual foi aprovada por unanimidade na Câmara. Isso para, de um lado, mostrar à deputada que ela não está só e, de outro, demonstrar à sociedade que esse tipo de violência não será naturalizada. É importante que todos nós demonstremos de forma concreta solidariedade às vítimas, não só em situações pontuais, mas também frente às situações corriqueiras de violência que ocorrem no dia a dia.

No tocante ao combate à impunidade, o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) afirmou que o ato de Fernando Cury é deplorável e que o partido já tomou providência, afastando-o de todos os seus cargos partidários. Já Penna registrou um Boletim de Ocorrência e fez uma denúncia formal de quebra de decoro na Alesp, tudo em razão da conduta de Cury. Desses acontecimentos, extrai-se que tanto os homens devem repudiar os atos de seus conhecidos que violem direitos das mulheres, quanto é importante que as vítimas denunciem esse tipo de conduta.

Por último, dada a dimensão estrutural do problema da violência contra as mulheres, por mais relevantes que ações individuais sejam, a promoção de políticas públicas para combate-lo é essencial. Pensando nisso, Isa Penna, em entrevista à CNN, afirmou que deseja ver nascendo de sua dor a aprovação de “um projeto de lei básico para a vida das mulheres de São Paulo”. Afinal, com a promoção contínua dessas três palavras-chave, quem sabe direitos básicos abraçarão, enfim, as mulheres: dando-as liberdade para se expressarem no meio político sem medo de serem violentadas. Infelizmente, ainda precisamos lutar por algo tão basilar e essencial.

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Lívia Bastos
Revista Brado

Escrevo sobre gênero na Revista Brado. Aqui você vai encontrar menos teoria, mais pragmatismo. Acadêmica de Direito, envolvida na Política.