Bê-á-bá da Justiça Eleitoral

Entenda os principais conceitos e processos utilizados no sistema eleitoral brasileiro

Rodolfo Nascimento
Revista Brado
8 min readMay 25, 2022

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Foto: Divulgação/TSE

E ntre as diversas ramificações do direito público, o Direito Eleitoral estabelece os institutos, as normas e os procedimentos que regulam o exercício do direito fundamental pelo sufrágio universal, visando à garantia da soberania popular e à validação da ocupação dos cargos políticos.

Essa soberania pode ser compreendida como o poder coletivo de decisão pelo consenso expresso na escolha feita nas urnas. Através desse ato, é conferida legitimidade ao exercício do poder do Estado.

Com a chegada do período eleitoral, o tema como um todo começa a integrar as publicações nos noticiários, nas conversas de bares, nas produções acadêmicas e em todo espaço onde são possíveis o debate e a discussão sobre os candidatos, os partidos e todo o processo de votação.

Embora as eleições estejam presentes na vida da sociedade e todos tenham seu lugar de fala e opinião própria, o direito eleitoral é composto por um complexo sistema de elementos e legislações próprias que determinam o correto exercício de direitos políticos e organização das eleições através de princípios e diretrizes próprios, muitas vezes desconhecidos ou mal interpretados pela população em geral.

Termos como Justiça Eleitoral, partidos políticos, inelegibilidade, convenções e candidaturas são veiculados nos telejornais e meios de comunicação. Siglas como TSE, MPE, TRE também estão presentes nesse cotidiano que antecede as eleições, entretanto, não necessariamente estão difundidos seus significados e competência de cada um desses institutos.

Em 2022, ocorrem as Eleições Gerais no Brasil. Em 2 de outubro, em primeiro turno, e 30 de outubro, em segundo turno, serão eleitos o presidente, vice-presidente, governadores, vice-governadores, senadores da República, deputados estaduais e federais.

Embora a campanha eleitoral comece apenas em agosto, essas eleições estão em destaque há muito tempo. O debate público já está efervescido e os meios de comunicação já dedicam parte de sua programação cotidiana para a pauta. Os candidatos, em campanhas antecipadas e movimentando suas bases políticas, elevam ainda mais a discussão.

Com toda essa antecipação, as Eleições 2022 já são o “trending topics” do cenário nacional. Logo, compreender os principais termos, funcionamento e princípios da Justiça Eleitoral se faz necessário para garantir maior amplitude e vocabulário para o debate (que será intenso).

O que é a Justiça Eleitoral?

A Justiça Eleitoral (JE) é responsável pela regulamentação e administração de todo o processo eleitoral brasileiro, desde o alistamento dos eleitores até a diplomação dos candidatos eleitos. A JE realiza a fiscalização das contas de campanhas eleitorais, garante o cumprimento das normas jurídicas que regem o período eleitoral. Como órgão judiciário, também julga, da primeira à última instância, todo contencioso eleitoral, como garante a punição com base na legislação eleitoral.

A JE foi criada em 24 de fevereiro de 1932, completando 90 anos neste ano de 2022, embora tenha permanecido extinta por 8 anos, entre 1937 e 1945, durante o Estado Novo. Após a sua reinstalação, a Justiça Eleitoral realizou eleições em 1945, 1947, 1950, 1954, 1955, 1958, 1960, 1962, 1965, 1966, 1970, 1974, 1978, 1982, 1986, 1989, 1990, 1994, 1996, 1998, 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010, 2012, 2014, 2016, 2018 e 2020, além de eleições suplementares e plebiscitos/referendos.

Foto: Divulgação/TSE

A Justiça Eleitoral apresenta natureza federal, sendo mantida pela União. O seu orçamento é aprovado pelo Congresso Nacional. Diferentemente dos demais órgãos que compõem o Poder Judiciário, a Eleitoral não possui corpo próprio e independente de juízes. Sua composição é de magistrados oriundos de diversos tribunais, a saber: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Justiça Comum Estadual, Justiça Comum Federal e Ordem dos Advogados do Brasil.

Assim como no Poder Judiciário comum, onde há divisão por instâncias, também ocorre uma divisão hierárquica no poder especializado eleitoral, sendo composto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com sede na Capital da República e jurisdição em todo o País, um Tribunal Regional (TRE), na Capital de cada estado e no Distrito Federal, bem como as juntas eleitorais e os juízes eleitorais.

Sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília. Foto: Domínio Público

Quais as principais legislações eleitorais?

Os direitos políticos são expressos na Constituição Federal. A capacidade de votar e ser votado é caracterizado como a essência desses direitos políticos. Estão expressamente consagrados na Constituição o direito ao sufrágio, ao voto nas eleições, plebiscitos e referendos, bem como à iniciativa popular de lei.

O texto constitucional estabelece tais garantias, que são positivadas por legislações que estipulam regras, princípios e o processo de forma específica e detalhada. Sobre o processo eleitoral, elencamos quatro dos principais dispositivos em vigor no Brasil: o Código Eleitoral, a Lei das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos e a Lei de Inelegibilidade.

O Código Eleitoral é a base de todo o processo eleitoral. Em vigor desde 1965, considerado um marco no Direito Eleitoral brasileiro, uma vez que foi o que efetivamente equiparou mulheres e homens dentro do processo eleitoral.

A Lei de Inelegibilidade, de 1990, alterada pela Lei da Ficha Limpa de 2010, é um dos destaques do processo eleitoral. Dente as suas regulações, se estabelece os impedimentos para que determinada pessoa possa concorrer a um cargo público.

A Lei dos Partidos Políticos, em vigor desde 1995 para regulamentar os direitos e deveres das agremiações partidárias registradas na Justiça Eleitoral e também para orientar a criação de novas legendas.

A Lei das Eleições, de 1997, estabelece as atividades que serão realizadas antes e depois dos pleitos pelos partidos políticos e pela Justiça Eleitoral. Ela regula as coligações, as federações, registro de candidatos, entre outros.

90 anos do voto feminino no Brasil. Desde 1932, o antigo Código Eleitoral garante os direitos de votar e serem votadas. Foto: Domínio Público

As definições

Ao longo deste texto, abordamos termos como sufrágio, inelegibilidade, coligações, entre outras expressões que são comumente relacionadas ao processo eleitoral. Mas você sabe o que cada um deles quer dizer?

Para não restarem dúvidas, vamos estabelecer um pequeno glossário, com as definições dos principais termos utilizados pelo direito eleitoral e quando eles são utilizados. É ano de eleição. O tema já toma conta dos noticiários, dos debates e da vida dos brasileiros. Independente das motivações pessoais de cada eleitor, o entusiasmo (ou não) para votar, conhecer um pouco mais do processo eleitoral é importante para ampliar o conhecimento e os termos que são utilizados.

Alistamento eleitoral — É onde se inicia o processo eleitoral, através da identificação e inscrição do eleitor. Nessa etapa, o cidadão passa a integrar o Cadastro Nacional de Eleitores da Justiça Eleitoral. Com o alistamento, se adquire os direitos políticos e o seu título eleitoral, bem como a possibilidade de se eleger e se filiar a determinado partido.

Biometria — O processo eleitoral passou por diversas mudanças tecnológicas, visando a garantia de maior segurança. Dentre os recursos, a biometria permite a identificação do eleitor na hora da votação, através da leitura da impressão digital.

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Boca de urna — A lei define o ato criminoso de realizar propaganda eleitoral ou o convencimento do eleitor a votar em determinado candidato, ou mudar seu voto, no dia da eleição. Além disso, entre as 08h e 17h do dia da eleição, é proibida a divulgação de pesquisa de intenção de voto (pesquisa de boca de urna).

Coligação — Quando ocorre a união de dois ou mais partidos com vistas na apresentação conjunta de candidatos a determinada eleição.

Comício — É uma forma de propaganda eleitoral, que ocorre quando há reunião política, partidária e eleitoral, quase sempre festiva, com discursos de candidatos às eleições. Dentre as espécies, é proibido o “showmício”, que seria a apresentação de artistas nesses eventos, para promover candidatos.

Desde 2021, o STF consolidou o entendimento da proibição de showmícios. Foto: Flávio Florido/Folhapress

Convenção partidária — A convecção não é nada mais que a reunião dos filiados a um partido para deliberação de assuntos de interesse da agremiação, como para escolha de candidatos e formação de coligações, que, de acordo com a legislação, devem ser realizadas no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano da eleição.

Inelegibilidade — Se caracteriza como o impedimento temporário da capacidade eleitoral de determinado cidadão. Quando alguém se torna inelegível, há restrição de ser votado. Essa restrição não impede os demais direitos políticos, como, por exemplo, votar e participar de partidos políticos.

A lei é extensa e caracteriza diversas possibilidades para impedir a capacidade eleitoral de determinada pessoa. Dentre elas, estão inelegíveis as pessoas representadas e julgadas pela Justiça Eleitoral em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político. Aqueles condenados em crimes de lavagem de dinheiro, abuso de autoridade, crimes contra o meio ambiente e a saúde pública. Também não podem se candidatar políticos que tiveram suas contas públicas rejeitadas por irregularidades, os condenados à suspensão dos direitos políticos.

Pela Lei da Ficha Limpa, fica inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado, mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos. Confira aqui a lista de gestores com contas irregulares.

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Sufrágio — Por fim, retornaremos ao que caracterizamos como a essência dos direitos políticos: o direito ao sufrágio, que é materializado pela capacidade de votar (alistabilidade) e de ser votado (elegibilidade).

O sufrágio é universal quando é assegurado a todos os nacionais. Sendo assim, não existem restrições em função de condição econômica, profissional, social, intelectual.

Como dito anteriormente, num período eleitoral, todos na sociedade têm seu lugar de fala e opinião própria sobre seus candidatos, sobre as propostas, sobre o processo. E isso se caracteriza como uma virtude, a materialização do sufrágio.

A possibilidade de poder escolher seus candidatos, se candidatar, poder opinar livremente sobre o processo eleitoral é uma conquista para toda a sociedade. Não podemos permitir um retrocesso nesse sentido.

É uma garantia individual de cada cidadão-eleitor, o direito de receber do Estado a estabilidade do processo eleitoral, o necessário grau de segurança nas regras eleitorais. Temos a liberdade de opinar e conhecer mais sobre esse processo. O sufrágio é a forma de participação e demonstração de interesses dos indivíduos na vida pública e na sociedade política.

E devemos participar. Conhecer o processo eleitoral. Identificar seus candidatos. Se candidatar. Assim como as eleições podem gerar um novo capítulo na política nacional, o conhecimento e participação da sociedade na vida pública trazem o mesmo efeito. Usemos com sabedoria.

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Rodolfo Nascimento
Revista Brado

Capixaba. Estudante de Direito. Diretor de Pesquisa da Associação Atitude Ubuntu. Editor e Colunista da Revista Brado.