Bicentenário da independência: a festa virou velório

7 de setembro | O abandono de um marco e o sequestro de uma data

Anderson Barollo Pires Filho
Revista Brado
3 min readSep 7, 2022

--

A festa virou velório. Coração de Dom Pedro I chega ao país para as celebrações dos 200 anos da Independência. Bizarro, não é mesmo? Pois é. Trouxeram um órgão inativo há 188 anos para ser exposto como forma de comemoração. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Hoje, 7 de setembro de 2022, o Brasil completa oficialmente 200 anos de Independência. Infelizmente, a data de hoje será, e já está sendo, marcada por dois grandes sinais: o do vazio e o do perigo.

O vazio, pois o que era para ser um momento de comemoração e reflexão em todo o país caiu no esquecimento do poder público e também dos brasileiros.

O perigo iminente, pois o que deveria fomentar a unidade em torno de um marco histórico se tornou um tempo sombrio, no qual o presidente da República, junto com seus militantes, ameaçam frontalmente a democracia do país.

Você viu ou teve contato com alguma grande celebração, evento ou conteúdo sobre o bicentenário da Independência? Você ao menos sabia que neste ano completamos 200 anos da nossa Independência?

É de se imaginar que a sua resposta será um reflexo do total abandono que a data sofreu. Basta andar nas ruas da sua cidade, ou rolar a tela das timelines do seu celular, e constatar: não há nada, ou quase nada, voltado para o bicentenário da Independência.

E por falar em ruas e timelines, o que você encontrará hoje, em ambos os espaços, certamente será algo relacionado aos atos em defesa do presidente que, em resumo, pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e contestam a lisura do sistema eleitoral brasileiro.

A realidade é triste. Nada ou muito pouco fizeram os governos, federal e estaduais, as escolas e as grandes instituições públicas e privadas deste país para comemorar uma data tão importante e ímpar na história do Brasil.

Deixamos que um (des)presidente sequestrasse uma data nacional, que diz respeito à história e identidade de todo um país, para fazer uma manifestação eleitoreira e com viés golpista.

O clima é bélico. Com o dia das eleições se aproximando, e o país polarizado, manifestações como essas, de hoje, têm tudo para gerar problemas. E é exatamente isso que o ex-capitão que preside a República quer: problemas.

A estratégia do Jair é simples: fazer um comício, junto com o seu público, em um evento militar. Isso feito, o ato se tornará um crime eleitoral, uma vez que ele utilizará de instituições de Estado para autopromover a sua campanha. Se o crime eleitoral for configurado, o TSE terá de puni-lo.

Sendo punido, ele alegará que está sendo perseguido. Assim, o estopim entre os poderes Executivo e Judiciário pode ser instaurado, dentro do ‘transe patriótico’ que cerca de um terço dos brasileiros vivem nos últimos quatro anos.

Se você me lê hoje, 7 de setembro de 2022, provavelmente estará acompanhando esse cenário, e as respostas para essas dúvidas levantadas aqui, no calor do momento.

Se você me lê depois, com os ânimos mais calmos (ou não), seguramente já saberá que, de toda sorte, o nosso bicentenário da Independência foi marcado por um momento vexatório, vazio e perigoso.

E por mais trágico que pareça, não temos a certeza ou a convicção de que as Forças Armadas irão ou não embarcar nessa aventura golpista. Foto: José Cruz/Agência Brasil.

Nota de falecimento

O passado depende do olhar que o presente lança sobre ele. Hoje, vivenciamos o descaso e o desencontro com a nossa própria história.

Que possamos, um dia, reencontrar e reconstruir essa história. Que possamos, um dia, nos olhar novamente.

A festa virou velório. Que a Independência brasileira descanse em paz!

--

--

Anderson Barollo Pires Filho
Revista Brado

Frames de um pensamento crítico, independente e eternamente desconfortável |Colunista da Revista Brado. Bem-vindo!