Biomimética: a natureza como professora

“A imaginação da natureza é muito, muito maior que a imaginação do homem” (Richard Feynman).

Felipe de Rossi Audibert
Revista Brado
4 min readNov 16, 2021

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Vessel, estrutura inspirada em colmeia na cidade de Nova York. Foto: Unsplash

Um elefante nas costas de uma tartaruga nadando num oceano infinito, boneco de barro virando homem ou uma vaca gigante lambendo o gelo até formar o primeiro deus: parece ridículo e sem criatividade se comparado com o Big Bang e os vários processos totalmente únicos e não intuitivos que culminaram no universo como é hoje. Mas eu não sou mais um ateuzinho chato de 14 anos e tenho um ponto para provar. Não pretendo desmerecer as formas religiosas e, para dar exemplo não religiosos de pouca criatividade, tem gente falando em cristais de cura e da ameaça comunista no Brasil. O ponto é apenas um: nada que sair da cabeça de uma pessoa vai ser tão original, complexo, bem pensado e poderoso quanto o que a natureza pode produzir. Nesse tom, o assunto de hoje é: engenharia e design inspirados na natureza.

A formula é simples: você pega organismos que se reproduzem e mata todos que não forem muito bons. Depois de 3,5 bilhões de anos (primeira evidência de vida na Terra) e incontáveis seres vivos mortos, o resultado será toda a vida como conhecemos no planeta, perfeitamente equipada com o que há de mais eficiente e bem projetado para lidar com os desafios do ambiente. A boa e velha seleção natural.

Tendo o laboratório de pesquisa e desenvolvimento mais completo e que funciona há tanto tempo, é natural que exista uma área de estudos buscando inspiração nele, pensou erroneamente Janine Benyus. Tamanho desperdício a levou a cunhar o termo Biomimética na década de 1990, termo esse que hoje em dia está no repertório de todo bom designer e representa a ideia de aprender com a natureza.

Nessa mesma época, em 1989, do outro lado do mundo, no Japão, engenheiros enfrentavam um grande problema que ameaçava impedir a passagem dos trens-bala por áreas residenciais. Eram muito barulhentos, especialmente ao sair de túneis, nos quais acumulava-se uma onda de pressão causando estrondos ao final. Por sorte, o engenheiro chefe, Eiji Nakatsu, era um observador de pássaros. Os pontos de contato com os fios de alta-tensão acima do trem foram redesenhados para uma forma semelhante a asas de coruja, essas otimizadas para aerodinâmica e baixo ruído (para se aproximar sem ser percebida de suas presas). E o mais importante: a ponta do trem foi refeita baseada no bico do Martim Pescador. Esse pássaro, como o nome sugere, faz mergulhos para pescar peixes e evoluiu de forma que a geometria de seu bico não causasse um grande “splash” na água, assim evitando que os peixes percebam o ataque.

Reprodução/Revista Galileu

O projeto foi extremamente bem-sucedido. Quando lançado, em 1997, era 10% mais rápido, usava 15% menos energia elétrica e não ultrapassava os 70dB máximos de barulho para perímetro urbano.

Existem vários exemplos interessantes, como o velcro, pensado a partir das sementes que grudam na perna em florestas, ou edifícios baseados em cupinzeiros para melhor ventilação e superfícies com microestruturas como as da folha de Lotus, naturalmente autolimpantes. Talvez o exemplo mais poderoso, e não estranhamente copiado da estrutura mais complexa da natureza, é a utilização de estruturas do cérebro na inteligência artificial.

Folha de Lotus com seu efeito e a forma da superfície que gera esse efeito.

A natureza, sem nenhum tipo de pré-conceito ou livro de boas práticas, testou uma infinidade de designs e o fez no melhor simulador no mundo: o mundo real. É hora do ser humano olhar com humildade de onde veio, admirar, aprender e principalmente não destruir essa fonte de conhecimento.

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Felipe de Rossi Audibert
Revista Brado

eng-elétrica UFES, Aluno LabTel, membro da Vitória Baja e colunista de ciência e tecnologia da revista Brado.