Brancos e nulos: uma chapa imbatível

Entre o conformismo e o protesto: o equilíbrio do eleitor brasileiro

Anderson Barollo Pires Filho
Revista Brado
6 min readOct 19, 2020

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Urna eletrônica. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Estamos a pouco menos de um mês para o dia das eleições municipais e, nos últimos anos pares, um fenômeno eleitoral vem se destacando nas urnas: a alta taxa de votos brancos e nulos. Crescendo cada vez mais, esses índices apontam um comportamento crônico do eleitor brasileiro.

Nesse mês, a primeira rodada de pesquisas do Ibope indicou uma alta intenção de votos brancos ou nulos nas 13 capitais estudadas. Na cidade de São Paulo, maior colégio eleitoral do país, as taxas chegam a 20%, valor que se repete em João Pessoa e Natal.

Já na capital fluminense, o ápice: 28% dos cariocas não pretendem votar em nenhum dos 14 candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro. O índice chega a ficar à frente de quem lidera a corrida até o momento: Eduardo Paes (DEM), com 27% das intenções.

De fato, esses números podem — e muito provavelmente irão — ser reduzidos, ao passo que as campanhas forem se desenvolvendo, porém a tendência é que essa redução seja lenta e pouco significativa.

Nas eleições federais de 2018, por exemplo, a “chapa branco e nulo” conquistou mais votos que alguns dos candidatos que chegaram ao segundo turno das eleições para governador de estado.

I. Em São Paulo, o 2º colocado durante o primeiro turno foi o candidato Márcio França (PSB). França disputou o segundo turno e perdeu por 3,5% dos votos válidos para o atual governador, João Dória. II. No Rio de Janeiro, o 2º colocado foi o ex-prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes (DEM), que perdeu para Wilson Witzel (PSC) no segundo turno. III. Em Minas Gerais, o 3º colocado foi quem disputou sua reeleição no governo mineiro, Fernando Pimentel (PT). Todos esses nomes perderam para brancos e nulos no 1º turno de seus estados. Ilustração: Anderson Barollo.

Ainda em 2018, para os cargos do legislativo, as estatísticas foram ainda maiores: brancos e nulos superaram, muitas vezes, os votos dos senadores e da soma dos deputados federais e estaduais eleitos (mais bem votados), juntos.

A título de ilustração, peguemos as eleições para os cargos legislativos no estado de São Paulo:

Em 2018, para deputado federal, o número de votos nulos (mais 2,8 milhões) e o número de votos brancos (aproximadamente 1,95 milhões) foram superiores ao do candidato mais votado pelos paulistas, Eduardo Bolsonaro (PSL).

Com mais de 1,8 milhões de votos, Eduardo se tornou o deputado federal mais bem votado da história do país. Porém, seus adeptos não foram suficientes para vencer nem dos votos brancos e nem dos votos nulos.

A soma dos votos brancos e nulos é superior à soma dos 6 deputados federais eleitos mais bem votados pelos paulistas. Ainda em São Paulo, na esfera estadual, Janaina Paschoal foi a deputada mais bem votada da história do país, com pouco mais de 2 milhões de votos. Porém, só os votos brancos superaram sua marca: 2,13 milhões de votos. Juntando os votos brancos e nulos para deputado estadual, o número ultrapassou o somatório dos 18 deputados estaduais eleitos mais bem votados. Ilustração: Anderson Barollo.

Esses indicadores não são mais pontos fora da curva, e sim um padrão. Fatalmente, o sucesso desse “voto em ninguém” é um [forte] reflexo da pobreza de representatividade política, de liderança e, consequentemente, da nossa democracia.

Entender os fatores por trás desse fenômeno é um exercício necessário para compreender o que vem equilibrando e moldando nosso comportamento, enquanto cidadãos brasileiros.

A chapa invisível

No Brasil, votar é um direito e também um dever. Diante da urna, o eleitor pode (tem o poder de) votar naquele candidato com quem ele mais se identifique; no que mais tenha aprovado as propostas; no projeto que ele mais acredite.

No entanto, em muitos casos esses critérios não são levados em consideração, seja porque o eleitor ponderou outros fatores, seja pela sua falta de opção ou até mesmo pela sua indiferença.

Para os dois últimos casos citados acima, há uma saída e um direito para o eleitor: o voto branco ou o voto nulo. Mas o que significam, de fato, esses votos? Quais são os seus impactos nas eleições?

Em resumo, o voto em branco tende a ser o chamado voto do conformismo, ou seja, quando o eleitor não tem um candidato e se conforma com qualquer um dos que lá estão concorrendo, sendo indiferente para ele.

Já o voto nulo tende a ser equiparado ao voto protesto, isto é, quando o eleitor não aceita e/ou não se identifica com nenhum dos candidatos para o cargo e anula o seu voto.

Na prática, ambos significam a mesma coisa: votos inválidos. No fim, são apenas duas maneiras de votar em ninguém.

Chover no molhado às vezes é necessário, então lá vai: I. Os votos brancos não vão para o candidato que está ganhando. O mito se dá através de uma falsa memória recente: até 1997, os votos brancos eram contabilizados como válidos e, por isso, acabavam favorecendo quem estava à frente nos votos. Isso mudou com a Lei das Eleições nº 9.504, que considera os votos brancos e nulos como inválidos. II. Se mais da metade da população votar nulo, as eleições não serão anuladas. Assim como o voto em branco, os votos nulos não são considerados no cálculo. Foto: Divulgação

Mas além de virar estatísticas, esses votos acabam influenciando em um ponto sine qua non das eleições: a margem de votos válidos.

Acompanhe: Para cargos executivos (prefeitos, governadores e presidente), o candidato é eleito se alcançar 50%+1 dos votos válidos.

Já nos cargos legislativos (vereador, deputado estadual, deputado federal e senador), o candidato precisa atingir ou ultrapassar o quociente eleitoral (cálculo realizado pelo número de votos válidos dividido pelo número de cadeiras disponíveis).

Em ambos os casos, quanto mais votos brancos e nulos, menor fica o universo de votos válidos. Dessa forma, os mais votados se favorecem com a chapa invisível, já que agora precisam de menos para conquistar os 50%+1 ou o quociente eleitoral.

Fatores desmotivacionais: Durante a operação da Polícia Federal que investiga um esquema de desvio de verbas públicas (R$20 milhões) destinadas para o combate à Covid-19, o senador pelo estado de Roraima Chico Rodrigues (DEM) foi flagrado com R$33 mil escondidos em sua cueca e entre as nádegas. Chico era vice-líder do governo no Senado. Por determinação do ministro do STF Luís Roberto Barroso, o senador foi afastado do cargo por 90 dias. Caso o Senado aceite a decisão e afaste o parlamentar, quem assume é o suplente Pedro Arthur Rodrigues (DEM), filho de Chico Rodrigues. Foto: REUTERS/Adriano Machado.

Onde está o erro?

Desde 2014, as expectativas de transformações via políticas públicas vêm se tornando cada vez mais debilitadas. O debate público idem, cada dia mais polarizado: rico de vibrações, pobre de direções¹. A descrença no sistema político tomou conta do país.

Insegurança, perda de credibilidade, baixo poder de mobilização, mais do mesmo, acomodação, inércia, abatimento. Onde está(ão) o erro(s)?

Seria a falta de representatividade social? Sim. Dificilmente alguém de baixa renda e/ou mulher e/ou negro consegue ascensão e capital para fazer grandes campanhas.

Dos 27 estados federativos do Brasil, só um é comandado por uma mulher. Nas eleições deste ano, só 1 a cada 10 candidaturas para as prefeituras municipais é de mulheres.

Nas eleições deste ano, pela primeira vez, a proporção de candidatos negros (49,9%) é maior que a de candidatos brancos. Mas há um porém: 4%. Esse foi o índice de parlamentares negros eleitos no país em 2018. Ora, onde estão esses candidatos?

Seria a carência de lideranças? Também. Uma grande parcela dos que estão à frente do poder hoje se mostra desatualizada: uns por políticas retrógradas, outros por desconexão com o século XXI. Falta articulação, falta estratégia, falta expertise.

Já na era dos nativos digitais (onde estão os nossos futuros líderes), a oferta e demanda que prevalece é a da busca e fabricação de tudo aquilo que confirme sua própria verdade (ou preconceitos). Tudo aquilo que pondere, equilibre e questione está em falta.

Seria a descrença do poder do voto? Definitivamente sim. Votar é um exercício indispensável de cidadania e suas consequências impactam na sua rotina, na sua comunidade, na sua cidade, em seu estado e no seu país.

Ter uma farmácia em cada esquina não elimina a necessidade de você precisar de médicos. Da mesma forma que a facilidade atual de se manifestar através de smartphones não significa que não precisemos mais de representantes, de um porta-voz. Pense nisso.

A lógica é banal, mas aplicável. Menos usuários. Mais cidadãos.

Seria tudo isso e muito mais…

As eleições deste ano são municipais e, ao contrário do que muitos pensam, elas são as mais determinantes para o seu cotidiano. Não pule etapas. Devemos começar de baixo para cima e não o contrário.

Pense. Estabeleça critérios. Estude os candidatos. Não desperdice seu voto. Democracia demanda liberdade e liberdade demanda responsabilidade. Você faz parte desse processo.

Enquanto isso, seguimos no equilíbrio perfeito do conformismo do que aí está com o protesto solitário de tudo que aqui não há. Anular é um direito. Votar é um dever.

A escolha é sua.

Notas de Rodapé

¹ Leia meu texto “Um Brasil sem sentidos”, que discute a crise identitária que marca a esquerda e a direita na atualidade.

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Anderson Barollo Pires Filho
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