Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?

Diante da maior crise do século, que já matou mais de 260 mil brasileiros e quase 2 mil em um único dia, Jair Bolsonaro lança sobre nós, mais uma vez, seu virótico escarro

João Vitor Castro
Revista Brado
4 min readMar 7, 2021

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Sepultamentos no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus, devido à pandemia da Covid-19. Foto: Alex Pazuello/Semcom (15/05/2020)

Nos últimos dias, o Brasil de Jair Bolsonaro e Pazuello vem quebrando todos os recordes de contágio e morte por Covid-19. O número mais assustador foi o da última quarta-feira (3): 1910 mortes em apenas 24 horas. No dia seguinte, o presidente da República, em mais uma de suas cotidianas verborragias esdrúxulas, medonhas e sanguinárias, disse:

“Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”

Há quem diga que falas como essa devem ser ignoradas, pois o presidente — ou melhor, o projeto de autocrata que tristemente repousa suas nádegas na cadeira presidencial — as emite justamente para nos pautar e esconder o que realmente importa: o desastre de sua administração na pandemia; a mansão de seu filho investigado por corrupção; seus inúmeros supostos crimes de responsabilidade; sua interferência e ingerência desmedida na economia; e assim por diante.

O premiê de Israel, a quem Bolsonaro e seus aliados elogiam e dizem se inspirar, deu vida a uma campanha pela vacinação em massa. O próprio Netanyahu foi um dos primeiros cidadãos vacinados no país.

Pode ser que sim. Aliás, é muito provável que sim, quase certo. Mas não se pode fechar os olhos para o repugnante descaso de um chefe de nação eleito de forma democrática para cuidar da vida de todos os brasileiros. Enquanto líderes mundiais sérios, à esquerda — como a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern — e à direita — como o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu —, se debruçam sobre o combate à pandemia e campanhas de conscientização para os cuidados necessários e a vacinação em massa, o charlatão, o garoto propaganda de laboratório farmacêutico, o estelionatário eleitoral que nos governa se debruça sobre a aplicação de um anti-Estado nacional.

Um anti-Estado que não apenas se ausenta de suas responsabilidades, mas que atrapalha propositalmente aqueles que as assumem. Um anti-Estado que não apenas não cuida, mas que expõe ao risco de morte. Um anti-Estado que não apenas não vacina, mas que cria e espalha mentiras — o que ele sabe fazer de melhor — para minar a confiança de seus eleitores na única coisa que pode lhes garantir a sobrevivência à pandemia. Um anti-Estado que não apenas não trabalha para a proteção e o cuidado de seus governados, mas que debocha, que tira sarro, que se delicia da morte sufocante de mais de 260 mil compatriotas.

Bolsonaro não é estadista e não é patriota. Bolsonaro não é sequer presidente. Presidentes, no Brasil, são chefes de Estado e de governo. Bolsonaro é o anti-Estado e o anti-governo. Não se pode ser patriota disparando seus escarros imundos e nocivos sobre as faces de seus governados ou chamando de “frescura e mimimi” os gritos de socorro que ecoam dos leitos de UTI superlotados e dos contêineres refrigerados que abrigam corpos que já não cabem nos IMLs.

Contêiner refrigerado instalado em junho de 2020 em Brasília para o armazenamento de corpos de vítimas da Covid-19. O recurso foi adotado também por Bahia e Rio Grande do Sul na última semana, além de outros estados que o utilizam. Foto: Iges-DF/Divulgação

As ingerências do presidente, seus abusos, suas tentativas de interferir e obstruir a justiça, seu fracasso econômico, seus ataques à democracia e sua tragédia humanitária são extremamente importantes e precisam ser levados a sério e amplamente debatidos. Mas não se pode deixar que falas absurdas, abjetas, asquerosas, repulsivas e hediondas como a da última quinta-feira sejam esquecidas apenas por se tratar de uma “cortina de fumaça”. Ter um presidente que do conforto de seus aposentos zomba de forma perversa de uma doença que se espalha e usurpa a vida de centenas de milhares de brasileiros é, no mínimo, uma tragédia histórica.

Em entrevista ao programa Câmara Aberta, da TV Band, em 1999, o então deputado federal Jair Bolsonaro afirmou:

“Você só vai mudar quando um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil”.

Foto: Amazônia Real (15.04.2020)

Nos próximos meses, o país se encaminha para chegar à cruel marca de 300 mil mortes por Covid-19 — 10 vezes mais do que o capitão reformado, que jamais escondeu seu apreço pela tirania, propôs há 22 anos. Centenas de milhares de brasileiros, de todos os tipos, idades e regiões, assassinados. Assassinados pelo descaso, pela incompetência, pela negligência, pela crueldade, pela desumanidade, pelo desrespeito, pela monstruosidade e pela sanguinolência de tantas autoridades que, por negacionismo, conveniência ou o motivo espúrio e abjeto que for, fecharam os olhos para a chacina provocada pelo novo-coronavírus no Brasil, com a cumplicidade daquele a quem 57 milhões de cidadãos, muitos dos quais incluídos nas macabras listas de óbitos, confiaram sua proteção.

Jair Bolsonaro segue com seu projeto encarniçado de destruir o país que o empoleirou de poder. E, enquanto escarra suas gotículas viróticas sobre aqueles que choram a dor da perda, o suposto presidente lava as mãos em uma bacia de sangue.

Não é frescura nem mimimi, Jair; é revolta, é asco, é repugnância, é raiva, é nojo, é angústia, é medo, é indignação, é desespero, é repulsa. E se vossa excelência quer saber até quando choraremos, eu respondo: até quando o senhor for o líder máximo deste país. No dia seguinte à sua queda, sorriremos como nunca.

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João Vitor Castro
Revista Brado

Jornalista, editor-chefe da Revista Brado e autor de “Refluxo” (Pedregulho, 2023).