O controverso 5G
A nova tecnologia já está abalando estruturas no Brasil e no mundo e, pelo visto, vai chegar para ficar
Após mais de dois anos ocupando o cargo de ministro das Relações Exteriores e protagonizando vários momentos polêmicos, Ernesto Araújo pediu demissão no fim do mês de março.
A saída aconteceu após o ex-chanceler acusar a senadora Kátia Abreu (PP-TO) de exercer lobby para a China implantar a mais nova tecnologia de telefonia móvel no Brasil. Segundo um tweet de Araújo, foi-lhe dito: “Se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado”.
Em outras palavras, Araújo estava querendo dizer que “forças ocultas” estariam tentando o seduzir para apoiar os interesses comunistas chineses e permitir que uma suposta espionagem acontecesse em nosso país por meio da chegada da Huawei, uma megaempresa chinesa que forneceria o 5G.
Mas, afinal, que história é essa? O que de fato é o 5G e quais mudanças ele trará para a nossa vida? A nova tecnologia já está abalando estruturas no Brasil e no mundo e, pelo visto, vai chegar para ficar.
A evolução da telefonia móvel
A primeira geração de telefonia móvel (1G), dava seus primeiros passos na década de 1980, por meio de projetos inovadores em países como a Suécia e a Arábia Saudita. Porém, foi a cidade de Chicago (EUA) que em 1983 testemunhou a inauguração do primeiro sistema comercial de telefonia celular 1G das Américas.
Essa primeira geração utilizava ondas de rádio para a transmissão do sinal. A velocidade máxima da taxa de transmissão chegava a pouco mais de 2kbps (kilobits por segundo), e era pouco estável. A partir daí, a evolução se deu da seguinte forma:
2G: Aplicada na década de 1990, era completamente digital e trouxe as mensagens de texto (SMS e MMS).
3G: Consolidou a navegação na internet por celulares, e foi lançada em 2001.
4G: Surgiu em 2010, e proporcionou avanços significativos na transmissão de dados. Com uma velocidade que pode chegar aos 100 Mbps (megabits por segundo), a quarta geração permite reproduzir vídeos de alta definição, jogar videogames online, fazer videochamadas, e muitas outras coisas.
Com tantas gerações de telefonia móvel, hoje em dia nós possuímos uma ampla variedade de serviços à distância de um clique.
O problema é que as redes 4G estão ficando sobrecarregadas. Com isso, a velocidade das taxas de transmissão começará a cair, e serviços de celular que dependem de conexão, como aplicativos de instituições bancárias, apresentarão cada vez mais lentidão e falhas.
A proposta do 5G é solucionar esses problemas. Anunciada em 2019, a nova geração terá uma capacidade de download 10 vezes maior em relação ao 4G.
Isso possibilitará que filmes com horas de duração e jogos virtuais pesados, estejam na sua máquina após downloads com duração de segundos.
Projetadas para fornecer transmissões que podem chegar aos 10 Gbps (gigabits por segundo), as redes 5G proporcionarão mais estabilidade, melhor cobertura em áreas remotas e diminuirá a latência, que é o tempo percorrido entre o envio e o recebimento de um sinal.
A nova tecnologia também foi projetada para ser utilizada pela Internet das Coisas, e será compatível com drones, circuitos de casas inteligentes e outras tecnologias sustentáveis que chegam para nos ajudar a reduzir a poluição.
Um bom exemplo é o Carro autônomo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que já percorre trajetos sem o auxílio de um condutor.
Exaltação de ânimos
Mas o que foi pensado para solucionar problemas acabou gerando o efeito contrário, antes mesmo de existir completamente.
Uma das maiores empresas de telecomunicações do mundo, a chinesa Huawei, já está oferecendo os equipamentos necessários para a implementação do 5G no Brasil, e disputa o mercado com outras empresas do ramo, como a Ericsson da Suécia, e a Qualcomm dos EUA.
Devido ao direcionamento ideológico do atual governo, membros do Palácio do Planalto se empenharam em atacar a megaempresa chinesa, como o “filho 03” do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Por meio de um tweet, ele acusou o país asiático de realizar espionagem por meio do 5G.
A publicação foi apagada em pouco tempo, mas não passou despercebida pela embaixada chinesa. Em nota o órgão afirmou que a declaração foi inaceitável e que, caso os membros do governo prosseguissem com as acusações, iriam arcar com as consequências negativas, e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil.
O abalo nas relações diplomáticas com o país asiático poderia ter sido ainda mais deteriorado neste ano, devido à acusação implícita feita pelo ex-ministro Ernesto Araújo.
Entretanto, objetivando amenizar a situação, parlamentares e membros do Itamaraty pressionaram a presidência para que substituísse o líder do Ministério de Relações Exteriores, que cedeu.
A demissão de Araújo foi pedida várias vezes no período em que ele ocupou o cargo, devido aos posicionamentos pouco diplomáticos e às diversas crises que ele protagonizou, o que é uma ironia.
O que esses representantes do Executivo Federal se esqueceram é que estavam criando atrito com uma das maiores potências mundiais e um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, se não o maior.
Aproximadamente 35,5% de todas as exportações brasileiras são destinadas à China. Além disso, segundo dados estimados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Huawei fornece entre 35% e 40% dos equipamentos que operam no país para o fornecimento do 4G e do 3G.
Caso a empresa rompa a parceria com o Brasil, seria necessário substituir as redes já instaladas por ela, gerando custos adicionais bilionários. Para piorar, estamos vivenciando a maior crise sanitária da história do país, e um dos maiores fornecedores de vacinas para o causador desse “pandemônio” é a China.
Boataria perigosa
Parece que não dá para ficar pior, mas dá. Novas teorias da conspiração sugerem que as antenas de 5G transmitem o novo coronavírus. Devido a essa mentira, várias torres de telefonia móvel foram incendiadas mundo a fora. Estima-se que, no Reino Unido, perto de 60 torres foram atacadas.
No Brasil, a boataria a respeito do 5G rendeu até um projeto de lei. Em 2019, o deputado estadual Marcius Machado (PL-SC) tentou proibir a instalação da tecnologia 5G no Estado de Santa Catarina. Em caso de descumprimento, era prevista multa de até R$ 200 mil.
O projeto de Marcius foi rejeitado por unanimidade na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), mas o boato que serviu de argumentação para o deputado continua no ar, no canal do youtube “U MIÓ QUE TÁ TENO”, confira:
O raciocínio do “Dr. Lair Ribeiro” é descabido e falso. A alegação de que o 5G é mais perigoso por atingir uma frequência de 3,5 GHz não tem lógica, visto que boa parte dos roteadores Wi-Fi, celulares e notebooks já trabalham com 5GHz, e não causam prejuízo ao corpo humano.
Além disso, a luz visível é mil vezes mais energética em comparação às ondas eletromagnéticas utilizadas pelos celulares.
Portanto, um roteador de internet emitindo um sinal com frequência de até 5Ghz, impacta mil vezes menos as superfícies ao redor dele se comparadas a qualquer fonte de luz, como as lâmpadas que utilizamos em casa.
E no Brasil, cadê o 5G?
A Coreia do Sul lançou a primeira rede nacional de 5G em abril de 2019, e foi o primeiro país do mundo a oferecer a tecnologia.
No Brasil, a novidade vai chegar com atraso, como sempre. A expectativa de órgãos do setor das telecomunicações é de que, após o leilão das faixas de radiofrequência, o 5G ainda leve de 2 a 4 anos para estar disponível.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), aprovou o edital do leilão em fevereiro deste ano, numa reunião entre representantes da Agência e o ministro das Comunicações, Fábio Faria.
De acordo com o edital, o 5G estará disponível nas capitais do Brasil e no Distrito Federal até julho de 2022. A expectativa do governo federal é de promover a licitação ainda no primeiro semestre de 2021.
Além disso, será necessário trocar de aparelho celular, por questões de compatibilidade com a nova tecnologia. Mas fique tranquilo, a tendência nos próximos anos é que os smartphones sejam lançados já com habilitação para aproveitar os recursos do 5G.
O que é vendido por algumas operadoras como “Internet 4.5G” é apenas um 4G melhorado, que, diga-se de passagem, não transmite coronavírus e nem gera câncer, como prega o Dr. Lair.
Sendo assim, relaxe. Ninguém vai “morrer de 5G”, e até a novidade chegar no Brasil, você provavelmente já terá trocado de dispositivo.