Foto: Reprodução/Vídeo nas Aldeias

Cinema indígena e o presente que reinventa o futuro

As narrativas dos povos contadas por eles mesmos

Giovanna Mont'Mor
Revista Brado
Published in
3 min readAug 6, 2021

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Com a ampliação do acesso às tecnologias digitais nas últimas décadas, houve um avanço nas produções de registros audiovisuais, levando à criação de outras narrativas, em muitas vezes de sujeitos com seus modos de vida, histórias e identidades escapavam às lentes de produções.

A apropriação dessas novas dinâmicas por grupos que historicamente encontram-se marginalizados econômica e socialmente possibilitou que o cinema abrisse mais espaços para histórias que não fossem as dos vencedores. Nesse contrafluxo hegemônico, surgiu o que compreendemos como “cinema indígena”, além de outros formatos audiovisuais que vão desde produções caseiras realizadas pelas comunidades até ficções, documentários etnográficos e produções publicitárias, por exemplo.

A abertura desses espaços para novas histórias implicou também em reflexões sobre representatividade, com questionamentos de que alimentar novas visões possíveis surge da necessidade de outras representações que integrem, por sua vez, as multiplicidades individuais e coletivas. Essas possibilidades se desdobram também nas maneiras que esses grupos encontram para falar sobre si mesmos, sobre seus antepassados, suas cosmologias, reinventando e descobrindo as maneiras de fazer a partir de seu próprio referencial.

Foto: Reprodução/Vídeo nas Aldeias

As representações dos povos originários no Brasil que pautam o senso comum remontam ao período colonial, quando duas principais perspectivas corroboraram para os estereótipos ainda hoje reproduzidos. A primeira perspectiva, a positiva, tem origem no mito do bom selvagem, de Jean-Jacques Rousseau. O mito considera que o ser humano em seu estado de natureza é bondoso, inocente, dotado de pureza e que a sociedade é a responsável pela introdução de hábitos e valores conflituosos com essa essência.

A segunda perspectiva é a de que os indígenas seriam povos bárbaros, sempre escapando do ideal de progresso histórico — dado como justificativa para etnocídios e que hoje, mesmo após 500 anos, ainda prescreve discursos e ações ameaçadoras aos mesmos povos e suas culturas.

A construção representativa do indígena na nossa história imobiliza identidades, impele valores intrínsecos a eles. Talvez por causa de nossas projeções herdadas dessas perspectivas — do bom selvagem, dos povos bárbaros — nossos enfrentamentos com registros de novas formas de viver dos povos originários sejam tão inquietantes.

Há também as discussões trazidas na obra de Gilberto Freyre que introduzem ideias acerca da miscigenação e que reduz a diversidade dos povos originários ao torna-los objeto homogêneo de análise. A visão freyreana instaurou um marco na construção do imaginário popular sobre o Brasil em sua formação, que ainda encontra ressonâncias e confrontos com o reconhecimento da necessidade de reinvenção dessas posições catalogadas.

A apropriação do cinema, enquanto possibilidade desse espaço de encontro cultural múltiplo e como instrumento de reinvenção de representações pensada a partir do próprio indígena, surge então como um aliado, um possibilitador de novas sínteses, de reinvenção da cultura de acordo com as necessidades das comunidades.

Para apoiar e conhecer

Muitos dos cineastas indígenas disponibilizam suas produções gratuitamente no YouTube e no Vimeo. Há também os canais do Instituto Socioambiental (ISA) e da FUNAI, além de produtoras como a Pajé Filmes e o Vídeo nas Aldeias, que além do canal no Vimeo conta com um streaming que oferta seu catálogo completo. Vale a pena conhecer também a plataforma IsumaTV, um streaming que disponibiliza produções indígenas de todo o mundo gratuitamente.

É importante ressaltar a presença crescente das produções indígenas nos festivais e mostras de cinema, destacando o forumdoc.bh, o Festival Internacional de Curtas de BH, a Mostra de Cinema de Tiradentes e o Cine Kurumin.

Indico também acompanhar a programação do Cineclube Aldeia, projeto de pesquisa e extensão em imagens indígenas, sediado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

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Giovanna Mont'Mor
Revista Brado

Estudante de Comunicação, instrutora de Yoga, interessada em Cinema, Literatura, Política e Cultura Visual.