Clima: um filme de terror

O que nossa vida tem a ver com Hollywood?

Pedro Fabriz
Revista Brado
9 min readApr 16, 2021

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Imagem: Pixabay

Sempre gostei de filmes que trazem temas científicos e futuristas em seu enredo, buscando formas criativas e novas de explicar tópicos ainda presentes na fronteira do conhecimento científico. Nesses filmes, a criatividade dos roteiristas é o limite, e tecnologias que nunca imaginei ganham forma e tornam a obra muito mais interessante. Um exemplo é o filme “O Céu da Meia-Noite” (2020), que apesar da avaliação negativa do público, não deixa de ser um filme que explora o tema de um futuro distante, no qual novas tecnologias e novos conhecimentos estão presentes.

Outro exemplo de obra que se encaixa nesse perfil é o filme “Interestelar” (2014), querido por muitos interessados em ciência e tecnologia. Esse é um grande exemplo de como a arte acompanha os avanços científicos: o físico Kip Thorne esteve presente na elaboração do filme como consultor e, de maneira incrível, porém não inesperada, o buraco negro representado como animação e efeito especial se aproximou muito do real, uma vez que foi comparado com a foto posteriormente captada de um buraco negro. O impressionante é que sua representação em Interestelar é diferente de todos em Hollywood até então. Ele foi reproduzido (simulado) em um computador com base nas soluções de equações de Albert Einstein.

À esquerda, representação de buraco negro em Interestelar; à direita, primeira imagem de um buraco negro real, produzida por astrônomos em 2019. Imagens: Reprodução/Interestelar; Divulgação/EHT Collaboration

Filmes assim me deixam inspirado, com vontade de ler e conhecer mais sobre certos assuntos, mas uma pulga fica atrás da orelha sempre que os assisto. Enquanto a personagem principal está em uma atividade importante, como uma missão espacial com ajuda de tecnologias inusitadas e ainda exclusivas das obras de ficção, a nossa casa, a Terra, está entrando em combustão, algum desastre está ocorrendo, a paisagem não é mais a mesma, as pessoas não são mais as mesmas, o clima não é mais o mesmo, tsunamis, secas, enchentes, migração de população para áreas menos perigosas, espécies entrando em extinção, e por aí vai. Isso tudo, é claro, torna a missão do protagonista ainda mais importante. Afinal, ele carrega a esperança da raça humana.

Esses filmes, na maioria das vezes, retratam um mundo onde a única opção é migrar a população humana para outro planeta. Será que a real intenção desses filmes é trazer essa realidade assombrosa e nos fazer pensar sobre o caminho que estamos traçando? Afinal, o futuro do filme pode ser o nosso.

De fato, o físico Kip Thorne, em palestra disponibilizada no YouTube, afirmou que a real intenção do filme Interestelar é mostrar o enorme potencial da ciência e da tecnologia para salvar os seres humanos dos possíveis desastres. De certa forma, a obra tem esse compromisso de mostrar um futuro possível (e não tão distante) do qual precisamos sim ter medo.

É verdade, nosso planeta está sofrendo. Nossas ações por anos vêm o degradando e o clima já está mudando. Para comprovar essa última afirmação basta pesquisar sobre o histórico de incêndios florestais na Califórnia, ou então o nosso Pantanal no ano passado, explodindo em chamas, e até a nossa Amazônia.

Se ainda não for o suficiente, o gráfico do Our World in Data mostrando o aumento da temperatura no decorrer dos anos também chama nossa atenção (destaque para o período pré-industrial no século XVIII).

Reprodução

Pode parecer que não, mas essa mudança no clima e aumento de temperatura está muito relacionado com todos os problemas vistos nos filmes já citados. O grande causador desse aumento é a emissão constante e elevada de gases de efeito estufa, e é por isso que precisamos nos reinventar e inovar em diversos setores para chegar à emissão zero desses gases.

Mas por que chegar a zero? Qual o problema desses gases? Por qual motivo outros gases como o oxigênio não causam o mesmo problema? Para abraçar certa causa e enxergar a importância dela, precisamos ter esses conceitos claros na cabeça, e como o assunto envolve clima e gases, um pouco de ciência nos ajuda nesse processo.

A ideia é simples: aqui na Terra existe algo que se chama Efeito Estufa. E isso é ótimo. É um fenômeno natural que diz respeito à retenção e absorção de calor proveniente da radiação solar, devido à presença de uma camada de gases. Sem esse fenômeno, a vida na Terra não seria possível do jeito que conhecemos hoje.

Reprodução/Mundo Educação

O problema é quando intensificamos esse fenômeno natural, aquecendo o planeta e aumentando a temperatura para além dos limites suportados por nós humanos. Esse cenário recebe o nome de Aquecimento Global.

Os principais gases de efeito estufa são: Monóxido de Carbono (CO), Óxido de Nitrogênio, Dióxido de enxofre (SO2), Metano (CH4), Clorofluorcarbonos (CFC), Dióxido de Carbono (CO2) e Vapor de água (H2O).

Os mais conhecidos talvez sejam CO2 e CH4, cuja emissão é intensificada principalmente pela atividade industrial e agropecuária. Porém, para juntar todos os efeitos de todos os gases já citados, temos uma medida que é o dióxido de carbono equivalente (CO2e), sendo a melhor forma de apresentar um parâmetro para medições e comparações. Essa medida leva em conta algumas particularidades de cada gás, sendo que alguns retêm mais calor, mas ficam menos tempo na atmosfera do que o CO2, como é o caso do Metano, que retém mais calor que o gás carbônico, mas fica no ar por menos tempo. Não entenda errado: o que importa no final das contas é o quanto a temperatura se eleva, pois é isso que impacta nossa vida. Essa é só uma medida para facilitar a análise. E carbono equivalente o Brasil já lançou de sobra.

Emissão equivalente de CO2e no Brasil (1990–2019). Fonte: SEEG

Uma grande quebra de padrão decrescente é observada a partir do ano de 2010 no gráfico disponibilizado no relatório de 2020 do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG): “Gases do Efeito Estufa e suas implicações para as metas de clima no Brasil”. Também representados no gráfico, existem alguns setores que se destacam quando o assunto é emissão de CO2e.

O desmatamento ainda é um grande contribuinte para o aumento desses gases na atmosfera, apresentando em 2019 968 milhões de tCO2e (toneladas de CO2e), contra 788 milhões em 2018. Isso acontece pelo fato das florestas representarem uma grande esponja de CO2, ajudando expressivamente na contenção do aumento da temperatura. Além disso, as queimadas, utilizadas muitas vezes como um meio para o desmatamento, liberam CO2 na atmosfera.

No mesmo relatório, outro grande contribuinte para a emissão dos gases foi a agropecuária, totalizando 598,7 milhões de toneladas de CO2e em 2019, um aumento de 1,1% em relação a 2018.

Emissão de CO2e por subsetor da agropecuária. (Fermentação entérica: “arroto do boi”). Fonte: SEEG, 2020

Mas então, por que exatamente esses gases? O oxigênio que nós precisamos para respirar não causa o mesmo efeito na atmosfera, ou seja, retém calor?

Isso pode ser explicado pela Física: todas as moléculas vibram em certo grau de intensidade, e até isso define o estado físico da matéria. Esse grau de intensidade define a temperatura (quanto mais vibram, mais quente ficam). Isto é, colocando em palavras bonitas: temperatura é uma medida que define o grau de agitação das moléculas, e essa agitação pode ser excitada (aumentada) pela incidência de luz na frequência certa.

Quando falamos de frequência

Frequência pode ser pensada como “quantas vezes a onda eletromagnética (luz) vibra por segundo”, e essa quantidade de vibrações define em qual local do espectro eletromagnético essa onda se encaixa. Basicamente, qual nome vamos dar a ela? Radiação infravermelha? Ultravioleta? Ou luz visível? E por ai vai.

Reprodução/Brasil Escola

Contudo, a frequência que nos interessa aqui, isto é, a que interage com as moléculas dos gases estufa, ocorre exatamente quando a luz solar, depois de chegar no solo, é irradiada de volta para o espaço. Ao passar pela “cortina” de gases, essa energia é absorvida pelos mesmos, e então começam a vibrar mais. Uma vez vibrando em uma intensidade maior, essas moléculas interagem com outras que estão perto e irradiam de volta essa energia, aquecendo a Terra.

O motivo pelo qual esses gases específicos interagem com a luz, aquecendo a Terra, é a forma estrutural da molécula que os formam. Gases como O2 e N2, que formam aproximadamente 90% da nossa atmosfera, possuem uma estrutura que permite a essa radiação atravessar sem interferir, ou seja, não absorver radiação na mesma frequência que a discutida (infravermelho).

Ao mesmo tempo que a ciência nos explica sobre o funcionamento da energia e da matéria que nos cerca, ela nos mostra o que pode ocorrer caso o planeta continue esquentando no grau atual. Vários relatórios do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) mostram projeções de computador da temperatura do planeta até o fim do século, em cenários específicos. Em alguns casos em que continuamos emitindo a mesma quantidade de CO2e na atmosfera, a temperatura se eleva cerca de 4oC e 8oC até 2100 (em relação à temperatura no período pré-industrial).

Com o planeta aquecido nesse nível, o problema da insolação não é o único que vamos enfrentar. Primeiro que dias quentes ocorrerão com mais frequência, e quanto mais quente a região, mais água evapora. Quanto mais água evaporar, mais água retornará em algum momento para a superfície terrestre, originando tempestades de níveis catastróficos que vemos com pouca frequência na televisão. Ao mesmo tempo, os solos ficarão mais secos, o que significa mais incêndios destrutivos.

Com o ar mais quente, teremos migração de espécies de insetos para áreas mais úmidas, junto com os humanos. Isso significa um problema na saúde: mais casos de doenças que têm insetos como vetores. Além disso, o ar só consegue reter certa quantidade de vapor de água, depois desse limite não tem mais para onde nosso suor ir. Isso significa que você não consegue liberar energia do seu corpo, por mais que transpire. Poderíamos morrer de calor, literalmente, em pouco tempo.

Ainda temos a elevação do nível da água do mar, uma vez que as geleiras polares estão derretendo. Nesse cenário, cidades mais pobres vão sofrer mais.

Elevação do nível não é o único efeito no oceano: ele acaba ficando mais ácido, pois o CO2 acaba indo para a água. Consequentemente, o ambiente não consegue mais manter os ecossistemas ali presentes.

Como podemos ver, é um problema atrás do outro, e cada um intensifica o próximo. Isso significa que temos um sistema que pode piorar exponencialmente. Sendo assim, não há muito tempo a perder, precisamos repensar nosso mundo urgentemente.

É imprescindível eliminar as emissões de CO2e dos processos, isto é, encontrar formas de realizar as mesmas atividades, porém com tecnologias de emissão zero.

Não existe um cenário possível em que o planeta pare de se aquecer se continuarmos desse jeito. Os negócios que irão liderar o futuro são aqueles que conseguirem unir progresso e sustentabilidade em suas atividades, tornarem seus processos livres de impactos ambientais. Por isso, mesmo países que não sofram o impacto de imediato devem abraçar essa luta. Cada indivíduo pode ajudar repensando os hábitos, principalmente os alimentares, tendo em vista o grande impacto que a indústria da carne tem sobre o meio ambiente e o clima.

Se quisermos chegar à zona de zero emissão, é necessário que os governos, principalmente dos países mais ricos e portadores de recursos — mas não só –, visualizem o problema como urgência principal, sendo a única forma de combater o futuro que vemos nos filmes de ficção. Se não queremos ter uma história parecida com a dessas obras, temos que escrever uma diferente para prosperar como raça humana.

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Pedro Fabriz
Revista Brado

Estudante de Engenharia Elétrica. Cofundador e Programador da Atitude Ubuntu e apaixonado por Ciência e Tecnologia. Colunista e Editor da Revista Brado.