Como a Lei Maria da Penha se aplica ao ‘webnamoro’

As novas formas de relacionamento e a violência praticada virtualmente

Rodolfo Nascimento
Revista Brado
5 min readMar 21, 2022

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Imagem: cottonbro/Pexels

Os atos de conhecer novas pessoas e iniciar um relacionamento amoroso pela internet ganharam diversos adeptos durante os tempos de isolamento. Desde que foram estabelecidas medidas de distanciamento social em decorrência da pandemia de Covid-19, vários meios alternativos de interação foram utilizados para diminuir a distância entre as relações pessoais, mesmo que pelo meio digital, já que as pessoas buscaram permanecer criando laços de envolvimento e haviam diversos riscos ao conhecer novos pretendentes presencialmente.

A pandemia ocasionou um aumento expressivo no uso de aplicativos e as plataformas de namoro também se incluem nessa crescente. De acordo com dados apresentados pelo “Dating.co”, houve um aumento de 82% no “webnamoro” a partir de março de 2020, quando se iniciaram as medidas de isolamento em todo o planeta. A modalidade ocorre com o relacionamento à distância por meios virtuais onde ocorrem interações através de textos, fotos, chamadas de vídeo, entre outros.

Com as flexibilizações recentes, muitas dessas relações passam a acontecer também pessoalmente e muitas vezes se mantêm de ambas as formas, com alguns encontros físicos, bem como com a permanência do contato através de redes sociais, sites e aplicativos de relacionamento.

Imagem: Sammy Sander/Pixabay

Essa nova forma de se relacionar, infelizmente, também passa por problemas recorrentes da vida social. Há a possibilidade de que ocorram relacionamentos abusivos através dessas interações virtuais. As diversas formas de violência podem ultrapassar a barreira da distância física e se perpetuam com frequência também no meio online.

Pelos relacionamentos à distância, é possível que ocorram abusos, violências, humilhações e coações. A realidade virtual tende a repetir os mesmos hábitos que existem em relações presenciais.

Ao tratar de violência em relacionamentos, é realidade que o impacto contra a mulher continua sendo o mais expressivo, sendo um abuso tolerado pela sociedade e presente na cultura da história humana. Essa violência demonstra a gritante desigualdade e o impacto negativo nas relações sociais, perceptível até nas relações pela internet.

Popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, a Lei n.º 11.340/06 ampara as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar nos casos de agressão física, psicológica, injúria, danos morais, entre outros. Ao cotejar os relacionamentos virtuais, existe um entendimento dominante de que também é possível a aplicação da Lei a essas formas de “webnamoro”.

Já é consolidado pelo judiciário brasileiro que para se configurar a violência doméstica e familiar não é necessário que autor e a vítima vivam no mesmo domicílio. Além do âmbito da unidade doméstica e da família, a Lei também é aplicável em qualquer relação íntima de afeto em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida.

As relações virtuais, como o “webnamoro”, estão inclusas nessa relação íntima de afeto. É o que diz o enunciado n.º 50 da Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (COPEVID), criada por um grupo do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG).

A medida é um avanço no combate à violência doméstica. Com as novas formas de convivência, a adequação do direito às novas realidades demonstram a importância do contínuo debate e os avanços sociais necessários para existirem meios possíveis de lidar com as novas situações, como a aplicação da Lei Maria da Penha aos casos de namoro virtual.

Imagem: Pexels

O enunciado que garante a aplicabilidade da Lei é anterior ao período da pandemia da Covid-19, entretanto, reforçar essa possibilidade é de suma importância na atual conjuntura. Em recente relatório da ONU Mulheres, é apontado o impacto da pandemia na violência contra a mulher, no meio virtual, pela prática de perseguições e assédio sexual. Houve aumento significativo nos casos de crimes contra mulheres durante a quarentena.

A jurisdição brasileira demonstra certo progresso em relação à nova realidade trazida pela internet, bem como as relações sociais decorrentes dela, visto que os crimes nessa esfera têm consequências que ultrapassam a privacidade da vítima, mas sustentam um ciclo contínuo de violação social contra as mulheres.

Caso a vítima esteja em situação de violência pelo meio virtual, a Central de Atendimento à Mulher em situação de Violência, pelo número 180, oferece as orientações necessárias, bem como encaminhamento para os serviços adequados, como a Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros. A ligação para o 180 é gratuita, com atendimento diário, 24 horas e em todo o território nacional.

É válido ressaltar que, embora a Lei Maria da Penha seja voltada para o âmbito doméstico, familiar e de relações íntimas de afeto, nenhuma forma de violência pela internet deve ser tolerada. Mesmo que não haja convívio anterior entre a vítima e o agressor, existem outras legislações aplicáveis que buscam aparar mulheres em situação de exposição e violência pela internet. Nestes casos, as vítimas podem procurar delegacias comuns ou, caso haja, especializadas em crimes cibernéticos para fazer sua denúncia.

O meio virtual possibilita a toda a sociedade uma conexão e a criação de novos laços. Aplicativos de namoro são uma ferramenta que pode proporcionar novas relações e encontros. Por outro lado, a internet é apenas mais uma faceta da realidade humana e estando a violência também presente nela, deve ser reprimida da mesma forma.

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Rodolfo Nascimento
Revista Brado

Capixaba. Estudante de Direito. Diretor de Pesquisa da Associação Atitude Ubuntu. Editor e Colunista da Revista Brado.