Invenções num cômodo de casa

A revista que nos inventou em 2020

Camila Borges
Revista Brado
2 min readJun 7, 2023

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Foto: Camila Borges

O dia de uma mulher em 2020 era andar como zumbi dentro de casa, entre o quarto e a cozinha, a sala e o banheiro. Limpa o quarto, deixa acumular, pega um filme, larga pela metade. Na mesma pressa do homem de 1920, de João do Rio, sufocada pelas tecnologias avançadas que nos permitiam continuar estudando e trabalhando à distância, sem poder sair pelas ruas e respirar um ar poluído.

Tivemos que reduzir a velocidade, a doença nos acometia e daí, o que adiantaria toda a pressa de fazer e de acontecer?

“Qual a sua opinião? É preciso pensar! Sempre a questão social! Se houvesse uma máquina de pensar?”*

Então, em algum cômodo de casa, decidimos criar uma revista, onde poderíamos falar sobre o mundo, experimentar, errar, aprender, desenhar, criticar, onde poderíamos nos sentir participantes de alguma coisa. E nós falamos — isso ninguém pode negar. Falamos de cultura, de política, de saúde, de meio ambiente, de raça, de gênero e tantas coisas mais.

Ai de nós que no caos das redes resolvemos falar de democracia! Entrevistamos uma galera sabida, fizemos perguntas e mais perguntas.

A Brado nasceu da utopia, da vontade de fazer alguma coisa — não sabíamos o quê direito. Na editoria de Cultura, arrepiávamos os cabelos da nuca toda vez que saía uma notícia. Direto da Secretaria Especial de Cultura do governo federal… mais uma burrada! É preciso dizer algo!! vamos publicar na revista! Criamos crônicas também, porque não somos de ferro — a arte nos eleva durante tempos difíceis.

É tormento aceitar o fim. É amarga a sensação de deixar ir algo que nos moveu. Despertei no susto nesta segunda, sonhei que escrevia uma última crônica sobre uma revista que criamos em um tempo sombrio da humanidade. Abri a janela e fui abrasada pelo sol da manhã: é assim que se iniciam todas as crônicas.

É modesta minha avaliação: não creio que mudamos o mundo. Acredito que perturbamos um bocado de fãs de políticos, geramos algumas discussões e comentários acalorados, inspiramos alguns estudantes de jornalismo, orgulhamos nossos pais (ou geramos umas intrigas no seio familiar?), impressionamos alguns professores e amigos.

Ainda que seja uma visão modesta, sou romântica. Nós, que fizemos parte dela, certamente não esqueceremos. Dizer que foi bom pro currículo é pouco, é que falta poesia, então direi que a Brado nos deu um motivo pra continuar gritando. Porque havia o direito ao grito, então gritamos.

Poderíamos dizer que nós inventamos uma revista, mas o clichê se tornou real: foi ela que nos inventou.

* O dia de um homem em 1920 — João do Rio

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Camila Borges
Revista Brado

Graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo | Colunista de Cultura da Revista Brado