Crônica | O bolsoduro

Aos patriotários e também aos crédulos da utopiada: acordai-vos

Anderson Barollo Pires Filho
Revista Brado
3 min readMay 23, 2021

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Lambe lambe em muro na Avenida Paulista. Crédito: Roberto Parizotti/Fotos Públicas.

“Vão me chamar de ditador, mas eu não me importo”, expressou. “Temos que criar uma nova estrutura para que os ministros comecem apertar, a transformar, a mudar tudo”, prometeu. Bem ou mal, reconheço: ele cumpriu o que disse.

No poder, ele combina os cargos públicos da seguinte forma: uma parte é ocupada pela chamada “ala ideológica” e a outra é preenchida pelo exército. Grosso modo, o governo, que aqui descrevo, é composto de militantes e de militares.

O discurso que o elegeu é o mesmo que, de certa maneira, ainda lhe mantém vivo em meio ao marasmo político nacional: o do “nós contra eles”. Com seu populismo, ele é quem norteia o debate público nacional. Vida longa à polarização.

Mas embora esteja sempre pautando a mídia, o seu repúdio e os seus ataques, literalmente em vias de fato, aos veículos de imprensa são inumeráveis. Não à toa, o país ocupa o 148º lugar no ranking de liberdade de imprensa.

Se já não fosse o bastante, o seu combate vai além dos assédios à imprensa. Como costuma dizer, a sua guerra é contra o sistema, o multilateralismo, as elites mal-intencionadas, as universidades e tudo aquilo que põe em cheque “a nossa soberania” — mesmo que para isso seja necessário, até mesmo, ser também anti-ciência.

E quando o assunto é anti-ciência, sua excelência atingiu, recentemente, o (raro) cume: ser um dos únicos chefes de Estado do planeta a ter algumas de suas publicações apagadas e até mesmo a restrição, temporária, do seu perfil pelas redes sociais Twitter e Facebook.

O motivo? “Reiteradas desinformações relacionada a pandemia do coronavírus”. Da maquiagem nos dados sobre o vírus no país até as pílulas curandeiras, como a cloroquina, ele chegou a afirmar que o país tinha o “medicamento efetivo para o tratamento contra a Covid-19”, e reiterou: “Sim, nós podemos [vencer o vírus]”.

Não venceu o vírus e tampouco a miséria. Fadada cada vez mais à pobreza, a população assiste ao descontrole generalizado na economia, o genocídio de direitos humanos e fundamentais, a desarmonia entre os poderes e uma fuga de cérebros, ímpares em sua história.

Por essas e outras, o país se encontra hoje, definitivamente, no status de Estado pária internacional, e posso afirmar: isso é um projeto político e não um mero acaso situacional.

Em entrevista ao Estado de São Paulo, em 1999, o então deputado federal, Jair Bolsonaro, afirmou que a chegada de Chávez era “uma esperança para a América latina”, “pessoa ímpar”, “gostaria muito que sua filosofia chegasse ao Brasil”. Crédito: Acervo Estadão.

Aqui, o futuro é mesmo duvidoso, o passado é frequentemente incerto, e o presente é definitivamente salgado. E vocês hão de concordar comigo: custa caro ser nativo dessa terra e o bolso (o seu, o meu, o nosso) está cada vez mais seco — duro.

A essa altura da crônica, acredito que já tenha ficado óbvio que eu esteja falando, desde o início, dos nossos irmãos venezuelanos e o Estado de exceção que o país vive sob o regime chavista de Nicolás Maduro.

Mas caso você tenha, em algum momento da leitura, feito uma confusão ou alguma alegoria com qualquer realidade próxima a você, posso te tranquilizar: é uma mera coincidência. Afinal, nosso mito já garantiu: “o Brasil não irá virar uma Venezuela”.

E para a massa que mal sabe o que já aplaudiu, deixo o meu apelo: acordai-vos.

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Anderson Barollo Pires Filho
Revista Brado

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