Danilo Gentili presidente?
Um possível curinga para a corrida eleitoral de 2022
Este é aquele tipo de texto que pode gerar certa polêmica, desconforto, rejeição e até mesmo descrédito por não ser levado a sério. Porém, toda piada carrega consigo o ridículo dos vícios e particularidades de alguma pessoa, grupo e/ou sociedade.
No início do mês de abril (6), uma pesquisa realizada pelo IPE (Instituto de Pesquisa & Estratégia) apontou que o apresentador e humorista Danilo Gentili possui 4% das intenções de voto na disputa eleitoral para presidente da República em 2022.
O levantamento foi encomendado pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e mostrou que, caso Gentili fosse candidato, o humorista estaria em pé de igualdade com políticos tradicionais como o governador paulista João Dória (PSDB), o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e até mesmo o apresentador global Luciano Huck — todos com 4%.
Seja a possível candidatura do humorista encarada como “absurda”, “genial”, “palhaçada” ou como um “meme”, o fato é que a divulgação dessa pesquisa conseguiu movimentar — de forma rasa — as redes sociais e alguns (poucos) setores da classe política e midiática.
Quando avalio que esse dado foi encarado de forma rasa, não quero dizer que a provável candidatura, por si só, foi malsucedida, mas sim que ela foi assimilada de forma empobrecida — tanto por aqueles que acham que ela não passa de uma brincadeira como daqueles que a consideram um completo despropósito eleitoral.
É natural que, em um primeiro momento, a população reaja de forma cética e crítica a uma eventual candidatura presidencial de um nome como o de Danilo Gentili — aliás, é bom que seja assim. Porém, não levá-lo a sério e, consequentemente, não analisar o que isso pode significar de “ameaças” e, sim, “oportunidades”, é um erro.
As ameaças? Bem, estamos vendo o que um “pseudo-outsider” é capaz de fazer, tanto na esfera eleitoral como na esfera política. Imagine, então, um legítimo.
E as oportunidades? Aqui, de fato, depende de quem analisa (e como analisa). Para aqueles que demandam a chamada terceira via — que é expressamente mais de um terço dos brasileiros — , esse ensaio eleitoral do MBL pode vir a funcionar como uma oportunidade de enfraquecer um dos polos, ridicularizar o outro e, se usada de forma acertada, ajudar a acelerar ou pavimentar a tal “candidatura de centro”. Mas como?
Para além dos desdéns e dos alaridos, precisamos compreender o que, de fato, isso pode envolver e significar.
As cortes
O Brasil vive hoje uma das maiores carências políticas da sua história. Carece de lideranças, de planejamentos, de projetos de país e de propostas sintonizadas com o século XXI e com o Brasil real. Somos um país sem sentidos¹.
Pior: quando há raros nomes dedicados a alguma dessas pautas, os fisiológicos, da esquerda à direita, tratam de deixá-los de escanteio ou, muita vezes, fazem de tudo para destruir suas reputações pessoais e políticas.
Em paralelo, nunca foi tão fácil ser oposição a um governo como este, entretanto, o maior adversário do atual presidente é o próprio desastre que é a sua gestão. O governo é fraco, a oposição idem.
Um dos principais sintomas dessas fraquezas e carências é a falta de articulação para atender a uma demanda latente: a chamada terceira via. Falta diálogo, intersecções e projetos de país; sobram egos, desafetos e projetos de poder.
Todos os nomes levantados pelas pesquisas e pelas classes políticas como “candidato de centro” encontram uma série de dificuldades para fazerem suas candidaturas prosperarem ou até mesmo alcançarem os dígitos que Jair Bolsonaro e Lula obtêm.
O primeiro gesto de um possível diálogo entre esses candidatos ocorreu em uma “carta-manifesto” em defesa da democracia, no fim do mês de março (31). Apesar de ter sido bem-vinda por boa parte da sociedade, o ato, por si só, ainda é muito pouco para materializar uma eventual aliança.
Diante desse cenário, e de diversos outros fatores que não abordarei aqui para não me prolongar, 2022 tende a repetir o cenário eleitoral de 2018: Bolsonaro vs PT. Porém, a repetição se finda aí (e já é o bastante), pois as conjunturas de 18 dificilmente ocorrerão novamente no país — pelo menos não em um futuro próximo.
De fato, a chegada do “fator Lula” muda, em muito, as estratégias e a própria jornada das campanhas dos demais candidatos. Sem tratar do mérito desse novo fator (que vale, em si mesmo, uma análise em um artigo independente), a vera é: hoje o nome mais forte para ganhar as próximas eleições é o ex-presidente, ex-presidiário e ainda réu — que fique claro — Luiz Inácio.
Mas e o Gentili? Onde entra nessa história?
O bobo
Caso venha a ser de fato candidato, o humorista e apresentador Danilo Gentili tem tudo para fazer uma das campanhas mais folclóricas da história das eleições presidenciais brasileiras.
Embora sempre muito crítico e ácido a toda a classe política brasileira, desde os tempos de CQC, Gentili sempre teve uma identificação ideológica mais à direita — e por isso o apoio do MBL e o aceno de Amoedo e Moro.
Para além das obviedades, os pontos não tão cegos dessa jogada política/marqueteira do MBL parecem não ter sido compreendidas por boa parte do eleitorado e até mesmo pelos demais candidatos.
Com Danilo Gentili na corrida presidencial, o humorista conseguirá pautar em boa parte as eleições e, consequentemente, roubar parte dos holofotes de Lula e Bolsonaro. E se tem alguém que o apresentador pode atrapalhar durante essa campanha, esse alguém é o atual presidente. Opositor do petismo de longa data e do atual governo nos últimos anos, Gentili e o MBL são uma ameaça, em um primeiro momento, justamente ao bolsonarismo.
Assim como a esquerda tem suas divisões, a direita também tem as suas. Há um público de direita órfão, especialmente o mais jovem, que não tem nenhuma simpatia com candidaturas de esquerda e tampouco (ou não mais) apoiam o Bolsonaro.
Da mesma forma, há também um público que, dada a conjuntura atual, ainda vota no presidente, mas não necessariamente é apoiador fiel do governo, ou seja, é aberto a novos nomes que se alinhem aos seus valores.
Com apoio já declarado de Sérgio Moro, um frequente e bem sucedido diálogo com Amoedo e uma gestão de campanha encabeçada pelo MBL, a candidatura de Gentili deixa de ser uma “brincadeira” e passa a ser algo muito mais sério.
Ela pode vir a se tornar uma pedra no sapato do atual presidente (que está em tendência de queda) e um porta-voz altamente eficiente para as demais candidaturas que o MBL tentará emplacar nas esferas estaduais.
Se ainda não me fiz entender, peguemos o termômetro eleitoral mais atual que temos do país para título de exemplificação: as eleições de 2020. Em São Paulo, o deputado estadual Arthur do Val (Patriota), o Mamãefalei, se candidatou à prefeitura e chegou a alcançar mais de meio milhão de votos, ficando em quinto lugar no primeiro turno.
Com todas as pesquisas apontando 2% das intenções no início da corrida eleitoral, o integrante do MBL conseguiu, com poucos recursos financeiros e sem “padrinho político”, mobilizar uma parcela significativa do eleitorado de direita paulistano, chegando a 9,78% dos votos válidos.
Na ocasião, o parlamentar e youtuber conseguiu pautar os debates em diversos momentos e antagonizar com o candidato e deputado federal Celso Russomano (Republicanos), que contava com o apoio expressivo do presidente Bolsonaro e que esteve à frente das intenções durante a maior parte do período eleitoral. No fim, Russomano ficou na quarta colocação, com 10,5% dos votos válidos, o que demonstra uma alta migração dos eleitores durante a campanha.
Lógico que há outras razões que influenciaram a queda livre de Russomano em São Paulo e que a sua candidatura não teve a mesma envergadura que tem a de Jair Bolsonaro para 22. Porém, o trabalho político realizado pela turma do MBL (que também conseguiu eleger três vereadores para a Câmara Municipal paulistana) foi sim um dos fatores de destaque na campanha e também o que motivou o baixo desempenho nas urnas do repórter especializado em defesa do consumidor, Celso.
E mais: além de pautar e puxar votos de outros candidatos, diluindo a força eleitoral dos demais concorrentes, a campanha do Mamãefalei acabou contribuindo, de certa maneira, para o crescimento da candidatura de Guilherme Boulos (PSOL-SP) — que conseguiu chegar ao segundo turno daquela eleição.
Ainda sem fazer juízo de valor dos candidatos em si, Boulos foi quem melhor aproveitou o “vácuo eleitoral” causado muito em virtude da diluição dos demais candidatos, para viabilizar o seu nome. Além disso, o coordenador do MTST também contou com uma campanha bem sucedida nas redes, que conseguiu reconstruir a sua imagem perante parte do eleitor paulistano e da imprensa tradicional — imagem que sempre foi muito atrelada à extrema-esquerda — para alguém mais “moderado”.
Em 2020, o paulistano já sabia que o prefeito Bruno Covas (PSDB-SP) já estava no segundo turno da eleição municipal. No primeiro turno, a disputa foi para decidir quem iria preencher a segunda vaga. Hoje, neste exato momento e contexto, ao contrário do que muitos pensam, o candidato que já tem a vaga garantida para o segundo turno da corrida ao Palácio da Alvorada é o petista Lula.
Bolsonaro? É forte candidato também — afinal, detém a máquina. Entretanto, está em queda, exposto e se exaurindo cada vez mais em seus maus exageros. Além disso, o ex-capitão enfrenta um partido que, desde 1989, esteve presente em todos os segundos turnos disputados para o cargo máximo da República. O presidente, apesar de ser um dos favoritos, é o alvo mais fácil, o lado mais fraco desse “cabo de guerra bipolar”.
Feita essas considerações, me arrisco afirmar: se no ano passado esse tipo de estratégia conseguiu certos êxitos para quem a executou e também foi capaz de ocasionar mudanças significativas no processo eleitoral, não é nenhum devaneio apostar que Danilo Gentili possa sim ser um joker que altere radicalmente o jogo de 22.
O buraco em que se encontra o Brasil
Ainda não se sabe se o humorista irá topar fazer das próximas eleições uma grande piada. Se teremos ou não um palhaço (profissional) nas próximas eleições, o fato é que algumas cartas já estão sendo colocadas e movimentadas na mesa e certos jogadores precisam rever suas estratégias, se mobilizar, se decidir e o mais importante: se viabilizar.
No popular jogo de cartas “buraco”, ganha aquele que fizer mais pontos. Nas eleições, ganha aquele que somar mais votos. No buraco, quando usado sabiamente, um curinga pode ajudar a formar uma canastra, pegar um dos mortos ou até mesmo bater o jogo.
Basta saber como e quais jogadores usarão o(s) curinga(s) a seu favor. Quem são os mortos? Quais são as canastras?
Nota de Rodapé:
¹ “Um Brasil sem sentidos” discute a crise identitária que marca a esquerda e a direita na atualidade.