Dois mil e vinte e dois.

Festejemos a virada e a persistência em viver o que e quem somos

Gaby Minchio
Revista Brado
3 min readJan 6, 2022

--

Foto: Matheus Bertelli/Pexels

Faço este texto em 2021 e o escrevo com a fé de que, quando ele sair, ainda estarei por aqui para compartilhá-lo.

Quando passamos pela perda, tomamos um solavanco de que, sim, a vida acaba. E ela nem sempre avisa com tanta antecedência e, por muitas vezes, se finda dentro de um período que consideramos muito curto.

Perda é ato de perder. É falta de algo que se chegou a possuir. Ausência de quem convivia. Privação da presença de alguém.

Foi isso que o dicionário me trouxe.

Hoje, para mim, perda é viver faltando; é viver por mim e por quem não está mais por aqui.

Dois mil e vinte foi um ano completamente incompleto para muitos que hoje convivem com a falta e, ao mesmo tempo, agradecem, apesar de tudo, por ainda estarem aqui.

Privilégio o meu não ter sentido essa falta por conta da Covid, em 2020. Privilégio não ter tido essa privação da presença de alguém em 2021 por esse mesmo motivo. Mas aí vem a vírgula.

Embora o surto das perdas tenha sido causado pelo coronavírus, ainda tomamos trancos da vida por outras causas. Vovô foi embora, depois de muito aviso dado pela morte, por conta da maldita doença, o câncer. No entanto, todo esse anúncio não amenizou nada o tanto que minhas primas, tias, mãe, vó e eu sentimos essa ausência.

Sei que não existe isso de comparar as dores e os fins, contudo, temos o consenso de que, quanto menos tempo em terra, parece ser mais improvável que vamos embora.

Como já começamos nostálgicos — visto que não há saudosismo algum em tudo o que foi dito até então –, continuaremos nesse mesmo ritmo de retrospectiva.

Houve perdas próximas, mas não dentro da minha bolha. Houve perdas e, enquanto escrevo e você lê, elas continuam e continuarão.

Todavia a imortalidade jovem, que já disse em outro texto, ainda permaneceu na minha mente mesmo sendo uma mulher LGBTQIA+ vivendo em um país completamente lgbtfóbico.

Voltemos, portanto, ao ponto de que não passa pela nossa cabeça que iremos embora tão cedo. Todavia uma amiga minha foi.

Sem sobreaviso.

Sem nem responder à última mensagem mandada. Sem nem fazer seu último Enem. Sem nem saber se passaria em medicina. Sem nem saber se teria mais sobrinhos. Sem me ver colando grau, apresentando meu TCC. Sem me ver apresentando uma namorada que provavelmente ela teria ciúmes, mas poderia amar conhecer. Ou criticaria também.

Não que eu achasse que, apenas por ser quem sou, poderia ir antes que ela. Mas sempre achei que iria primeiro que muitas pessoas — pode até ser por defesa e medo da perda. E ela, inconscientemente, estava incluída.

Quando acontece repentinamente toda essa brutalidade da vida, começamos a repensar sobre a nossa vivência junto de toda a metamorfose que acompanha esse momento de compreender o que se sente e aceitar que irá viver esse mix de sentimentos constantemente a partir de agora.

E aí chega um ponto em que tentamos tirar algo de tudo isso.

Mesmo que momentaneamente, ou começamos a querer viver mais a vida e descobrimos que algumas pequenas coisas acabam tendo um pouco mais de valor e temos mais medo sobre acontecimentos com as pessoas que nos rodeiam; ou estagnamos no ponto em que ainda havia vida naquele alguém que já se foi.

A vida é todo um complexo de processos difíceis de definir. Ela vai além de um pulsar do coração ou das nossas conexões neurais.

Reprodução: Youtube — Canal Casa do Saber

Aprendemos muito em todo o tempo em que ficamos aqui. Mas dificilmente compreendemos que realmente o para sempre sempre acaba.

E como bem cantam Emicida e Gilberto Gil: viver é partir, voltar e repartir. Não sabemos de nada. Apenas supomos e temos a fé de que hoje não é o último dia e que vem o amanhã. E se não vier, que tenhamos sabido aproveitar o instante que incessantemente estamos vivendo. Que ele não seja em vão.

Para manter a vida e negar a morte, vamos exercitar ao máximo a arte do encontro, da procura e da realização.

Feliz dois mil e vinte e dois para nós que aqui ainda estaremos.

Gostou deste texto? Deixe seus aplausos (eles vão de 1 a 50) e compartilhe.

Siga a Brado nas redes sociais: Instagram; Facebook; Twitter; e LinkedIn.

--

--

Gaby Minchio
Revista Brado

Comunicóloga pela Ufes | Pós-graduanda em Formação do Escrito pela PUC-Rio | Fui colunista da Revista Brado | Escrevo textos que surgem do nada também