Dupla maternidade ainda é um tabu

Mylena Ferro
Revista Brado
Published in
3 min readOct 27, 2021
Imagem: Unsplash

Se às mulheres héteros a maternidade é cobrada, encorajada e por vezes até forçada, às que se entendem e se assumem sáficas (mulheres que se relacionam com outras mulheres, podendo ser bissexuais, lésbicas etc), ela é negada, julgada e tratada como aberração. A opressão entre ambas, no entanto, parte de um mesmo princípio: a negação à autonomia dos próprios corpos.

Não raro casos de casais sáficos tomam a mídia por passarem por homofobia ainda dentro da maternidade. Embora a lei já assegure — com algumas brechas — a legitimidade deste modelo de família, é comum que equipes médicas ou mesmo cartórios coloquem entraves para o registro de filhos de duas mulheres. Sendo preferível constar “mãe solo” do que “dupla maternidade”, é mais aceito e normalizado o pai que não assume seus filhos do que os casais com que fogem à construção tradicional do que é ser uma família.

Quando a atriz Nanda Costa e a percussionista Lan Lanh anunciaram que estavam esperando gêmeos, confesso que me surpreendi com a receptividade tão afetuosa que elas haviam recebido. Depois percebi que faço parte de uma bolha e, ao treinar meu olhar saindo dela, me deparei com os comentários mais baixos, misóginos e lesbofóbicos que se pode imaginar. O amor entre mulheres assusta.

Foto: Unsplash

Tenho pensado que às que se encontram em relacionamentos sáficos, sobretudo aqueles que fogem do padrão estético e comportamental em que uma das mulheres é “masculinizada” e outra é “feminilizada” — com muitíssimas ressalvas aos termos utilizados –, é desencorajado até mesmo pensar sobre o assunto, afinal, como um casal assim vai criar uma criança? “Vai confundir a cabeça do filho”, “Qual das mães é a de verdade?”, “Precisa da força de um homem”, dizem. Há quem use, inclusive, o argumento de que um casal LGBTQ resolver exercer a parentalidade é egoísmo: devem pensar no quanto o filho vai sofrer ao ter que lidar com a sociedade ao pertencer a uma família que foge à tradicional.

Ao deslegitimar a dupla maternagem, o patriarcado cai na própria armadilha: apesar dos esforços para que, desde a infância, a função reprodutiva seja naturalizada e forçada à mulher, moldando as escolhas e comportamentos destas para que culminem no casamento e na reprodução, tudo o que foi estabelecido parece se desorganizar quando essa mulher não segue o padrão de relacionamento com o homem. O foco aqui, portanto, não é somente a reprodução, como também o de atrelar o que é posta como a função da mulher na sociedade — reproduzir e, assim, gerar mais força de trabalho — à existência e à presença de um homem.

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