E se o ouro não for tão escasso quanto se imagina?

Fulgurante metal, que devido à sua durabilidade, beleza e escassez é cobiçado pela humanidade há pelo menos três milênios

Lorenzo Kill
Revista Brado
5 min readAug 25, 2021

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Representação artística do asteroide “16 Psique”. Imagem: Maxar/ASU/P.Rubin/NASA/JPL-Caltech

A maior parte da atribuição dada ao ouro atualmente se assemelha ao propósito que o metal cumpria milênios atrás, sendo o mais confiável método de reserva de valor, mantendo o poder de compra do seu portador ao longo do tempo, também utilizado para a produção de artefatos de luxo. Atualmente, o ouro é uma reserva institucional, utilizada no portfólio de grandes investidores e em cofres de Bancos Centrais, definido como um ativo resistente às crises, principalmente as inflacionárias.

Entretanto, com o avanço tecnológico foram descobertas novas utilizações para esse cobiçado metal. Classificado como um bom condutor elétrico, resistente à corrosão e com outras significativas propriedades físicas e químicas, o ouro apresenta diversas aplicações na indústria. Apesar dessa utilidade, a demanda industrial pelo metal representa apenas 7,95% do ouro em circulação, estando 83,47% do uso ligado aos investimentos e na fabricação de joias.

A precificação de um ativo é determinada pelo equilíbrio entre oferta e demanda. O ouro possui uma oferta limitada pela natureza, pois a dificuldade de minerar o metal faz com que essa oferta cresça de forma lenta e constante, por isso o lado da oferta não é um fator responsável por gerar grandes variações de preço. Já o lado da demanda traz em si uma valoração subjetiva da sociedade frente ao ouro. Isso significa que o interesse das pessoas determina a demanda pelo metal, como em momentos de alto risco na economia global, quando se percebe a necessidade de portar essa reserva de valor, o que aumenta o seu preço. De forma oposta, em momentos em que essa proteção não se faz necessária aos olhos do mercado, ela acaba sendo deixada de lado e seu preço corrige negativamente.

Sendo assim, a variação da demanda é o fator que gera a volatilidade no preço da commodity, pois o comportamento do homem é instável e o mercado consegue levá-lo da ganância ao medo em poucos instantes. Os atos dos agentes econômicos em diversos momentos fogem dos limites da racionalidade, como defendido pelas teses da “economia behaviorista”.

Ao longo de toda a história do ouro, a garantia de que a exploração dele seria difícil, custosa, limitada e gradual fez com que se agregasse valor ao metal, mas será que a oferta dele é realmente limitada como se imaginava?

Vos apresento o 16 Psique, um asteroide que orbita entre Marte e Júpiter, composto em sua maioria por materiais metálicos, como o ferro e níquel, com uma alta probabilidade de conter metais nobres como ouro e platina. Assim, estamos diante de uma questão nunca imaginada pelos nossos antepassados: a oferta não necessariamente se limita ao que está em nosso alcance na Terra, existindo a possibilidade de, num futuro não tão distante, sermos exploradores interplanetários.

Esse “não tão distante” depende da perspectiva, pois a noção de tempo é extremamente relativa. Alguns séculos podem representar muito para os frágeis humanos, mas não tanto para a história do ouro, e a ideia dessa reserva de valor é justamente que possa ser passada de geração para geração, por séculos, mantendo o seu poder de compra. E isso exige que esse bem de reserva não tenha o seu suprimento largamente aumentado, e que as pessoas acreditem nisso, fielmente. Acontece que uma pequena fração do valor do ouro deriva de uma utilização prática, isso faz com que ele se torne ainda mais carente de valor intrínseco, fazendo com que o preço atual seja sustentado majoritariamente pela ideia da escassez.

O mais provável é que uma missão como essa não seja economicamente sustentável, devido aos custos de trazer à Terra toneladas de material de um asteroide.

Diante do fato de que a maior parte do valor agregado ao ouro deriva de sua utilidade como reserva de valor, a possibilidade de expansão da base monetária de ouro na Terra já bastaria para ocorrer uma imensa depreciação no mercado. Uma reserva de valor deveria se provar como algo limitado, caso as empresas espaciais encontrem uma maneira de trazer esse ouro de forma rentável, essa força inflacionária no metal reduziria em muito o seu valor, e essa queda no valor do ouro provavelmente faria com que a missão espacial deixasse de ser rentável, formando uma relação quase paradoxal.

É interessante entender que a queda do preço do ouro não ocorreria apenas em resposta ao novo material que chegou à terra, mas também pela perda de interesse das pessoas em investirem em algo que de certa forma não aparenta ser tão limitado quanto se imaginava.

Para se ter ideia do quanto vale o material presente no 16 Psique, algumas das estimativas o avaliam em U$D 10 mil quadrilhões, algo 70 mil vezes maior do que o valor da economia global.

Porém, o ponto de vista utilizado nessa valoração deverá ser chamado de falacioso. Isso acontece, pois na perspectiva da cotação atual dos metais na Terra, essa valoração estaria certa, mas, na prática, caso pudéssemos de fato trazer esse material para utilizarmos no dia a dia, o preço deles iria desabar diante do excesso de oferta. Para sustentar os preços no patamar atual, teríamos que aumentar a demanda desses bens na mesma proporção, o que definitivamente não acontecerá.

Ao ignorar esse fato, um dos disseminadores da notícia disse que “o valor seria suficiente para transformar os terráqueos vivos em milionários”. Um super estoque de ferro, níquel, ouro e platina pode até ajudar, e muito, mas não seríamos transformados em pessoas ricas automaticamente — inclusive, metais como ferro e níquel possuem muita massa para pouco valor agregado, então definitivamente não fará sentido uma missão espacial em busca desses recursos.

Esse tema trata de uma especulação que não cabe uma previsão feita por nós plebeus. Mesmo que o ouro tenha sido reserva por tanto tempo, vivemos em um mundo onde não existem garantias e nem um valor intrínseco. Todo o valor dos bens da sociedade deriva da percepção humana.

Num cenário extremo em que o ouro perderia a credibilidade como reserva, qual seria o seu substituto? Outra commodity? O Bitcoin? Sem uma bola de cristal, a dica é que a carteira de investimentos seja diversificada.

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Lorenzo Kill
Revista Brado

Estudante de direito da Universidade Federal do Espírito Santo e de Ciências Econômicas na Universidade Vila Velha - https://www.youtube.com/@LorenzoKill