A esperança vai vencer o medo

Enfim chegou o dia de começar a devolver o Brasil aos democratas

Revista Brado
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8 min readOct 29, 2022

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A maior frente ampla da história brasileira: as Diretas Já. No centro da imagem, Tancredo Neves, Lula e Ulysses Guimarães. Foto: Antonio Carlos Piccino/O Globo

Bom dia. Saiba, antes de tudo, que você está vivendo um momento histórico. Este domingo, 30 de outubro de 2022, é o dia mais importante e decisivo para o Brasil desde 15 de março de 1985, quando o último homem de farda entregou o poder ao primeiro homem de terno. Hoje, o Brasil escolhe se retorna à normalidade da Nova República ou se dá carta branca aos autoritários para perpetuar o projeto de tiranização do país.

Esta é a primeira vez que duas pessoas que já ocuparam a Presidência se enfrentam em um pleito no Brasil. Se por um lado isso simboliza a dificuldade do país de criar novas lideranças, por outro é possível colocar à prova não apenas suas intenções, mas principalmente seus resultados.

Contudo, neste editorial, não analisaremos os números da economia, da educação, da segurança pública e de quaisquer outras áreas dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Jair Bolsonaro. Para isso, temos dez editorias, com pessoas diversas, que possuem análises distintas e igualmente legítimas e razoáveis desses dados. No editorial, que reflete a opinião do conjunto de nossos membros, nos concentramos no que é comum a todos: a defesa da democracia, das liberdades de expressão, opinião e imprensa e dos direitos civis.

Lula governou o Brasil por oito anos. Nesse tempo, a democracia brasileira não foi atacada pelo Poder Executivo em nenhum momento. Luiz Inácio foi o mais popular dos ocupantes do Palácio do Planalto: deixou o poder com 87% de aprovação — quase uma unanimidade. Mesmo assim, não buscou um terceiro mandato. Cumpriu o tempo que a Constituição o possibilitava na liderança do país, propôs uma sucessora e fez as malas, como qualquer democrata.

O petista foi quem iniciou a tradição — cumprida apenas por ele e Dilma Rousseff — de indicar para a Procuradoria-Geral da República sempre o primeiro nome da lista tríplice do Ministério Público, mesmo quando esses representavam ameaças aos seus aliados, como Rodrigo Janot, por entender que a escolha dos procuradores deveria ser respeitada. O mesmo foi feito com os reitores de todas as universidades federais e institutos de pesquisa do país. Nos momentos em que a Polícia Federal investigou aliados de Lula no mensalão ou de Dilma na Lava-Jato, nenhum movimento foi feito para interferir nos órgãos de investigação.

Enquanto isso, Jair Bolsonaro escolheu, desde o primeiro ano de seu governo, uma linha de confronto incessante com o Supremo Tribunal Federal, a instituição responsável por interpretar e resguardar a Constituição. Após o primeiro turno desta eleição, em 2 de outubro, o presidente admitiu a possibilidade de tentar mudar a lei para buscar um terceiro mandato consecutivo em 2026; de tentar impichar ministros da Suprema Corte; e de tentar aumentar o tamanho dela de 11 para 15 ministros, para indicar ele próprio os novos magistrados e formar maioria no tribunal.

Jair Bolsonaro indicou para a Procuradoria-Geral da República um engavetador, que sequer constava na lista tríplice do Ministério Público. Também não respeitou a autonomia das universidades federais e dos institutos de pesquisa na escolha de seus reitores, presidentes e diretores. Quando a Polícia Federal se aproximou de seus filhos e aliados, em 2020, por suspeitas de corrupção, o presidente da República disse em uma reunião ministerial:

“Eu não vou esperar f* a minha família toda de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe dele, troca o ministro”.

No último editorial, publicado nesta terça-feira (25), a Revista Brado se posicionou a favor da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. É a primeira vez que declaramos apoio a um candidato a qualquer cargo público. Era parte de nossa conduta criticar os representantes do povo quando se fizesse necessário, mas evitar apoios — até porque, como já dito diversas vezes, somos um veículo plural e diverso.

No primeiro turno, nossos membros certamente votaram em uma gama ampla de candidatos. Contudo, neste segundo turno, recebemos o chamado que a história faz a todos que se preocupam com a democracia. Não é tempo de neutralidade.

O Brasil corre risco. Jair Bolsonaro, com seus ataques cotidianos à ordem democrática, com seu desrespeito, com o descaso e o desprezo que sempre tratou o povo brasileiro, com seus atentados à imprensa, com suas ameaças à Constituição, representa o pior que a Nova República produziu.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o mais longevo rival de Lula, declarou apoio ao petista no segundo turno destas eleições. Para FHC, votar em Lula agora é votar pela democracia. Foto: Ricardo Stuckert

O Brasil viveu seus melhores anos entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro mandato de Dilma Rousseff. FHC e Lula foram, objetivamente, os presidentes que mais apresentaram resultados em todas as áreas. Como muito bem elaborado pelo jornalista Pedro Doria em uma coluna em vídeo recente de seu canal, o Meio, “um país não se mede por PIB: se mede pelo que ele faz na sua sociedade”.

A Nova República, o mais longo período democrático que o Brasil conseguiu produzir, entregou os melhores resultados da história, com destaque para os anos de Itamar Franco (1992–1994), FHC (1995–2002) e Lula (2003–2010). Esse não foi o período de maior crescimento econômico do Brasil, mas foi o período em que mais brasileiros conseguiram desfrutar desse crescimento.

No governo Itamar, com Fernando Henrique no Ministério da Fazenda, o Brasil estabilizou a sua moeda, após anos de inflação de três dígitos ao ano e diversos planos econômicos frustrados. No governo FHC, o Brasil começou a melhorar seus índices em todos os campos e a solidificar uma democracia ainda nascente. No governo Lula, o Brasil distribuiu renda, erradicou a fome e produziu uma classe média que antes mal tinha casa para morar e agora estava financiando seu primeiro carro. Filhos de famílias que nunca pisaram numa escola se formaram médicos, engenheiros, advogados, professores, jornalistas.

Esse mérito não é só de Lula, FHC e Itamar. Esse mérito é da Nova República e da democracia. Com todos os seus defeitos, foi esse sistema que conferiu ao Brasil a capacidade de fazer tanto em tão pouco tempo. Foi a promessa de um país de verdade, fundada na Constituição de 1988, no pacto de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, que deu ao poder público a capacidade de agir com tanto impacto. Sim, existiu corrupção; sim, existiram problemas; mas sim, o Brasil produziu resultados como nunca antes na história.

Foi a esperança do povo brasileiro, traduzida em votos, em movimentos sociais, em partidos e agremiações políticas, em confiança e credibilidade, uma eleição após a outra, que fundou as bases de todos os avanços que vivemos. A Nova República tem muito a ser melhorada, mas ela é o melhor que já tivemos.

E isso não é fruto do acaso. Isso é fruto da democracia, do momento mais amplamente democrático que o Brasil já viveu, no qual todos os cidadãos maiores de 16 anos, sem exceção, podem votar diretamente para escolher seus presidentes, no qual partidos políticos não são colocados na ilegalidade pelo bel prazer dos ocupantes do poder, no qual temos uma Constituição que pela primeira vez se dedicou a olhar para o Brasil como ele de fato é, com todas as suas lacunas, com todas as suas dívidas, e se debruçou a responder cada um desses anseios e fundar um país de fato para todos os brasileiros.

É isso que está em jogo nesta eleição.

Partidários fazem festa na Esplanada dos Ministérios durante a primeira posse de Lula, em 2003. Foto: Senado Federal

Lula faz parte da construção dessa Nova República. Foi ele próprio um deputado da Constituinte. Foi seu partido, o Partido dos Trabalhadores, o primeiro a ser fundado após o fim do bipartidarismo imposto pela ditadura. Foi ele candidato na primeira, na segunda, na terceira, na quarta e na quinta eleições presidenciais, sem jamais questionar o resultado das urnas, fossem elas de papel ou eletrônicas. Foi ele o chefe de um dos governos que fazem parte desse processo de abrasileiramento do Brasil.

Contudo, tudo que é construído produz rejeitos. Rejeitos esses que, caso não sejam tratados, administrados, em algum momento se tornarão grandes e pesados demais para serem contidos, e escaparão do controle, como a lama tóxica das barragens de minério. Jair Bolsonaro é um representante desses rejeitos produzidos pela Nova República — cujo grande erro foi, justamente, não tratar esses subprodutos.

E que fique claro que quando nos referimos a rejeitos não falamos da parcela da população que, iludida por um Brasil forjado pela mentira, vota em Bolsonaro. Nos referimos aos ressentimentos que a democracia brasileira produziu ao longo de sucessivos governos, e que, por serem ignorados pela elite política, se fundiram em uma identidade que foi canalizada pelo bolsonarismo. Esse é o verdadeiro diagnóstico da crise que se instalou sobre a Nova República.

O bolsonarismo é, sim, um tipo de fascismo à brasileira, pois reúne todos os elementos do fascismo: ode à violência e a símbolos de força, coragem e masculinidade como forças motrizes; releitura — ou falsificação — da realidade; autoritarismo; e, acima de tudo, uma concepção política fundada e perpetuada com base no ressentimento.

Não é esse o Brasil que a Revista Brado deseja. Na verdade, esse é o Brasil que a Revista Brado repudia, mesmo porque isso sequer é um Brasil, mas a junção dos rejeitos produzidos pelo Brasil de verdade.

Nesta eleição, é importante ter lado. E só existe um lado que consideramos legítimo neste caso: o lado da democracia.

Esperamos que em 2026 nós ou nossos membros, onde estiverem exercendo seu trabalho, não precisemos nos posicionar novamente de forma pública a favor de uma candidatura à Presidência. Que tenhamos, como tivemos de 1989 a 2014, opções que sejam, todas elas, legítimas. Que tenhamos novamente oponentes que possibilitem um ambiente seguro, sem riscos à democracia. Que tenhamos a certeza de que, independentemente do vencedor, teremos eleições seguras após quatro anos e uma democracia estável. Infelizmente, não é o caso.

Nos juntamos, por isso, à frente ampla formada ao redor de Luiz Inácio Lula da Silva, para que possamos seguramente criticá-lo sempre que necessário pelos próximos anos, e apostamos todas as nossas fichas no Brasil da Nova República. Como entoado pela campanha do próprio Lula em 2002: a esperança vai vencer o medo.

Bom voto a todos os brasileiros.

Este texto representa toda a equipe da Revista Brado.

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