Não se trata de direita e esquerda

Tampouco de conservadorismo e progressismo

Revista Brado
Revista Brado
6 min readOct 25, 2022

--

Foto: Nelson Almeida/AFP

N o próximo dia 30, os dois lados mais distantes da história política brasileira se enfrentarão nas urnas. De um lado, teremos o representante mais popular de toda a história da esquerda brasileira; do outro, o presidente mais à direita que já tivemos. Coincidentemente, um deles é também um dos presidentes mais progressistas que o Brasil já teve; o outro, o mais conservador. Contudo, essa disputa não é entre direita e esquerda, tampouco entre conservadorismo e progressismo.

Para além de ser de esquerda e (parcialmente) progressista, Lula é um dos líderes do período mais democrático que já vivemos (1989–2016). Bolsonaro, por sua vez, além de ser de direita e (parcialmente) conservador, é o líder de um dos nossos tantos períodos de escalada autoritária. E, acima de qualquer divergência programática, é nisso que se concentra esta eleição.

Prova disso são os apoios conquistados pelo primeiro colocado no primeiro turno. O próprio vice na chapa de Lula, Geraldo Alckmin (PSB), está muito longe de ser de esquerda. Durante as primeiras duas décadas do século XXI, o ex-governador paulista foi considerado um “estranho no ninho tucano”, justamente por se autodeclarar conservador. Outro tucano histórico, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, também está apoiando Lula. FHC, apesar de ter sido aliado de Luiz Inácio na luta pelo fim da ditadura, foi seu mais destacado rival durante quase 30 anos.

Por falar em FHC, o pai do Plano Real, alguns nomes de sua equipe econômica — sempre muito crítica às gestões econômicas do PT — também estão apoiando Lula contra Bolsonaro: Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda; Edmar Bacha, ex-presidente do IBGE e do BNDES; e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Entre ex-presidentes da República, por sinal, apenas Fernando Collor está com Bolsonaro — diga-me com quem tu andas e direi quem és.

Talvez no mundo político o apoio recente conquistado por Lula que se mostrou mais surpreendente foi o do fundador do Partido Novo e candidato a presidente em 2018, João Amoedo. O liberal apoiou Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018, mas rompeu com o bolsonarismo logo que os ataques à democracia ganharam força. Amoedo sempre foi crítico ferrenho de Lula e do Partido dos Trabalhadores, e apoia um projeto econômico muito mais à direita até mesmo do de Bolsonaro. Amoedo também defende pautas conservadoras e já se declarou armamentista.

No Judiciário, outro apoio marcante foi o do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa. O ex-ministro foi indicado ao cargo por Lula, em seu primeiro mandato, mas se tornou uma pedra no sapato dos petistas durante o julgamento do mensalão, em 2013, quando pôs na cadeia figuras históricas do PT, como José Genoíno e José Dirceu. Após a renúncia ao STF, Barbosa se tornou um ícone dos movimentos anticorrupção no Brasil e de parte significativa da direita, sendo cotado algumas vezes para a Presidência da República.

O que todas essas figuras — e muitas outras — da direita, da esquerda e do centro, dos campos liberal, progressista e conservador, oponentes históricos de Lula e do PT têm em comum? O consenso democrático. Todos esses entenderam o óbvio: apenas um dos dois postulantes ao Palácio do Planalto respeita e garante a permanência do regime democrático.

João Amoedo percebeu que as pautas que lhe são caras não são tão caras quanto a democracia. Afinal, só a democracia garante a existência dessas pautas. Se Bolsonaro vencer, os projetos de Amoedo estarão mais próximos de serem implementados do que com Lula, mas outros tantos projetos estariam em risco de serem dizimados. E, para um democrata, mais vale uma derrota honrosa que uma vitória desleal e opressora.

Apenas a democracia garante que o projeto derrotado nas urnas possa continuar se popularizando na sociedade, negociar no Congresso por melhorias dos projetos adversários e se apresentar novamente nas eleições seguintes. Amoedo, FHC, Joaquim Barbosa, Edmar Bacha, Armínio Fraga e Pedro Malan sabem disso.

Esta eleição não se trata de esquerda e direita ou de progressismo e conservadorismo. Esta eleição se trata da existência ou não de esquerda e direita, de progressismo, liberalismo e conservadorismo. Esta eleição se trata da manutenção das regras do jogo. Lula e Bolsonaro já ocuparam o Palácio do Planalto. O primeiro nunca atacou as regras da democracia, nunca ameaçou a imprensa ou as instituições da República. O segundo o faz cotidianamente.

Se reeleito, Bolsonaro terá, graças à quantidade de senadores bolsonaristas eleitos, o número suficiente de apoios no Congresso para fazer o impeachment de ministros de Supremo Tribunal Federal — e já manifestou a intenção de fazê-lo. Também já se manifestou disposto a alterar a composição do STF de 11 para 15 ministros — cabendo a ele próprio a responsabilidade de indicar os novos quatro (além dos dois já indicados, dos outros dois que se aposentarão neste mandato e dos que porventura vagarem seus lugares através de impeachment) — e a alterar a lei para ter direito a uma terceira eleição consecutiva.

Lula, com todos os erros que possa ter cometido, jamais ameaçou fazer nada do que descrevemos acima. Quem o fez? Hugo Chávez na Venezuela, Vladimir Putin na Rússia e tantos outros autoritários. Jair Bolsonaro acusa Lula de querer ‘venezuelizar’ o Brasil, quando ele próprio encampa a trajetória de Hugo Chávez.

Em 2020, o The New York Times tomou uma posição inédita em sua história. Pela primeira vez, apoiou publicamente um candidato à Presidência da República: o democrata Joe Biden. O jornal, um dos mais importantes e tradicionais do mundo, tomou essa posição por entender que o que estava em jogo era muito maior do que programas de governo divergentes, projetos de lei comuns e o jogo político habitual. O que estava em jogo era a própria democracia, que é, por sua vez, o valor maior de qualquer veículo de informação que se preze.

Cada qual com seus motivos para isso, os veículos tradicionais da imprensa brasileira não se posicionaram da mesma forma este ano que o NYT em 2020. Esta Revista, por meio deste editorial, o faz.

Os princípios que norteiam o trabalho da Revista Brado sempre foram a pluralidade e a possibilidade de divergência. Em raros momentos tomamos posições políticas que pudessem nos posicionar de um lado ou outro do tabuleiro. Em nossa equipe, temos pessoas de esquerda e direita, identificados com ideologias mais liberais, progressistas e conservadoras. Já tivemos, inclusive, colunistas que hoje — já desintegrados de nossa equipe — declararam apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Contudo, neste momento, nos unimos em torno de uma única pauta, que sempre foi o valor máximo de cada uma de nossas publicações: a defesa da democracia.

É hora de devolver a faixa a Lula. Foto: Ivo Gonzalez/O Globo

Por isso, esta Revista se posiciona, neste pleito, a favor da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Não o fazemos por identificação com seus projetos ou qualquer tipo de compromisso. O fazemos por repúdio ao seu oponente. Jair Bolsonaro representa tudo o que esta Revista sempre se opôs. Esta Revista, embora seja plural, não tolera a violência, o preconceito, a desinformação e, sobretudo, os ataques à ordem democrática.

Nosso compromisso é com a verdade, com a credibilidade, com a informação e com a democracia — o sistema que garante a nossa própria existência e a liberdade de exercemos o nosso trabalho. Jair Bolsonaro é a antítese de cada um desses pilares.

Hoje, não há equivalência entre os candidatos. Lula representa a democracia; Bolsonaro a barbárie. Lula representa o direito — que exerceremos sem ressalvas — de criticar abertamente e sem medo de represálias o ocupante do poder, de se opor quando necessário; Bolsonaro representa o risco, o medo, a violência política, o ataque ao livre exercício da imprensa.

A partir de 31 de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva, se eleito, será tratado por esta Revista da mesma forma que qualquer político: como alguém que deve satisfações ao povo e que deve ser questionado e fiscalizado a todo momento. O presidente não será jamais pessoalmente elogiado; mas talvez seus projetos o sejam, a depender do mérito. Mas o horizonte da crítica estará muito mais próximo de si, como de qualquer ocupante do poder. Já o atual incumbente, se reeleito, receberá o que de nós sempre recebeu: a oposição completa.

Que no próximo dia 30 seja concluída a festa da democracia e que o primeiro de nossos presidentes fascistas seja também o último, atolado na lata de lixo da história junto a todos os ditadores que tanto admira e imita. Não se trata de direita e esquerda. Se trata de responsabilidade, coerência e ética.

Este texto representa toda a equipe da Revista Brado.

Gostou deste texto? Deixe seus aplausos (eles vão de 1 a 50) e compartilhe.

Siga a Brado nas redes sociais: Instagram; Facebook; Twitter; e LinkedIn.

--

--

Revista Brado
Revista Brado

Perfil oficial da Revista Brado, onde você encontrará informações, opiniões e ideias, para que todos possam ouvir.