EDITORIAL | Nós temos ódio e nojo à ditadura

57 anos após o golpe militar de 1964, nossa democracia corre perigo novamente

Revista Brado
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4 min readApr 1, 2021

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Foto: Evandro Teixeira

Há 57 anos, o presidente constitucional João Goulart partia para sua terra natal, o Rio Grande do Sul, e o Congresso Nacional declarava a vacância da presidência da República, o que permitiu a eleição indireta do marechal Humberto de Alencar Castello Branco, o primeiro dos golpistas. Portanto, o golpe que se iniciou em 31 de março de 1964, com as tropas do general Olímpio Mourão Filho deixando Juiz de Fora rumo ao Rio de Janeiro, apenas foi consumado no dia 1º de abril, o muito apropriado dia da mentira.

Durante os 21 anos que se seguiram, eleições foram suspensas, mandatos políticos foram cassados, jornais e artistas foram censurados e milhares de homens e mulheres de todas as idades foram barbaramente torturados e assassinados nos porões sangrentos do regime. Crianças foram obrigadas a assistir à tortura de seus pais, outras tantas foram também torturadas e muitas, cujos pais estavam presos ou haviam sido mortos, foram adotadas clandestinamente por famílias de militares ou ligadas aos burocratas. Segundo a Human Rights Watch, 20 mil pessoas foram torturadas e 434 foram mortas ou desaparecidas. Muitos desses corpos não foram encontrados até hoje.

A ditadura militar brasileira representa um dos períodos mais imundos, mais medonhos, mais sombrios e mais repugnantes da história deste país. E hoje, 57 anos após o golpe que fuzilou a democracia e torturou a liberdade, nossa democracia está novamente sob ataque. Na última segunda-feira (29), o Brasil assistiu atônito à maior crise militar desde os anos 1970. Após exonerar o então ministro da Defesa Fernando de Azevedo e Silva, o presidente Jair Bolsonaro escancarou, mais uma vez, seu desejo de ter as Forças Armadas a seu serviço. Contudo, Exército, Marinha e Aeronáutica não oferecem serviço a governos de ocasião, mas ao Estado e à população brasileira — algo que o presidente não parece ter aprendido em seus anos como militar insubordinado de baixa patente.

Os horrores da ditadura devem ser sempre lembrados, para jamais permitirmos que o país se deixe lançar novamente sobre a aventura inconsequente e suicida do militarismo. Em qualquer democracia que se preze, gente de farda se resguarda ao seu papel constitucional. E se quiser fazer política, que troque a farda pelo terno.

Antes da crise militar, no último domingo (28), deputados bolsonaristas — entre eles um dos filhos do presidente e a presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados — utilizaram-se da morte trágica de um soldado da PM baiana em surto psicótico para insuflar motins das polícias em diversos estados. Já na terça-feira (30), o líder do governo na Câmara, deputado Victor Hugo, apresentou projeto de lei que oferece amplos poderes ao presidente da República, inclusive para confiscar bens (insumos hospitalares, por exemplo) e servidores públicos (como policiais) de estados e municípios. Atualmente, o estado de mobilização nacional, como é chamado, só pode ser acionado em caso de invasão estrangeira. Caso aprovado, o projeto permitiria seu acionamento em diversas situações de calamidade, como a atual pandemia.

O golpismo tem exposto sua face sem medo das consequências, e hoje ele está no poder. Não podemos permitir que políticos empossados pelo voto democrático sigam atentando contra as instituições democráticas. É ultrajante que investidas golpistas e tirânicas sigam exibindo suas macabras faces sobre a normalidade do país. É revoltante que um presidente, um vice-presidente, ministros de Estado e parlamentares celebrem impunemente, ferindo a Constituição, um regime que cassou, prendeu, torturou e matou tantos que ocuparam as cadeiras que agora ocupam.

E o nosso repúdio, portanto, vem na forma do poderoso discurso do doutor Ulysses Guimarães na Assembleia Constituinte de 1988: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina”.

Na Revista Brado não existe espaço para a defesa, ou sequer para a sinalização tímida de apologia de qualquer natureza a regimes tirânicos, que desrespeitem os direitos humanos e a liberdade de expressão, opinião e imprensa. Aonde quer que a opinião seja proibida, seremos transgressores. Aonde quer que a tirania se imponha, seremos opositores inflexíveis.

E nos comprometemos a jamais cessar o brado que de nossas gargantas grita por liberdade, por justiça e por democracia — brado este que jamais se calará enquanto de nós não forem arrancadas as cordas vocais e os dedos que escrevem contra a usurpação da liberdade. E se um dia o fizerem, teremos novas vozes e novos dedos a bradar por nós.

Não há caminho fora da democracia. E não há nada a ser comemorado no dia de hoje.

Ditadura nunca mais!

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