Entenda as particularidades do Transtorno do Espectro Autista

Entender sobre as características e desafios que as pessoas autistas enfrentam é o primeiro passo para combater o preconceito que os acompanha

Isabela Siyao Chen
Revista Brado
6 min readMay 17, 2022

--

Foto: Peter Burdon/Unsplash

S egundo o Volume 2 do Tratado de Pediatria (2021), o Transtorno do Espectro Autista (TEA), cujo termo começou a ser usado somente a partir de 2013, é uma síndrome que afeta o neurodesenvolvimento, que consiste em limitações persistentes nas interações e comunicação social, em conjunto com compilações de interesses e comportamentos repetitivos e restritos, tendo prejuízos na realização de atividades recreativas e que demandam criatividade. Essas manifestações possuem diversas variações no grau de manifestação, por isso o uso termo ‘espectro’, que pode variar desde casos muito leves até casos mais extremos. Para diagnosticar o TEA, o médico deve se atentar aos dados coletados durante a conversa com o paciente e acompanhante, no processo que é conhecido como anamnese, no qual são coletadas informações como a queixa principal, histórico da doença atual, histórico de doenças, história familiar e hábitos, de forma que o profissional entenda a experiência do paciente diante da doença e crie hipóteses diagnósticas de acordo com as características dos sinais e sintomas relatados, dentro dos hábitos e cultura individuais.

O TEA pode se manifestar através do isolamento social ou com a presença de um comportamento social inadequado, como a incapacidade — ou a redução dela — de criar laços afetivos duradouros e compreender as dinâmicas de relacionamentos. No caso de crianças, a queixa mais frequente dos pais com o TEA ocorre na maioria das vezes no segundo ou terceiro ano de vida, devido ao atraso para a fala e desinteresse na compreensão por meio da comunicação não verbal. A percepção de que os filhos parecem estar alheios ao ambiente, não respondem quando são chamados pelo nome e não manifestam gestualmente os seus desejos são queixas comuns, além de fala repetitiva e monótona.

Segundo o Compêndio de Psiquiatria (2017), o autismo é definido como um grave transtorno de neurodesenvolvimento caracterizado por três aspectos principais: linguagem e comunicação comprometida; interação social anormal ou comprometida; e padrões de comportamento restritos, repetitivos e estereotipados. Apesar de não haver consenso sobre a causa, acredita-se que haja influência da carga genética em conjunto com os fatores ambientais, além do aparecimento de evidências convincentes de que essas manifestações se devem a alterações nas vias neurodesenvolvimentais celulares e moleculares específicas. Há um estudo de coorte realizado em 2019, intitulado “Association of Genetic and Environmental Factors With Autism in a 5-Country Cohort”, que expôs que os fatores genéticos são os principais determinadores da etiologia, cuja estimativa varia entre 97 e 99%, sendo 81% decorrente de fatores hereditários, enquanto os fatores ambientais afetam em cerca de 1 a 3%, podendo ter associação com fatores relacionados a concepção, como a idade do pai e o uso pela mãe na gravidez de ácido valpróico — medicamento com ação anticonvulsivante e estabilizador de humor.

O termo espectro faz referência aos muitos subtipos do transtorno, apresentando vários níveis de necessidades, afetando em concomitância pessoas que possuem outras condições diagnosticadas, como a deficiência intelectual e a epilepsia, e até mesmo pessoas independentes que nunca tiveram o diagnóstico. Contudo, ainda não há tratamento definitivo para os sintomas nucleares do TEA, mas é consenso que é importantíssimo iniciar o mais precoce possível a reabilitação através de uma equipe multidisciplinar especializada, para que o paciente consiga atingir o máximo potencial. Por isso é importante que o diagnóstico seja realizado precocemente, e para isso o pediatra deve acompanhar com atenção e cuidado os marcos do desenvolvimento dos pacientes, sendo ele o principal agente de detecção desses problemas e de encaminhamento para tratamentos especializados.

Esses tratamentos incluem a participação de outros profissionais, como os psiquiatras, neurologistas, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicomotricistas, psicopedagogos, dentre outros, adaptando-se diante das necessidades individuais de cada paciente e sua cultura familiar.

Vale ressaltar que o autismo é uma condição que afeta o desenvolvimento da linguagem, as interações sociais, a capacidade de comunicação e o comportamento diante de outras pessoas, não sendo considerado uma doença, apesar de estar listado na classificação internacional de doenças 10 (CID 10), uma vez que a palavra ‘doença’ possui um significado com referência negativa, diferente da realidade do espectro autista, que não possui manifestação de fragilidade física e risco de morte. Ou seja, não devemos tratar uma pessoa diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista como alguém doente.

Diante da complexidade que envolve o TEA, em 2007 a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou o dia 2 de abril como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, tendo como a cor escolhida o azul. Há uma prevalência de quatro homens para cada mulher com TEA, o que ocorre devido às diferenças genéticas. A mulher carrega duas cópias do cromossomo sexual X, que possui fator protetor para o desenvolvimento do transtorno, e os homens somente uma. O símbolo escolhido é o quebra-cabeça, que faz referência à diversidade e a complexidade do transtorno. Ele foi criado pelo National Autistic Society em 1963, no Reino Unido. Além disso, a organização britânica Aspies for Freedom (AFF) começou a celebrar em 18 de junho de 2004 o Dia do Orgulho Autista, sendo representado pelo símbolo da neurodiversidade, representado pelo infinito com as cores do arco-íris, dando uma referência de identidade à pessoa autista.

Em questão de números, aproximadamente um terço das pessoas com diagnóstico de TEA não consegue desenvolver a fala, de acordo com estudos de 2005 e 2012. Outro um terço possui algum nível de deficiência intelectual, além de condições clínicas associadas, como distúrbios gastrointestinais, distúrbios do sono, ansiedade, fobias, convulsões e Transtorno de Déficit da Atenção com Hiperatividade (TDAH). Ademais, não é uma condição rara. Estima-se que no Brasil existam cerca de 2 milhões de pessoas dentro desse espectro, e no mundo, segundo a ONU, a estimativa é de 70 milhões, de maneira que o autismo é mais comum do que a soma de crianças com câncer, diabetes e Aids.

Devido à expressividade e à complexidade do espectro autista, foi criado a partir da Lei Federal 13.977/2020, Lei Romeo Mion, a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA), cuja função é garantir os direitos para as pessoas com diagnóstico de TEA e o levantamento de dados desse grupo, para que seja possível a criação de políticas públicas direcionadas para essa comunidade. No entanto, a adesão tem sido abaixo do esperado, e por conta disso se iniciou uma campanha que incentiva a solicitação do CIPTEA, que pode ser feira de forma gratuita.

Diante disso, vale reforçar que o conhecimento é a melhor forma de conscientizar em relação ao Transtorno do Espectro Autista, de forma a reduzir a discriminação e o preconceito que acompanha essas pessoas. As particularidades que regem esse diagnóstico tornam a vida dos pacientes e de suas famílias mais desafiadoras, sendo indispensável que a sociedade conheça e as acolha, de forma a incluí-los cada vez mais e proporcionar uma vida o quão mais fácil possível. E para isso, devemos reiterar que o TEA não é uma doença, mas uma condição de desenvolvimento que afeta alguns aspectos sociais, e desmitificar o preceito de que nem todo autista é gênio, pois eles são a minoria dentro do espectro, e isso é devido aos diferentes níveis de severidade, sendo que somente aproximadamente 10% dos indivíduos com autismo leve possuem habilidades intelectuais acentuadas e mais avançada para a sua idade. O papel mais importante da conscientização é o empoderamento capaz de proporcionar o acesso ao conhecimento, entendimento e acolhimento, permitindo que as pessoas se reconheçam e façam valer seus direitos.

Gostou deste texto? Deixe seus aplausos (eles vão de 1 a 50) e compartilhe.

Siga a Brado nas redes sociais: Instagram; Facebook; Twitter; e LinkedIn.

--

--

Isabela Siyao Chen
Revista Brado

(爱)| Amarela | Paulista | Acadêmica de Medicina | Ambientalista | Voluntária | Colunista da Revista Brado | Um Mistério em Várias Línguas |