Eu vivo sempre no mundo da lua

Como o ideal sobre o imaginário e a fantasia, na psicanálise, explicam os nossos sonhos

Alinemuniz
Revista Brado
3 min readSep 18, 2021

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Foto: Aline Muniz

Com certeza voltando para casa após um dia estressante e cansativo, num ônibus lotado às 17 horas com um trânsito caótico, você já fechou os olhos por alguns minutos e se imaginou em outro lugar. Numa praia paradisíaca ou no polo mais gelado do mundo, fugindo da onda de calor que atinge o país. Por alguns minutos, mesmo que por instantes, você escapou da realidade. Sonhou acordado, acessou o desconhecido, viveu o seu próprio mundo das ideias. Sem dor e nem sofrimento, sem contas para pagar ou sem escutar as asneiras do presidente, você viveu a sua fantasia. Mas o que de fato significa a fantasia?

Para entender sobre a fantasia, primeiro é necessário entender o que é real. O mundo nos fornece objetos, e nós os interpretamos e significamos. Nessa construção e significação do mundo e sua essência, o homem constrói sua própria realidade e se constitui nela. Como costuma dizer um amigo, “somos como planetas”. Criamos nossa própria realidade, moldando nossa existência, vivemos em nossa própria órbita para escapar de um universo externo, que muitas vezes é severo e hostil, e ameaça a realização dos nossos mais profundos desejos. Em nosso próprio planeta sustentamos nossos prazeres, protegidos por uma camada chamada fantasia.

A fantasia proporciona a capacidade de ligação entre o real e o desejo, com objetivo de suprir algo que foi perdido, muitas vezes ainda na infância. Ela permite sonhar ainda acordado, viver o mundo perfeito. Mas como nem tudo são flores na terra da fantasia, ela também pode apresentar um “dark side of the force”, o que Freud chamou de “fixação”. A fixação seria uma consequência de não nos desvencilharmos da fantasia, como se estivéssemos presos em nossos sonhos, concentrados em nossas pulsões.

O que antes seria uma fonte inexprimível de prazer e gozo, agora passa a ser uma fonte de possíveis patologias. Um exemplo é o que Wilson e Barber chamaram de “propensão à fantasia”, ou seja, “conjunto de características de certas pessoas que têm uma longa e intensa história de envolvimento imaginativo ou envolvimento profundo na fantasia e na imaginação”. A propensão à fantasia pode ocasionar o sofrimento psíquico do paciente e o desencadeamento de outras psicopatologias, como um estado depressivo.

Não é só o fato de nossas mentes serem altamente propensas ao imaginário que pode resultar em psicopatologias. Já parou para pensar se acessássemos tanto nosso imaginário a ponto de não sermos capazes de voltar? Pois é, isso pode ocorrer na psicose. Em caso de indivíduos psicóticos, pode ocorrer a perda da realidade, onde o delírio passa a ser responsável por realizar a ponte do mundo com o Eu. Como expresso por Jorge, “O delírio é uma ponte que não se cessa de se estender em direção a um mundo que foge radicalmente de sua apreensão simbólica […]”. Na psicose, ocorre a tentativa de transpor o imaginário para a realidade que o indivíduo não aceita ou suporta. Um exemplo de patologia associada à psicose é a esquizofrenia.

Foto: Reprodução/Ponte para Terabítia

A fantasia e a imaginação fazem parte de um esquema complexo que nos constitui. Cada um possui uma ponte para sua Terabítia. A imaginação é como uma máquina produtora de sonhos, uma força que irradia e nos move. Do que seríamos feitos senão de sonhos? Qual seria a nossa motivação senão a de alcançar nosso completo estado de satisfação? A realidade brasileira é dura demais, a nós, resta apenas sonhar, delirar e imaginar dias melhores. Como disse Ivone Lara na música Força da Imaginação, “Força da imaginação, vai lá; além dos pés e do chão, chega lá. O que a mão ainda não toca, Coração um dia alcança. Força da imaginação, vai lá”.

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Alinemuniz
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Escrevendo poemas aleatórios sempre que possível