HIV ou AIDS?

Precisamos conhecer as diferenças desses conceitos para compreender as diversas repercussões causadas por essa doença.

Carolina Miôtto Castro
Revista Brado
5 min readDec 2, 2020

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Resultado positivo de teste sorológico para HIV. (Foto: Reprodução/ Freepik)

Descoberta na década de 80, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA; em inglês: Acquired Immunodeficiency Syndrome, AIDS) se tornou rapidamente uma verdadeira epidemia e se disseminou por todos os continentes. A doença, ainda sem cura ou vacina, era extremamente letal até o início dos anos 2000, e fez vítimas que entraram para a história: Cazuza, Freddie Mercury, Renato Russo, Betinho, Henfil, e a lista continua.

Hoje, porém, a doença não apresenta mais uma letalidade tão alta quanto nas décadas de 80 e 90, devido ao desenvolvimento de novas terapias, que permitem que o indivíduo portador do vírus da imunodeficiência humana (HIV) tenha o controle da patologia. Entretanto, estimou-se que, até o fim de 2019, 38 milhões de pessoas em todo o mundo apresentavam esse vírus e cerca de 690 mil pessoas morreram devido a doenças relacionadas à AIDS até o final do mesmo ano.

Mas, afinal, o que é esse vírus da imunodeficiência humana (HIV)?

O HIV é um retrovírus humano pertencente à família lentivírus, que apresenta dois tipos: o HIV-1 e o HIV-2. Como todo vírus, ele precisa de uma célula hospedeira para sobreviver e se multiplicar e, nesse caso, sua entrada depende de uma molécula na membrana celular, a CD4, que atua como um receptor para o HIV. Isso explica o fato de o patógeno infectar principalmente as células de defesa do organismo, em especial os linfócitos TCD4+, macrófagos e células dendríticas, que apresentam essa molécula.

Já dentro da célula, o HIV precisa utilizar do aparato celular para se replicar, e ele tem a ferramenta perfeita para esse trabalho: a enzima transcriptase reversa, responsável pela transcrição do RNA viral (o material genético do vírus) em uma cópia de DNA capaz de se integrar ao material genético da célula hospedeira, sendo esse processo fundamental para sua multiplicação.

Lembrando que a transcrição é um processo biológico normal, no qual utiliza-se uma sequência de DNA de um gene para produzir uma molécula de RNA, a fim de formar proteínas necessárias ao organismo. Porém, no caso da infecção por HIV, essa transcrição é reversa, ou seja, de uma fita de RNA do vírus, produz-se um molde de DNA que, ao fim do processo, formará novos vírus. Entretanto, essa transcrição não ocorre de imediato após a infeção, uma vez que o vírus pode permanecer latente por meses ou até anos.

Após esse processo, o material genético produzido pela célula infectada deixa a célula, sendo liberado no sangue, ocasionando uma infecção aguda caracterizada por grande viremia (vírus circulante no sangue), na qual há o desenvolvimento de sintomas semelhantes a uma virose comum. Quando esse processo de saída do vírus é intenso e associado a uma grande infecção, o resultado será a morte da célula e a disseminação dos novos vírus em busca de novas hospedeiras.

Ciclo de replicação do HIV. Da esquerda para a direita: ligação do vírus à membrana da célula; liberação do RNA viral e sua posterior transcrição reversa (por meio da transcriptase reversa) em cDNA; integração deste ao DNA celular; replicação do material viral integrado e transcrição do RNA viral; associação do mesmo às proteínas virais; e, por fim brotamento através da membrana citoplasmática com liberação do vírus no sangue. (Figura: Reprodução/ Bogliolo 9ª edição)

Logo, a principal consequência da infecção pelo HIV é a destruição progressiva das células de defesa, resultando em grave deficiência do sistema imunológico.

Com a identificação desses vírus, o sistema imunológico desenvolve uma resposta contra o patógeno. Esta, porém, só é capaz de controlar parcialmente a infecção, diminuindo a quantidade de vírus no sangue durante cerca de 12 semanas após a exposição inicial.

Após esse período, estabelece-se uma infecção crônica ativa, assintomática, que leva à destruição progressiva do sistema imunitário. No início, o organismo é capaz de compensar a grande perda celular. Entretanto, após um ciclo contínuo durante anos, ocorre uma diminuição constante de linfócitos TCD4+, prejudicando a defesa imune e aumentando ainda mais a disseminação do vírus pelo corpo.

Portanto, como proposto por Bogliolo:

A característica principal da infecção pelo HIV é que, após seu estabelecimento e independentemente da resposta imunitária, não há perspectiva de eliminação do vírus pelo organismo.

E onde a SIDA/AIDS entra nessa história?

A síndrome da imunodeficiência humana adquirida, como o próprio nome diz, é uma síndrome, ou seja, um conjunto de sinais e sintomas, caracterizada pelo declínio da eficiência do sistema imune causado pelo HIV. Assim, a partir do momento que a infecção torna o corpo imunodeficiente, qualquer infecção oportunista é capaz de causar sinais e sintomas graves. Logo, é possível ter HIV sem apresentar a os sintomas da AIDS.

Evolução da infecção pelo HIV: relação da viremia com a resposta imunitária nas diferentes fases da infecção. No início, a fase aguda com grande viremia que é controlada parcialmente pelo sistema imune (atuação de linfócitos T e produção de anticorpos). Em seguida, a fase assintomática com replicação viral variável. Por fim, fase sintomática (AIDS) na qual ocorre novamente o aumento da viremia e associada a maior destruição do sistema imune. (Figura: Reprodução/ Bogliolo 9ª edição)

Normalmente, o tempo entre o início da infecção e o aparecimento de sinais e sintomas de imunodeficiência é longo, em uma média de 10 anos. Essas manifestações variam de acordo com o agente causador da infeção oportunista e podem incluir: fadiga não habitual; perda de peso; suor noturno; falta de apetite; diarreia; queda de cabelo; pele seca; entre outros.

Portanto, a questão da AIDS não é apenas a presença do vírus no corpo, mas a destruição extensa do sistema de defesa que torna qualquer infecção (que seria facilmente resolvida) uma condição extremamente grave.

Como diagnosticar?

Tendo em vista que os sintomas manifestados pela doença são muito inespecíficos e presentes em outras patologias, é necessário um diagnóstico laboratorial, através da coleta de sangue à procura de anticorpos anti-HIV. Isso pode ser feito por um imunoensaio enzimático e por meio do teste rápido (disponível no SUS¹), no qual utiliza-se uma gota de sangue ou fluido da cavidade oral, que será colocada em um aparelho para análise da presença desses anticorpos e cujo resultado sai em até 30 minutos.

É importante destacar que não é apenas a realização de um desses testes que sela de fato o diagnóstico de infecção por HIV. Feito um inicialmente, outro tipo de teste deverá ser realizado para realmente confirmar a presença da doença, a fim de se evitar resultados equivocados.

Realização do teste rápido de HIV. (Foto: Miva Filho/ SES-PE)

Considerando essas informações, é evidente a gravidade da infecção por esse vírus, e o mês de dezembro nos lembra que nossos olhos precisam estar também atentos fora da bolha gerada pela Covid-19. Apesar do expressivo desenvolvimento de novas drogas antirretrovirais capazes de controlar a doença e permitir que o paciente tenha uma melhor qualidade de vida, a AIDS ainda existe e não tem cura, e nós precisamos voltar nosso olhar para esses indivíduos e todas as repercussões e estigmas que ainda atravessam nosso meio.

Referências

1. Bogliolo, Patologia/Geraldo Brasileiro Filho, 9ª edição.

2. Robbins, Patologia Básica, 9ª edição.

Nota de rodapé

¹Texto produzido pela colunista da Revista Brado, Isabela Chen, sobre a saúde pública brasileira: “SUS: Até qual ponto vale mesmo a pena defender?”. Caso tenha interesse pelo tema, clique aqui para acessar.

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Carolina Miôtto Castro
Revista Brado

Estudante de Medicina pela Universidade Vila Velha | Colunista da Revista Brado