Intervenções estéticas na adolescência: motivos e riscos

Será que realmente existe um problema com a sua aparência ou são os referenciais impostos que exigem um corpo perfeito e utópico?

Carolina Miôtto Castro
Revista Brado
6 min readNov 18, 2020

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*Texto produzido em parceria com a também colunista de Saúde da Revista Brado Isabela Chen.

Representação da lipoaspiração de alta definição (Reprodução: Arte/ CAPRICHO).

A adolescência é um período complexo da vida que compreende dos 10 aos 20 anos incompletos, marcado por grandes transformações físicas, psicológicas e sociais, com o amadurecimento sexual e o desenvolvimento da identidade. Tendo em vista as expressivas mudanças corporais, os adolescentes passam por um momento de conflito com essas transformações e a preocupação em tornar o corpo mais atraente, até atingirem um estágio mais tardio, no qual ocorre a aceitação da transição do corpo infantil para o adulto, diante de suas imperfeições antes não percebidas durante o amadurecimento.

(Foto: Joeyy Lee/ Unsplah)

Nesse processo, constrói-se e reformula-se o autoconceito de imagem corporal, que nada mais é que a representação mental do próprio corpo, o modo como o indivíduo o percebe, sob relações sociais e influências externas, às quais busca se assemelhar. É um processo dinâmico e gradativo, de modo que o sujeito atribui significados de acordo com as referências que lhes são apresentadas no decorrer da vida, sendo particularmente intenso no período da adolescência. Entretanto, os atuais modelos de beleza, fornecidos principalmente por influentes meios de comunicação, trazem exigências corporais irreais e ilusórias, as quais nem sempre estão em consonância com a real imagem individual. Tal incongruência é responsável por gerar um processo conflituoso no jovem, que, a cada nova demanda física, tem a necessidade de construir novas imagens corporais e se enquadrar no novo padrão imposto.

“Em nossa sociedade, há uma desconsideração da subjetividade e uma supervalorização da imagem, um culto narcísico ao corpo, que é vendido como objeto de consumo, onde, mais importante do que sentir, pensar, criar, é ter medidas perfeitas, considerando-se o padrão de magreza como ideal. Assim, a adolescente, que já tem que lidar com suas transformações físicas, é colocada frente a esses modelos e à impossibilidade de corresponder a eles.” — Viviane Namur Campagna e Audrey Setton Lopes de Souza.

Nesse meio, as manifestações publicitárias de produtos e intervenções estéticas vendem um faz-de-conta acessível de ser conquistado no mercado, cujas consequências estão intrínsecas à capacidade de realmente “fabricar” seus anseios para superar as inseguranças. Nesse aspecto, os gigantes da publicidade, bem como influencers e youtubers, são peritos na criação e distorção do padrão adequado à sociedade e dos procedimentos estéticos, mediocrizando os riscos e os reais propósitos da intervenção. Essa constante promoção distorcida da realidade acaba sendo silenciada à medida que os envolvidos são beneficiados pelo lucro da popularização desse mercado de coisificação do corpo, sustentado na falácia do corpo perfeito e natural, que pode garantir a juventude que tantos querem manter.

Esse cenário complexo e imediatista inverte os fatores, colocando o resultado e seus efeitos à frente das causas e riscos, podendo acarretar em consequências nocivas para o adolescente. No entanto, os motivos pelos quais se adotam essas intervenções variam a depender do contexto social e geracional: os mais velhos esperam um resultado que os singularize dos demais; enquanto os jovens têm maiores expectativas de se parecerem mais uns com os outros, a fim de se inserirem socialmente.

Figuras públicas antes e depois de procedimentos estéticos (cirúrgicos e/ou não cirúrgicos). Na primeira linha, da esquerda para direita, Bianca Andrade (Boca Rosa), DJ Alok e Flayslane. Na segunda linha, da esquerda para direita, Luísa Sonza, Lucas Lucco e Flávia Pavanelli (Montagem: Carolina Miôtto).

Considerando essa intensa divulgação de padrões corporais perfeitos, os adolescentes buscam meios para alcançar a imagem idealizada de seus corpos, desde o uso de produtos de beleza e maquiagens, dietas radicais e uma rotina exagerada de exercícios físicos até o desenvolvimento de transtornos alimentares (como bulimia e anorexia) e a procura por procedimentos cirúrgicos estéticos. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plásticas (SBCP), nos últimos dez anos houve um aumento de 141% no número dessas intervenções entre adolescentes de 13 a 18 anos. Além disso, segundo o censo de 2018, foram realizadas mais de 151 mil cirurgias estéticas ou reparadoras em pacientes com até 18 anos no Brasil. Esses números alarmantes não só colocam o Brasil como líder de um ranking mundial, como também refletem uma busca patológica por tais ideais imaginários, uma vez que, como também demonstrado pelo censo, houve um aumento considerável de busca por procedimentos estéticos em detrimento dos reparativos (ou seja, que visam corrigir deformidades).

Giovanna Chaves antes e depois da cirurgia de lipoaspiração de alta definição (Reprodução: Instagram).

Ademais, em relação aos principais tipos de intervenções cirúrgicas realizados por adolescentes, ressaltam-se: aumento/diminuição dos seios, correção de ginecomastia(aumento do tecido mamário masculino), lipoaspiração, rinoplastia e correção das orelhas. Porém, na atualidade, principalmente entre blogueiras, famosas e influencers — como Giovanna Chaves, Flayslane e Viih Tube –, destaca-se a cirurgia de lipoaspiração de alta definição, popularmente conhecida como “Lipo LAD” ou “Lipo HD”, que promete trazer um resultado mais natural, com menos consequências indesejadas e uma rápida recuperação pós-operatória. Cabe ressaltar que diferente da tradicional lipoaspiração, indicada para pacientes obesos que esgotaram todos os meios de correção de seu peso e cuja técnica ainda preserva uma camada de gordura superficial, a Lipo LAD simula toda a musculatura do abdome, dorso, flancos e pernas, peitorais em homens e glúteos em mulheres, supervalorizando as formas corporais, e apresenta fins puramente estéticos.

Apesar dos resultados inimagináveis, trata-se de uma cirurgia muito dolorida e traumática para o paciente, que apresenta recuperação lenta, com presença de edema prolongado e hematomas, além do risco próprio a toda cirurgia de trombose venosa. Infelizmente, esses fatores não são diretamente expostos e abordadas por influenciadores digitais, que apresentam mais os resultados do que as consequências geradas pelo procedimento, corroborando, por fim, para a banalização das intervenções estéticas cirúrgicas.

Levando em conta todos esses aspectos, vale dizer que nem todo adolescente pode ser eleito para uma cirurgia. Existem condições específicas para a realização dessas intervenções, que não se baseiam apenas no desejo do adolescente em realizá-las, mas necessitam conjuntamente de uma análise criteriosa do quadro do paciente, da explicação detalhada do funcionamento, limitações e todos os riscos e benefícios inerentes ao processo, bem como de uma maturidade física e emocional do adolescente. Portanto, a escolha de realizar um procedimento invasivo deve ser bem pensada pelo próprio paciente e examinada junto a um profissional qualificado, para que desfechos desnecessários e indesejados não ocorram, além de evitar ao máximo os efeitos colaterais que podem ser desencadeados.

Destaca-se que uma cirurgia bem-sucedida apresenta sim seus efeitos positivos, principalmente porque é capaz de elevar a autoestima e autoconfiança, bem como reduzir a tendência ao isolamento do adolescente. Todavia, de nada adianta recorrer a intervenções cirúrgicas invasivas se simples e ordinários hábitos são mais efetivos e seguros para alcançar os mesmos resultados, se não mais satisfatórios, como uma rotina de atividade física e uma ingestão calórica regulada, as quais normalmente não são consideradas prioritárias por essa faixa etária ansiosa por encontrar sua identidade e resultados imediatos. Até porque a cirurgia é e sempre deverá ser considerada o último recurso, principalmente em questões estéticas.

(Foto: Joeyy Lee/ Unsplah)

Deixar-se iludir com os referenciais midiáticos e acreditar que a felicidade só ocorrerá a partir do momento que nós nos encaixarmos nesses padrões pode nos levar a um rumo preocupante. O amor ao próprio corpo é construído ao longo do tempo e só será verdadeiro a partir do momento que nos valorizarmos da forma que somos, com nossas peculiares imperfeições que nos tornam singulares. Não somente é necessária a ressignificação acerca dos conceitos de beleza e corpo ideal, como também é urgente a criação da consciência e ética dos profissionais da saúde no aconselhamento sobre um determinado procedimento, para que seja julgado com transparência e priorizando a saúde do paciente, e não somente o resultado estético.

Não é um caminho fácil, porém até que ponto vale colocar nossas vidas em risco para continuar a alimentar a busca patológica pelo corpo perfeito — que, por sinal, não existe?

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Carolina Miôtto Castro
Revista Brado

Estudante de Medicina pela Universidade Vila Velha | Colunista da Revista Brado