Medicina à distância: será esse o futuro da saúde pública?

Diante do cenário de pandemia, muitos consideram que os tratamentos remotos sejam não só uma alternativa segura para o momento, mas o próprio destino da Medicina.

Carolina Miôtto Castro
Revista Brado
5 min readJun 10, 2020

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Medicina à distância (Foto: / Pixabay)

No meio de uma grande crise na saúde pública, na qual seja impossível para o profissional estar diretamente próximo aos seus pacientes, seria possível que as tecnologias suprissem esse distanciamento?

Tal questionamento nunca se mostrou tão relevante quanto no contexto que vivemos, quando, por causa de um pequeno vírus, estamos enclausurados em nossas casas sem poder sequer estar próximo das pessoas que tanto amamos.

Nessa circunstância, é indiscutível que o papel do profissional da saúde ganhou um status mais elevado. Nós precisamos de ajuda e recomendações; nós temos dúvidas quanto a muitas ações, do que realmente é efetivo fazer, se as informações divulgadas são de fato verdadeiras e, acima de tudo, queremos a atenção desse profissional para a nossa situação, que muitas vezes é crítica. Logo, diante do cenário pandêmico que estamos vivendo, as consultas à distância se popularizam e levanta-se a discussão da utilização de meios remotos para ajudar nas crescentes demandas da saúde.

É nesse momento que entra a telessaúde, que nada mais é do que medidas que visam expandir os cuidados e assistência em saúde além das consultas presenciais. Logo, é possível ter acesso aos dados da consulta, a laudos de exames e até mesmo se comunicar com o profissional, tudo isso através do seu próprio computador ou celular.

Como componente importante na telessaúde, temos a telemedicina, que, segundo o Conselho Federal de Medicina na Resolução CFM nº 1.643/2002, é uma especialidade que representa o exercício da prática médica através da utilização de meios interativos de comunicação audiovisual e de dados, objetivando a assistência, a educação e a pesquisa em saúde.

Profissionais da saúde em teleinterconsulta (Imagem: Hiraman/Getty Images)

Os benefícios da telemedicina abrangem tanto os profissionais quanto os pacientes. Poder arquivar todas as informações de seu paciente on-line e obter acesso a algum exame já realizado anteriormente é um grande facilitador para os médicos, uma vez que, além de não ser necessário um espaço físico para guardar esses documentos e uma longa jornada em busca de uma informação específica, também restringe a necessidade de impressão e revelação de filmes radiográficos, por exemplo. Além disso, em vista de uma dúvida diagnóstica ou necessidade de informação sobre uma especialidade em questão, os médicos podem se reunir virtualmente nas chamadas teleinterconsultas, auxiliando o seguimento da conduta que será realizado pelo paciente.

Já para os pacientes, poder receber seu exame com o laudo médico ou mesmo ter acesso a uma nova terapêutica sem ao menos precisar sair de casa, evitando deslocamento e economizando tempo, é um grande ganho, sobretudo na atualidade, que vivemos cheios de tarefas e compromissos “24 horas por dia”.

Imagine um paciente com diabetes mellitus que, com certa frequência, precisa interromper toda a sua rotina e ir à consulta com o médico para ajuste de dose da sua insulina, pois constantemente está sofrendo com efeitos colaterais devido à alta concentração de glicose no sangue. Uma vez que o médico tem acesso às medições da glicose diariamente e aos sintomas relatados pelo paciente, é muito simples para o profissional fazer tal alteração e aliviar o sofrimento do paciente, sem a necessidade dele se deslocar ao seu consultório.

Entretanto, apesar de tantos ganhos, a telemedicina não é o único futuro da medicina. Vale dizer que é impossível que haja total substituição da consulta presencial pelas teleconsultas, pois nada substitui o exame físico e o contato do médico com o paciente. A consulta é um momento íntimo entre o paciente e o médico, é nela que o doente expõe suas queixas e dificuldades que atrapalham sua rotina, num ambiente fechado e seguro. Muitas vezes, o paciente pode apresentar algum desconforto ou timidez em relatar sua condição e, portanto, cabe ao profissional saber lidar com as informações recebidas e se comunicar de forma adequada para que o paciente compreenda o que está acontecendo e confie no médico para apresentar todos os dados necessários para que ele chegue ao diagnóstico correto.

Médica realizando o exame físico (Getty Images/Reprodução)

Além disso, o exame físico é fundamental, uma vez que, com o olhar e o toque, o médico é capaz de confirmar ou descartar uma hipótese a partir do que lhe foi relatado anteriormente. Dessa forma, de nada vale um médico com muito conhecimento, mas que só use jargões da profissão e termos complexos para conversar com seu paciente, muito menos aquele que mal lhe olha ou toca. Essas atitudes só dificultam o andamento da consulta, prejudicam a passagem de informações e atrapalham na adesão ao tratamento.

Agora, depois de compreender tal complexidade de uma consulta presencial, imagine realizar uma teleconsulta. O profissional deve estar preparado para lidar com qualquer intercorrência e dificuldade na sua realização, pois, diferente do que muitas pessoas acreditam, a telemedicina não significa apenas enviar para o médico os exames feitos e querer que ele identifique a doença que o paciente apresenta. O profissional precisa saber o contexto clínico que ele se encontra antes, pensar em hipóteses para só depois avaliar os exames. É impossível fazer um diagnóstico apenas por exames complementares (de imagem e laboratoriais, por exemplo), uma vez que, como muito citado por especialistas, “a clínica é soberana”: ela é a base de toda a nossa hipótese diagnóstica.

Portanto, apesar da telemedicina contribuir de forma significativa no desenvolvimento da prática médica, em especial no contexto pandêmico no qual estamos vivendo, a total substituição pelas consultas on-line é muito improvável. São pequenos detalhes que fazem grande diferença numa consulta médica, como manter o contato olho a olho e demonstrar atenção e interesse no que lhe é relatado, o que, infelizmente, muitas vezes é perdido numa teleconsulta. O olhar e o toque médico são insubstituíveis. Por isso, é possível afirmar com toda certeza que as máquinas jamais substituirão os médicos, pois nelas falta uma virtude muito importante: a empatia.

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Carolina Miôtto Castro
Revista Brado

Estudante de Medicina pela Universidade Vila Velha | Colunista da Revista Brado