A educação sexual nunca foi tão urgente

O combate ao abuso de crianças e adolescentes passa, de forma fundamental, pela sala de aula

Lívia Bastos
Revista Brado
3 min readAug 27, 2020

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Bolsonaro apresentando “kit gay” no Jornal Nacional. Reprodução/YouTube

“Ele vinha fazendo aquilo comigo havia um tempo, e eu não entendia o que aquilo significava. E daí comecei a perceber, por volta dos 11 anos, talvez nas aulas de educação sexual, que era daquele jeito que se fazia um bebê. Fui à biblioteca ler a respeito do sistema reprodutivo. E fiquei meio horrorizada quando entendi que era aquela a forma de engravidar. Quando minha menstruação parou, somei com o que havia lido.”

Esse é o relato de Ruby, que foi violentada pela primeira vez aos cinco anos, mas poderia ser o relato dos mais de 177 mil casos registradas no Brasil.

O abuso sexual na infância é mais que uma estatística, é um problema real que afeta milhares de vidas, gerando traumas e consequências individuais e sociais intangíveis.

Precisamos falar sobre o que ninguém quer falar: sexualidade. O tema é tratado como um tabu pela sociedade como um todo, principalmente quando falamos de crianças e adolescentes — mas não podemos ignorar o tema só por ser incômodo e desconfortável — fugir do problema não o faz desaparecer, só o torna ainda maior e complexo.

Todos fogem da responsabilidade de conversar sobre sexualidade com crianças e adolescentes. A escola diz que é função dos pais; os pais dizem que é função da escola ou que ainda não está na hora de tocar no assunto. O problema é que essa hora nunca chega, mas o assunto chega nas crianças. Estudos demonstram que os meninos começam a acessar conteúdo pornográfico entre os 9 e os 12 anos e as meninas muitas vezes têm o primeiro contato com a temática a partir dos relatos desses meninos.

Mas para além da pornografia e todas assuas problemáticas, não estamos falando aqui sobre ensinar sobre sexo para crianças. A educação sexual é muito mais ampla do que isso, assim como a sexualidade. Essa consiste não só apenas no ato sexual em si, mas em todas as sensações corporais, emotivas e afetivas, experimentadas através do amor, contato físico, amizade e do próprio ato sexual.

Imagem: Semáforo do toque (verde: pode tocar; amarelo: cuidado; vermelho: não pode tocar). Reprodução/Instagram/@somosmaesevoce

A educação sexual para crianças serve, sobretudo, como uma compreensão do seu corpo e dos limites que devem ser impostos. Elas devem ser ensinadas que existem partes dos seus corpos que ninguém além dos seus pais — e esses, de que forma — pode tocar; devem aprender que existem tipos de carinhos que não podem ser aceitos; devem ser ensinadas a contar para um responsável sempre que se sentirem constrangidas por alguém.

A ausência do ensino sobre sexualidade perpetua ainda mais sua vulnerabilidade. O discurso deturpado contra a educação sexual dificulta cada vez mais o combate contra o abuso infantil. Precisamos falar sobre o assunto; precisamos combater o abuso infantil. A educação sexual nunca foi tão necessária.

Até quando vamos ter que decidir sobre aborto por estupro em crianças de 10 anos?

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Lívia Bastos
Revista Brado

Escrevo sobre gênero na Revista Brado. Aqui você vai encontrar menos teoria, mais pragmatismo. Acadêmica de Direito, envolvida na Política.