As cotas de gênero e a representatividade feminina nas eleições 2020

Uma análise dos resultados das eleições nas 4 maiores cidades do Espírito Santo

Lívia Bastos
Revista Brado
4 min readNov 30, 2020

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Jackeline Rocha (PT), foi vice candidata à prefeitura junto com João Coser (PT) e Capitã Estéfane (Republicanos) vice-prefeita eleita, junto com o Delegado Pazolini (Republicanos). Fotos: Wellington Prado/TC Digital (Jackeline Rocha); Republicanos.org (Capitã Estéfane)

As eleições municipais de 2020 foram marcadas pelo grande aumento da participação feminina nas chapas de vereadores. Isso se dá, principalmente, pela regra que obriga os partidos a lançarem entre seus candidatos percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70% de cada gênero.

No entanto, diferente das cotas de ações afirmativas, essa regra vale somente para a candidatura. Não é um percentual que se aplica ao número de cadeiras que serão efetivamente ocupadas, tal como é nosso sistema de cotas para ingresso nas Universidades Públicas.

Ou seja, essa regra incentiva mais mulheres a se candidatarem, mas não garante que mais mulheres serão eleitas.

Infelizmente, o ambiente da política ainda é muito inóspito para as mulheres, assim como o ambiente partidário. Enquanto esse cenário persistir, a regra que estabelece percentuais de gênero para as candidaturas não trará mudanças estruturais.

Camila Valdão (PSOL), Raphaela Moraes (REDE), Patrícia Crizanto (PSB), Karla Coser (PT) e Elcimara Loureito (PP) são as cinco vereadoras eleitas nas principais cidades da Grande Vitória. Crédito: Reprodução/Redes Sociais/Montagem A Gazeta.

As eleições municipais de 2020 demonstraram isso: em Vitória, por exemplo, a cada 27 candidatos homens, um conseguiu ser eleito; no caso das mulheres foi uma em cada 74 candidatas. Isso significa que independente de termos mais mulheres se candidatando, é quase 3 vezes mais difícil para uma mulher conseguir ser eleita na capital do Espírito Santo.

Em Vitória tivemos um cenário de avanço — tímido — para a representatividade feminina. Em 2016, de 15 vagas, só uma mulher foi eleita na Câmara Municipal de Vitória, Neuzinha de Oliveira (PSDB) que, inclusive, foi a única candidata mulher dentre os 13 concorrentes à Prefeitura em 2020.

No entanto, tivemos um aumento significativo no número de mulheres candidatas a vice-prefeita em Vitória, passando de 2 em 2016 para 8 em 2020, dos 13 concorrentes. Isso reflete uma prática comum dos partidos, de apoiarem mulheres para cargos de vice, que raramente são apoiadas para encabeçarem as chapas como prefeitas.

Karla Coser (PT) e Camila Valadão (PSOL), eleitas vereadoras para atuarem na Câmara Municipal de Vitória. Foto: Instagram @karlascoser.

Além disso, Vitória dobrou o número de mulheres na câmara, elegendo Camila Valadão (PSOL) e Karla Coser (PT), ambas feministas e comprometidas na luta pela igualdade de gênero.

Já na cidade vizinha, Vila Velha, o cenário foi bastante desanimador. Das 3 vereadoras eleitas em 2016, somente Patricia Crizanto (PSB) foi reeleita, sendo agora a única mulher na Câmara dentre os 16 homens eleitos.

Não só na disputa da Câmara o machismo se mostra presente em Vila Velha: na disputa pela prefeitura de 2016, somente uma entre os 6 candidatos era mulher, Professora Liu Katrini (PSOL).

Já em 2020, tivemos uma pequena melhora: dos 11 candidatos, 3 eram mulheres, e dos 11 candidatos a vice-prefeito, 2 são mulheres. No entanto, as chapas que disputaram o segundo turno são compostas unicamente por homens: Max Filho (PSDB) e seu vice Carreta contra Arnaldinho Borgo (PODE) e seu vice Victor Linhalis.

Na Serra, cidade com o maior número de eleitores do Espírito Santo, diminuiu de três para dois o número de vereadoras eleitas, entre 2016 e 2020, sendo que nenhuma foi reeleita. Na disputa da prefeitura, dos 9 candidatos ao cargo, apenas 2 são mulheres; e somente 3 mulheres foram candidatas para o cargo de vice.

Célia Tavares (PT) foi candidata à Prefeitura de Cariacica, concorrendo no segundo turno com Euclério Sampaio (DEM). Foto: Leonardo Sá.

Somente Cariacica possuiu uma candidata mulher disputando a vaga para prefeita neste segundo turno: Célia Tavares (PT), que perdeu a disputa no último domingo (29), para seu concorrente Euclério Sampaio (DEM). Na Câmara Municipal de Cariacica, no entanto, a situação é lamentável: nenhuma mulher foi eleita em 2020; diferente de 2016, quando Ilma Siqueira (PSDB) havia sido a única vereadora eleita.

Tudo isso demonstra que algumas conquistas foram alcançadas em relação à representatividade feminina na política municipal dessas quatro cidades, mas ainda temos um longo caminho para de fato atingirmos um patamar mínimo de igualdade de gênero na política.

A regra que impõe a popularmente chamada “cota de gênero” exerce um papel ao incentivar que mais mulheres se candidatem, mas sem uma mudança estrutural no sistema eleitoral, com conscientização dos partidos e das instituições políticas, continuaremos a ter essa sub-representação feminina. Afinal, até que ponto termos mulheres concorrendo a cargos políticos significa representatividade, quando poucas conseguem de fato ocupar as cadeiras?

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Lívia Bastos
Revista Brado

Escrevo sobre gênero na Revista Brado. Aqui você vai encontrar menos teoria, mais pragmatismo. Acadêmica de Direito, envolvida na Política.