Meu corpo minhas regras ou meu corpo sem regras?

As controvérsias da narrativa da liberdade sexual

Lívia Bastos
Revista Brado
4 min readJun 22, 2020

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Obra da artista Silmara Rocha: Pintura subversiva- Meu corpo, minhas regras.

Nós, mulheres, sempre fomos ensinadas sobre como não podemos nos comportar, o que não devemos fazer, o que não podemos falar, o que não podemos vestir, sempre ensinadas a nos limitar. Até que nos deparamos com um lindo discurso sobre como devemos ser livres para fazer tudo, principalmente no que diz respeito aos nossos corpos.

A maioria de nós conhece o feminismo por essa narrativa que objetiva uma liberdade ilimitada, que nos ensina que podemos tudo. No entanto, pouco nos ensina que liberdade também é sobre poder impor limites. “Liberdade sexual também é dizer não”, escreve a autora Djamila Ribeiro.

Então, buscamos subverter essa ordem conservadora que controla nossos corpos. E como esse discurso de liberdade absoluta propõe isso? Através da liberdade sexual. E com o tão atraente discurso do “meu corpo, minhas regras”, somos incentivadas a expor nossos corpos, já que antes sempre quiseram aprisioná-los.

Arte de Kristian Jones: Aldeia dos Malditos.

Vivemos nessa sociedade do diametralmente oposto, em que tudo é polarizado. Se o contrário da liberdade são nossos corpos e nossa sexualidade sendo controladas, a liberdade, então, passa a ser a exposição dos nossos corpos através dessa hipersexualização.

Esse discurso, somado ao cenário de ascensão das redes sociais e da exposição das nossas vidas online, leva a uma crescente onda de mulheres se expondo cada vez mais na Internet, com o intuito de “quebrar tabus” e amar seus corpos. Essa narrativa nada é senão o patriarcado e o capitalismo travestidos de feminismo: o feminismo liberal.

Tal vertente do feminismo, além de não ter recortes de classe ou raça, também não tem recortes de idade. Passam a ideia que mulheres adultas e adolescentes possam se empoderar por meio dessa liberdade absoluta dos corpos e sexualidades. Por mais que isso impacte também nas mulheres adultas, tratarei aqui de como esse discurso reverbera na vida dessas meninas e adolescentes.

Imagem: Reprodução/Instagram/@melissamelmaia.

Isso se mostra muito claro num recente caso que aconteceu com a atriz-mirim Mel Maia, que no seu aniversário de 16 anos postou um vídeo dançando de biquíni com suas amigas. Além dos diversos comentários de homens adultos a objetificando e sexualizando, alguns internautas chegaram a informar que seu vídeo já constava em sites pornográficos.

A atriz, após muitas críticas, apagou o vídeo e postou uma selfie de seu rosto com a seguinte legenda: “apaguei meu lomofit, pq não posso mais me amar que esse povo reclama (…)”. O discurso do feminismo liberal se mostra muito presente. Vemos que há uma ressignificação do que é “se amar”. Agora para demonstrar que nos amamos, precisamos expor nossos corpos nas redes sociais.

Para essa geração de meninas que cresceram na era digital, o feminismo liberal chega pelas redes sociais. Nessa busca pelo empoderamento, elas querem se tornar mulheres livres - e não meninas livres- . Atrelado a isso, cada vez mais a vida sexual se desenvolve mais cedo e o período da infância fica cada vez menor. Faltam limites e controles de como essas meninas usam a Internet e principalmente de como se expõem.

Elas têm acesso a todo tipo de conteúdo, que muitas vezes é inadequado para a faixa etária. Além do contato excessivo com publicidades agressivas que impõem padrões de beleza, comportamento, imagem, entre outros.

Os impactos disso são os mais perversos. Essa exposição das suas vidas íntimas gera uma crise identitária das suas personalidades que ainda estão se formando. Sem contar com os impactos mais diretos como serem presas fáceis e vulneráveis para pedófilos, já que o público alvo dos conteúdos sexuais na Internet são homens adultos.

Essas meninas, como no caso da Mel Maia, constantemente se utilizam do discurso de aceitação e liberdade dos seus corpos para postarem esses conteúdos e se protegerem das críticas. No entanto, essa postura só aumenta esse estigma dos corpos femininos enquanto objetos e serve de conteúdo para o prazer sexual dos homens, que deveríamos combater.

Crianças devem ser crianças e adolescentes devem ser adolescentes. Pular essas fases é muito prejudicial para a formação, crescimento e desenvolvimento das suas personalidades. O feminismo precisa ser um movimento que ensine as meninas a imporem limites sobre seus corpos. O caminho para a emancipação não é pela exposição e sexualização precoce, porque é isso que o patriarcado quer.

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Lívia Bastos
Revista Brado

Escrevo sobre gênero na Revista Brado. Aqui você vai encontrar menos teoria, mais pragmatismo. Acadêmica de Direito, envolvida na Política.