Um corpo coberto também é um corpo liberto

Lívia Bastos
Revista Brado
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3 min readSep 18, 2020
Ilustração: Anna Parini

Responsabilizar a religião pela opressão das mulheres islâmicas só reforça a narrativa ocidental de dominação e não enfrenta o real problema que consiste no patriarcado.

Dentro do movimento feminista é bastante recorrente a visão das mulheres muçulmanas como submissas, passivas e oprimidas pela religião, no entanto, o Islamismo e o Corão não são contrários às mulheres, mas têm sido interpretados de forma patriarcal e misógina.

E é para reforçar essa ideia, libertando mulheres das amarras do patriarcado, sem necessariamente se opor à sua liberdade de expressão e religiosa, que o feminismo islâmico se sustenta.

Contra a uniformização cultural, imposta pela sociedade capitalista cristã, e o colonialismo, essas mulheres se unem para combater estereótipos e a estigmatização da mulher islâmica, que sofre dupla opressão: pelo patriarcado e pelo sistema colonial, buscando, assim, interpretações do Corão que desafiam as leituras patriarcais.

O orientalismo consiste na construção de como o oriente é visto pelo ocidente, reforçando a narrativa ocidental de dominação. A forma como nós, ocidentais, enxergamos o oriente, e principalmente a mulher oriental, é condicionada pelas narrativas construídas e reproduzidas pelas estruturas sociais que estamos inseridos. Vê-los como bárbaros, estereotipados, exóticos, homogêneos, só reforça a narrativa colonialista de dominação ocidental.

Para a autora Lila Abu-Lughod, a desigualdade entre homens e mulheres, nesse contexto, não é fruto da religião, e sim o autoritarismo e a pobreza. O feminismo ocidental rejeita o Islã por o considerar contra as mulheres, enxergam a mulher muçulmana como inferior, entendem sua cultura como bárbara e atrasada, impondo um ideal de libertação baseado no padrão ocidental, incentivando uma uniformização cultural.

Artista: Artnahla.

Essas mulheres já sofrem diariamente com as opressões, principalmente se inseridas num contexto capitalista ocidental, são constantemente erotizadas e têm suas tradições questionadas e desafiadas. O feminismo precisa ser um local acolhedor para todas as mulheres. É urgente uma análise interseccional das opressões sistêmicas que acometem nossa sociedade e principalmente os grupos mais vulneráveis.

A resposta ocidental ao uso do hijab deixa muito claro o etnocentrismo existente no feminismo ocidental. Há uma tentativa de proibição do seu uso, sustentado pela narrativa de superar sua cultura considerada “primitiva” para atingir sua emancipação. Esse debate inicia-se no século XIX, durante a colonização britânica no Egito, em que acreditavam que o uso do hijab era um símbolo de atraso cultural.

A proibição do hijab representa a vitória do colonialismo ocidental sobre o domínio do Oriente. Por outro lado, as feministas islâmicas consideram o uso do hijab como símbolo de resistência anticolonial.

Precisamos construir um feminismo anticolonial, inclusivo, que não internalize opressões dentro do movimento, que não hierarquize culturas e nem busque uniformizá-las.

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Lívia Bastos
Revista Brado

Escrevo sobre gênero na Revista Brado. Aqui você vai encontrar menos teoria, mais pragmatismo. Acadêmica de Direito, envolvida na Política.