Nomeação de Frias é trocar seis por meia-dúzia

Parecidos entre si, novo secretário de Cultura deve seguir os passos de Regina Duarte na pasta

Maria Fernanda Conti
Revista Brado
4 min readJul 8, 2020

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Ex-galã da Malhação Mario Frias toma posse como secretário especial de Cultura. Foto: Roberto Castro / Ministério do Turismo

Se algumas declarações já aproximavam a “namoradinha do Brasil”, Regina Duarte, do novo secretário de Cultura Mario Frias, parece que assumir uma pasta pra lá de controversa tornou as semelhanças entre os dois ainda mais óbvias. E devo confessar que não são poucas. Passar o bastão para o ex-galã da Malhação mostrou-se, de certa forma, trocar “seis por meia-dúzia” — aquela velha expressão para mostrar que nada de bom vai acontecer para a classe artística neste ano, ou até alguém ser substituído de novo.

Ironicamente, até os primeiros passos de Frias na secretaria foram bem parecidos com o da atriz. Os olavistas (seguidores do guru Olavo de Carvalho) o acusam de querer “aparecer” e ter algum tipo de destaque na mídia, algo inédito para ele na altura do campeonato. Nada diferente do que foi o reaparecimento de Regina aos holofotes. Boa parte dos momentos dela com a imprensa este ano foi repleta de acenos, sorrisos e conversas amorosas, tudo isso sob as lentes de milhares de câmeras.

Regina Duarte de volta aos holofotes no início do ano, em Brasília. Foto: Jorge William/ Agência O Globo

Por coincidência, foram esses mesmos integrantes da base ideológica que tiraram a atriz do posto. Dizia-se que eles estavam insatisfeitos com a postura da agora ex-secretária, pois, segundo os olavistas, ela não foi tão enfática nas políticas contra a esquerda. Mas, apesar de terem ficado um pouco nas sombras devido à pandemia, várias foram as atitudes constrangedoras da atriz: não se posicionou sobre a morte de importantes artistas brasileiros, como Rubem Fonseca e Moraes Moreira, e utilizou-se da imagem de atores da Rede Globo para mostrar um apoio inexistente à sua gestão.

Frias parece seguir a mesma linha de sua antecessora, sobretudo quando opina sobre a Lei Aldir Blanc. Em uma entrevista com Eduardo Bolsonaro no final de junho, quando o projeto estava perto de ser aprovado, ele chamou o auxílio emergencial de R$600 de “esmola”. “Artista não quer esmola. A maioria que eu vejo diz: ‘Me deixa trabalhar. Não quero auxílio’”, disse o ator.

Assim como nos três meses em que Regina ficou na secretaria, o ex-galã também não apresentou nenhum projeto até o momento. Esses dias, inclusive, não compareceu a uma reunião marcada com parlamentares da Comissão de Cultura da Câmara, que serviria para debaterem novas propostas dentro da pasta. Ou seja, mostrariam reivindicações e as alinhariam com as ideias de Frias. Só que o silêncio prevaleceu, mais uma vez.

Talvez esse despreparo seja agravada pelo fato dos dois não possuírem experiência prévia na política. São “outsiders” em Brasília e ex-globais que até fizeram algum sucesso, mas esquecidos nos últimos anos. Ninguém sequer lembrava de Duarte em 2018, que àquela altura já participava de manifestações pró-direita. Frias também, só que ele “brilhava” nas telas da SBT, apresentando o programa “Tô de Férias”.

Outra característica comum entre Frias e Duarte é a bajulação de Bolsonaro. Embora a atriz seja um pouco mais tímida neste ponto, o atual secretário não poupa esforços, e usa todas as suas redes sociais para defender o ponto de vista do presidente. Há alguns dias, Frias até postou uma mensagem ironizando as vítimas da pandemia do novo coronavírus. “Milagre? Foi só o Pres. Bolsonaro pedir ao povo para filmar que os hospitais se esvaziaram. Filma mais meu povo que milagrosamente adeus Coronavírus!”, escreveu.

Primeira reunião de Mario Frias na pasta foi com o presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo. Foto: Reprodução/Twitter

Ele ainda usa a hashtag #fechadocombolsonaro, é ativo na defesa do uso da cloroquina no tratamento do coronavírus, retuíta postagens de Sérgio Camargo — o polêmico presidente da Fundação Palmares — ; e chama o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de golpista.

Regina, por sua vez, mostrou o que tem de pior numa entrevista à CNN Brasil em maio, na qual relativizou por meio de risos a tortura e morte de brasileiros pelo regime militar. “Cara, desculpa, eu vou falar uma coisa assim: na humanidade, não para de morrer. Você fala vida, do lado tem morte”, disse ela. Quando o jornalista lembrou que houve tortura no período, ela respondeu: “tá bom, mas sempre houve tortura”.

Além disso, a atriz cantou a marchinha “Pra Frente Brasil”, símbolo do período, e questionou, ao vivo: “Não era bom quando a gente cantava isso?”.

Não, Regina, não era. Nem nunca será.

Se depender das heranças dela e da falta de iniciativa do ex-galã, os próximos passos na secretaria continuarão lentos e, ao que tudo indica, talvez um pouco mais agressivos. Não dá para prever, mas também é possível que os imbróglios ideológicos e o abandono dos artistas à própria sorte fiquem piores nos próximos meses. Vamos ter que esperar para ver.

Uma dica: prefira assistir aos dois apenas nas novelas. Por mais incrível que pareça, eles devem ser melhores atores do que gestores para a Cultura. Aliás, neste exato momento, Frias interpreta o vilão Drácula (sim, o vampiro) na novela Os Mutantes, que está sendo reprisada pela Record. Vale a pena conferir para dar umas risadas.

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Maria Fernanda Conti
Revista Brado

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Espírito Santo. Colunista de Cultura da Revista Brado.