O brasileiro quer ler mais?

Camila Borges
Revista Brado
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4 min readJul 11, 2020

Caos sanitário, social e político e um pouco de tempo livre leva o brasileiro a ter interesse pela leitura

Fotos: Unsplash/ Seven Shooter

Na semana passada acordamos com uma notícia boa. E notícias boas merecem ainda mais destaque em meio a pandemias, ciclones, gafanhotos, desemprego e caixas esquisitas encontradas na praia.

Em abril, na primeira fase da quarentena, a venda de livros no Brasil caiu quase pela metade e não apresentava boas perspectivas. No entanto, segundo os dados da Nielsen em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, o Snel, entre os dias 18 de maio e 14 de junho houve um aumento de 31 % no faturamento do setor em relação ao mês anterior.

Arthur Schopenhauer em seu livro “A arte da escrita”, escrito no final do século XIX, ponderou: “Seria bom comprar livros se fosse possível comprar, junto com eles, o tempo para lê-los, mas é comum confundir a compra dos livros com a assimilação de seu conteúdo’’.

Essa é uma ideia válida até hoje. Seria simplista dizer apenas que o aumento da compra de livros significa que as pessoas estão lendo mais. No entanto, podemos pensar que simboliza algo também pertinente, como o fato de que aumentou, pelo menos, o número de brasileiros interessados em ler mais. Uma série de razões poderiam ser pontuadas, seja o maior tempo livre porque não se pode sair de casa, a vontade de entender mais sobre os assuntos sociais e políticos que têm gerado burburinho ultimamente ou até pelos motivos de Ernest Hemingway, autor norte-americano do século XX: “não existe amigo tão fiel quanto um livro”, principalmente no meio de uma quarentena que para muitos têm sido solitária.

Para um país que elegeu um presidente que fazia sua campanha de forma quase exclusiva nas redes sociais, inclusive lançando mão de notícias falsas, se voltar para os livros ou ver neles uma fonte confiável é um bom começo.

Até o momento em que escrevo este artigo, a lista de 50 mais vendidos do site da Amazon, atualizada a cada hora, mostrava livros que se relacionam diretamente com assuntos e discussões sociais recentes. Djamila Ribeiro, importante filosofa e especialista em questões de raça, aparece mais de uma vez na lista com seus livros “Pequeno manual antirracista” e “Quem tem medo de feminismo negro?”. Além dela, outros nomes relevantes como Angela Davis, ativista norte americana, aparece na lista com “Mulheres, raça e classe”, e Silvio Almeida com o seu “Racismo Estrutural”.

O aumento da compra de livros com esse tema remete aos casos de preconceito racial que têm sido denunciados nos últimos meses (apesar de não serem novidade). O principal deles foi o caso de George Floyd, morto após o policial branco Derek Chauvin se ajoelhar em seu pescoço, sufocando-o durante oito minutos e quarenta e seis segundos em Minneapolis, nos Estados Unidos. O caso desencadeou uma discussão que tomou conta do Brasil e nos fez rever e denunciar os inúmeros casos de violência policial e racismo que ocorrem por aqui também.

A leitura exige um incentivo que a educação brasileira parece não ter sido capaz de oferecer nos últimos anos. Ainda que a venda tenha sido melhor que o mês anterior, se for comparada ao mesmo período do ano passado, ela sofreu uma queda. O brasileiro lê em média dois livros por ano, um número baixíssimo se comparado a outros países. Aliás, se engana quem pensa que esse número se deve apenas a uma questão socioeconômica, haja vista que um dos países que mais dedica horas à leitura no mundo é a Índia.

Victor Hugo foi poeta, dramaturgo e romancista francês. É considerado um dos autores mais importantes do séc XIX (Foto: EL PAÍS)

Uma vez que o governo federal mal tem conseguido manter um ministro da Educação no cargo, não é surpresa que incentivar a leitura seja, talvez, a menor das prioridades. Além disso, historicamente, os governos nunca foram muito dedicados à formação de um povo composto por leitores vorazes. O comentário feito pelo escritor francês Victor Hugo em 1848 ainda ecoa em 2020:

“Qual é o perigo da situação atual? A ignorância. A ignorância, muito mais que a miséria. (…) É num momento semelhante, diante de um perigo como esse, que se pensa em atacar, em mutilar, em sucatear todas essas instituições que têm como objetivo específico perseguir, combater e destruir a ignorância!” (Extraído do livro “A utilidade do inútil”, de Nuccio Ordine).

Um país que abandonou os livros está fadado a comprometer seu desenvolvimento cultural e humano, visto que é por meio deles que compreendemos o que nós somos, individual e coletivamente.

Este claramente não é o “melhor dos mundos possíveis”, como afirmava o personagem Pangloss, da sátira filosófica “Cândido”, de Voltaire. Ler é convite para não se conformar, é o primeiro passo para enxergar as mazelas e pensar em soluções. Quanto mais gente as pensando, melhor.

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Camila Borges
Revista Brado

Graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo | Colunista de Cultura da Revista Brado