O Congresso está acabando com o Congresso

Distritão, fundo eleitoral, boiada ambiental e por aí vai…

Rodolfo Nascimento
Revista Brado
5 min readAug 17, 2021

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Interior do plenário da Câmara dos Deputado. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O filósofo iluminista Montesquieu, em sua obra “O Espírito das Leis”, nos ensina que não é necessária muita honestidade para que um governo monárquico ou um governo despótico se mantenham ou se sustentem no poder. Para ele, a força das leis no primeiro caso, ou o braço sempre erguido do príncipe no segundo, moderam e conseguem conter uma ameaça que viole o poder. Todavia, no Estado popular é necessário algo a mais para que um governo se sustente. Esse algo a mais, segundo o filósofo, é a virtude.

Essa virtude pode ser compreendida pelo amor à pátria, que se desenvolve pelo exercício e a disposição depositada para com os interesses públicos e o bem-estar da coletividade. Seja pela administração da coisa pública ou pela criação de leis, existe na democracia o povo no centro do debate e como finalidade para todas as políticas pautadas.

O pensador francês desenvolve ainda o entendimento da necessidade de divisão dos poderes como forma de constituição do Estado moderno. Esse entendimento de poder no Estado, presente no sistema brasileiro, aqui se divide em Executivo, Judiciário e Legislativo. Este último, que deveria ser a expressão máxima do poder popular, vem reiteradamente se dispondo aos seus próprios interesses.

No âmbito federal, o atual Congresso Nacional tem realizado diversas manobras e atitudes que afastam qualquer possibilidade de virtude como defendida por Montesquieu. A famosa frase de Ricardo Salles durante uma reunião ministerial do governo parece ser o sentimento geral: “[…] ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”. A fala do ex-Ministro do Meio Ambiente tem surtido efeito nas legislações ambientais que estão sendo alteradas e enfraquecidas recentemente, mas também em outras áreas legislativas, sendo pautadas diversas mudanças de regras, que em tese “facilitam” o ordenamento, mas trazem uma série de ameaças ao sistema democrático, já tão fragilizado.

Plenário da Câmara dos Deputados em votação de projeto sobre regularização fundiária (PL da Grilagem). Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados

“… quando o povo, não podendo suportar o próprio poder que delegou, quer fazer tudo sozinho, deliberar pelo Senado, executar pelos magistrado e despojar todos os juízes”

A afirmação acima feita por Montesquieu é apontamento que pode ser noticiado atualmente. Existe uma espetacularização das pautas públicas, e assim, cada um com sua verdade cria a própria narrativa do certo e do errado, do melhor e do pior para o país, em um eterno debate sem resultados. Enquanto isso, aqueles que realmente detêm o poder para realizar mudanças as faz em seu próprio favor, impactando a vida de toda a coletividade. No Congresso Nacional, durante as últimas legislaturas, são observadas diversas afrontas à tal virtude esperada daqueles que elaboram as leis e deveriam representar os anseios da sociedade.

Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), vem pautando e aprovando uma série de alterações legislativas que podem resultar em prejuízos difíceis de se reestabelecer. Diversos projetos de leis e propostas de emenda à Constituição vindos da Câmara estão colocando o Brasil em uma retrocessão legislativa sem precedentes.

Exemplo disso é a PEC 125/11, que realiza diversas alterações nas regras eleitorais do país. Entretanto, tais mudanças insuficientemente beneficiariam os eleitores ou estabeleceriam um sistema de votação mais justo. Pelo contrário, essa proposta conhecida por promover o “distritão” sugere um pleito majoritário na eleição de vereadores, deputados estaduais e federais, que atualmente é proporcional. Segundo o Conselho Federal da OAB, a eleição proporcional busca garantir a representação indireta e aproximada de todos os setores da sociedade, em especial das minorias, cujos votos são pulverizados em cada circunscrição, além de proporcionar o pluralismo político. Um retrocesso é previsto em caso de aprovação da PEC. A OAB destaca que quanto maior for o distrito, menor representatividade haverá no Parlamento. Logo, as minorias ficariam com pouca ou nenhuma representação legislativa, e as reais pautas sociais estariam restringidas ao entendimento daqueles que não possuem a compreensão dos anseios da população.

Para a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022, parlamentares incluíram uma nova regra de cálculo para o fundo eleitoral que eleva os valores, que funcionam como assistência financeira aos partidos políticos. É compreensível e necessário que exista uma assistência aos blocos durante o período eleitoral, visando principalmente que novos candidatos tenham possibilidades reais de pleito com divulgações e campanha. Um fundo partidário em sua finalidade tenta garantir uma proporcionalidade entre os candidatos. Entretanto, o valor aprovado é 185% maior do que o gasto em 2020, quando os partidos obtiveram cerca de R$ 2 bilhões de Fundo Eleitoral. Em um cenário como o que estamos vivenciando, elevar esse custo foge totalmente ao fundamento que rege a necessidade de um fundo eleitoral. Mais uma vez, a virtude fica de fora da votação no Congresso e a falta de honestidade presente em outras formas de governo se mostra presente também na democracia.

Na área ambiental, a boiada realmente está passando a passos largos. Por 296 votos a favor e 136 contra, a Câmara aprovou a proposta que flexibiliza as regras da regularização fundiária de terras públicas federais e passa de 4 para 6 módulos fiscais do tamanho da propriedade ocupada que poderá ser regularizada com dispensa de vistoria pelo Incra. A conhecida e criticada PL da Grilagem esteve na preferência do presidente da Casa para ser votado. Outro exemplo é o texto-base do projeto de lei do licenciamento ambiental (PL 3729/04), aprovado por 300 votos a 122, que estabelece regras gerais desse procedimento a serem seguidas por todos os órgãos licenciadores. Nove ex-ministros do Meio Ambiente emitiram um parecer demonstrando os possíveis danos causados ao meio ambiente caso o projeto seja aprovado pelo Congresso.

Em todos os casos citados, pareceres técnicos, manifestações de órgãos competentes e representantes da sociedade foram apresentados criticamente às formas como essas alterações foram propostas, apontando principalmente os riscos que as mudanças podem ocasionar. Entretanto, tais projetos seguem sendo colocados em pauta e recebem aprovações expressivas por parte dos deputados. Não possuir muita honestidade tem se tornado uma realidade no cenário brasileiro, e esse ato demonstra o risco que a democracia corre. Atualmente, o custo para se manter ou se sustentar no poder tem sido a vida da população brasileira. A democracia é vendida e usurpada, enquanto a população assiste aos conflitos e tenta, da maneira como pode, se autogovernar.

“O princípio da democracia corrompe-se não somente quando se perde o espírito de igualdade, mas também quando se adquire o espírito de igualdade extremo e cada um quer ser igual àqueles que escolheu para comandá-lo”. — Montesquieu.

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Rodolfo Nascimento
Revista Brado

Capixaba. Estudante de Direito. Diretor de Pesquisa da Associação Atitude Ubuntu. Editor e Colunista da Revista Brado.