O flanar cibernético
Notas sobre impossibilidades de rompimento cotidiano num mundo de redes sociais
Resgato em conversas com amigos suas lembranças da internet durante a década de 1990. Me relatam o quanto tudo aquilo parecia um promissor território a ser desvendado, onde o mistério e a espontaneidade estavam sempre à espreita do usuário. Internet Explorer parecia um atrativo nome para os novos exploradores digitais.
Embora seja inegável os inúmeros benefícios que os avanços tecnológicos trouxeram, há sempre o questionamento sobre a perda de um sentimento de que antes era possível romper com o cotidiano conectando-se ao online. Transitar anonimamente, ser conduzido pela multidão de sites e blogs que sempre alimentavam experiências únicas.
Ao pensar a modernidade, o filósofo Walter Benjamin recorreu à emblemática figura do flâneur, caracterizado pelo sujeito que se lança às ruas e, misturando-se à multidão, infere ao desconhecido uma potência de rompimento com a experiência linear, a fim de cultivar uma rica experiência sensorial.
Enquanto anônimo na multidão, o flâneur descrito por Benjamin, privilegia a visão ao observar a cidade sem deixar-se envolver. E nisso habita a fugacidade dos encontros, como no clássico poema A uma passante, de Charles Baudelaire, no qual, ao flanar pelas ruas da cidade, o homem se depara com uma mulher que ele poderia ter amado, mas a efemeridade não permitira um encontro duradouro, e eles sequer se conheceram.
Pensar na experiência de usuário da internet atualmente passa necessariamente pela presença ou diálogo com as redes sociais, que podem se afirmar enquanto multidão. A dinâmica do ciberespaço alimenta uma realidade análoga à experiência cotidiana, tornando o ato de navegar online as ruas do flâneur. Embora as possibilidades do flanar cibernético ainda existam, elas ao mesmo tempo aparentam estar limitadas.
Parece contraditório pensar na possibilidade de uma falência de rompimento com o cotidiano a partir da internet, pois nunca houveram tantas pessoas conectadas ao redor do mundo e, consequentemente, tantas locomotivas para possíveis novas experiências.
Hoje, o anonimato parece uma ideia distante e, por vezes, indesejável. As redes sociais impeliram ao usuário do ciberespaço um desejo de consolidação e reconhecimento da imagem de si mesmo e de sua identidade. Escolhemos a quem seguir nas redes e isso diz muito sobre quem somos. Seguimos para reafirmar nosso espaço, nossas bandeiras, nossa comunidade e o sentimento de pertencer a algo.
O flâneur não escolhe a quem seguir, não é um sujeito fixo, e toda cidade é o território por onde pode transitar. Ele vaga sem saber o fim, enquanto nós, usuários de redes sociais, seguimos a quem seguimos, postamos o que postamos, na maior parte do tempo para pôr fim à angústia de não pertencer.
Ademais, há os algoritmos que conduzem a experiência do usuário. Os investimentos das gigantes tecnológicas ocorrem na direção de construir um espaço confortável, que otimize nossa experiência nas plataformas.
Se flanar é observar um momento que não se repete, nas redes sociais toda experiência parece se repetir. Nos concentramos nas semelhanças, buscando sempre uma familiaridade e o reconhecimento de um outro próximo de nós mesmos.
Apesar disso, a experiência de rompimento parece resistir enquanto desejo. É essa a aposta de aplicativos como o Tinder, que dispõem de pessoas que se gostam ou se repelem, de encontro com o inesperado através da tela. O like e o dislike acontecem fugazmente. Não se repetirão com a mesma pessoa.
Somente o choque pode romper com a monotonia que se instaura nas bolhas virtuais, e é essa a nova aposta do capital para capturar consumidores em potencial. No entanto, permanecemos com um potencial adormecido: o de saltar no escuro, sem saber o que nos espera. Recuperar certa autonomia da experiência demanda novos hábitos, como exemplo, de se escutar rádio além do Spotify, ou até mesmo de rumar pela cidade, atento àqueles que poderíamos amar, mas que sequer conheceremos.