O futuro exige: precisamos falar sobre reformas

A pandemia do novo coronavírus pôs à prova elementos da Lei nº 13.467 de 2017, a reforma trabalhista aprovada no governo Temer

Matheus Neves
Revista Brado
5 min readJul 20, 2021

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O ex-presidente do Senado, Eunício Oliveira, e os ex-senadores João Alberto Souza e Romero Jucá, durante sessão plenária do Senado para discutir reforma trabalhista em 2017. Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

Novas urgências vieram junto à pandemia do novo coronavírus e velhas discussões foram inseridas em cenários inéditos. O Brasil ultrapassa a marca de 500 mil vidas perdidas para a Covid-19 e, entre escândalos de corrupção e intentos de dificultar ações de combate à crise sanitária envolvendo o governo federal, parece que perdemos o ‘timing’ para levantar e sustentar importantes pautas econômicas. O intuito deste texto é dizer o contrário. Mais do que nunca, é preciso discutir reformas.

Em 11 de março de 2020, o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, divulgou a possibilidade de vivermos uma pandemia e ressaltou a responsabilidade de cada país na manutenção e mobilização para que se freasse a proliferação do vírus. A partir desse momento, parecia ter havido um impulso para que discutíssemos, ou continuássemos a discutir, importantes questões acerca da forma que nos organizamos — seja na organização do tempo, seja como organizamos as práticas de trabalho ou como organizamos o tempo a partir do trabalho.

É necessário que se paute no campo científico, político e popular formas sadias para escapar do buraco que, cá entre nós, estamos cavando há um bom tempo. Que tal começar por uma das mais recentes reformas, a Lei nº 13.467 de 2017, mais conhecida como reforma trabalhista?

Reforma trabalhista e a jornada de trabalho

A Reforma Trabalhista de 2017 nasce com a narrativa de flexibilização e simplificação do mercado de trabalho, trazendo alterações na relação entre empregados e empregadores. Além de mudanças relativas a salários, financiamento e organização sindical, destaca-se a especificidade que rodeia o âmbito das jornadas de trabalho.

Uma das novas regras autorizou jornadas de 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso a mais categorias, mantendo-se o máximo de 44 semanais e 220 horas mensais. O limite anterior era de 8 horas diárias. As pausas intrajornadas, os intervalos, também sofrem alterações. O intervalo agora pode ser negociado, desde que seja superior a 30 minutos e, caso o trabalhador “poupe” o descanso, poderá descontá-lo saindo mais cedo no exato equivalente à pausa não realizada. Isso não muda o fato — e até comprova — de que a reforma permitiu períodos mais longos nas atividades laborais.

Outra novidade é o trabalho intermitente sendo uma possibilidade na negociação entre trabalhadores e empresas. Ou seja, uma das medidas permite jornadas mais extensas, com o acúmulo diário maior no quesito horas trabalhadas, enquanto outra autoriza que empresas contratem serviços e paguem por eles somente quando necessitarem. Ao trabalhador, é permitido trabalhar apenas em determinados momentos durante o dia, semana ou mês, e está liberado para prestar seus serviços a mais de uma empresa.

Uma decisão longe de ser assertiva, principalmente se confrontada com estudo recente da OMS em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que conclui que jornadas de trabalho mais extensas afetam a saúde de quem está sujeito a elas. O trabalho extenuante está associado ao maior risco de derrames e problemas cardíacos.

E por falar em longas jornadas, com a pandemia e a expansão do trabalho remoto houve aumento de cerca de 10% nas horas trabalhadas, segundo o funcionário da OMS Frank Pega, principal autor do estudo.

Sim, a pandemia escancara uma das precipitadas decisões da reforma trabalhista, mas o perigo está em ficarmos distantes dos dispositivos que, antes mesmo do vírus, subjugam o nosso sacrifício em prol da economia de mercado. É importante que se discuta a Lei nº 13.467 de 2017, principalmente ao projetarmos o mundo do trabalho em nosso país para o pós-pandemia.

Por último, mais um destaque a dois eixos do texto da reforma. Um envolve a negociação direta entre patrões e empregados, e outro elimina a obrigatoriedade da contribuição sindical, equivalente a um dia de trabalho.

A negociação direta e individual entre os envolvidos no acordo ganhou força com a emenda e, não coincidentemente, essa negociata permite que se discutam horas extras, jornada 12x36 e compensação de jornada, fragmentação das férias, entre outros, diretamente com o trabalhador. Assim, não seria mais necessário o comum acordo entre sindicatos trabalhistas e patronais.

A soma desses dois fatores torna-se ainda mais impactante se nos atentarmos à forma que lidamos com o retorno das práticas de trabalho durante a pandemia, ou seja, durante um período em que exercer as funções de ofício representa estar mais sujeito ao vírus. Mais sujeito à morte. Não à toa, o número de greves reduziu 42% durante a pandemia. Os trabalhadores estão cedendo mais e reivindicando menos.

A reforma trabalhista não gerou os empregos previstos, e não podemos permitir que quem ainda exerce o trabalho seja onerado como forma de compensação, pagando o preço para que o motor da produção de valor continue a se movimentar.

Ministro da Economia, Paulo Guedes , em entrevista coletiva após reunião entre ministros e parlamentares. Ao seu lado estão o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Foto Alan Santos/PR

O teto

Outra reforma merece espaço neste texto e nos debates públicos. O colapso na saúde pública — que não se restringe à falta de leitos, respiradores e vacinas, mas passa pela dificuldade de destinar recursos de combate ao vírus de forma ampla -, assim como na educação, parece ter causas e também catalisadores. Para fins elucidativos, não somente textuais ou poéticos, reduzo a gestão assassina e aceleracionista da barbárie de Jair Messias Bolsonaro e Paulo Guedes ao posto de catalisador do caos que nos encontramos. Como uma das causas destaco a Emenda Constitucional nº 55 de 2016, conhecida como a Emenda do Teto dos Gastos. Acredito que, por assim dizer, deixo uma breve resposta aos que insistiram em divagar escorados na falsa separação entre a vida e a economia. Reformas e políticas econômicas afetam as nossas vidas. Também salvam, ou deixam de salvar.

A Emenda 55/2016 fixou por até 20 anos o limite para as despesas. Os gastos, a partir de 2017, seriam limitados ao montante de gastos do ano anterior, somada a correção inflacionária. A previsão era de que atingíssemos em 2022 o patamar de 16,4% de despesa em relação ao PIB. À época, o cientista econômico Felipe Rezende, em sessão da Comissão de Assuntos Econômicos no Senado Federal, apontou a alarmante situação que o Brasil estaria se submetendo.

O estudo, com base em dados extraídos do Fundo Monetário Nacional, mostra que apenas 11 países possuíam um nível de gastos inferior a 16% do PIB. Eram eles: Bangladesh, Turcomenistão, República Democrática do Congo, Nigéria, Sudão, Singapura, Macau, Guatemala, Irã, República Centro-Africana e Madagascar. Ou seja, limitamos nossas despesas a níveis praticados apenas por países de baixa renda, um perigo para um país da magnitude do Brasil, principalmente no contexto recessivo que nos encontramos. Isso se torna ainda mais grave ao atravessarmos uma crise sanitária que tirou mais de meio milhão de vidas até o momento.

Ambos temas e reformas necessitam de debates sóbrios, com respaldo científico e técnico acerca da realidade brasileira. Este texto foi um breve resgate a questionamentos sobre o quadro econômico que o Brasil se colocou nos últimos anos. Mas serve para ilustrar que, antes de mirarmos o futuro, precisamos nos livrar de certos grilhões amarrados no passado.

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