O jovem LGBTQIA+ não é imortal

A fase de se sentir vivo ao ponto de não temer a morte e achar que pode tudo não é possível de ser vivida por quem é LGBTQIA+

Gaby Minchio
Revista Brado
5 min readJan 8, 2021

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Foto: Rosemary Ketchum

“Que não morre; que não há de acabar; eterno, infinito, perpétuo”. É essa a definição que a maioria de nós já nos demos — ou continuamos nos dando — quando estávamos na fase adolescente/jovem da vida. Uma sensação de que nada de ruim vai acontecer conosco e que é quase inacreditável que a morte virá. Parece que temos umas 15 vidas — machucou, sarou, continua vivendo.

No entanto, essa tal ideia de imortalidade não existe para quem é LGBTQIA+. Porque, contrariando esse pensamento de não correr risco, vivemos sempre com medo. Constantemente nos escondemos e nos podamos para evitar que alguém “se sinta incomodado” e queira nos machucar só por estarmos sendo quem somos.

Logo que me descobri, confesso que não tinha muito esse receio nítido em mente, porque ainda acreditava na questão de “sou imortal”, como uma típica jovem/adolescente. Porém, após viver na pele um ato de homofobia e sentir a tal adrenalina de “preciso correr, porque pode ser que me machuquem”, que vi que não são só os de fora que passam por isso.

Foto: Mark Albert Serrano

Um dos maiores medos de vários familiares — que aceitam e apoiam quando um membro da família que LGBTQIA+ se assume — é “do mundo lá fora”. É o temor de que o parente entre para uma estatística que só cresce.

Para sair do armário é uma luta gigantesca em sua maioria. O problema é que não pode sequer respirar sempre fora dele, porque tem quem se importune com aquilo ao ponto de achar que tem poder sobre a vida do outro.

Ter apoio em casa é uma sensação inexplicável de tão boa, mas minha mãe compreender minha sexualidade não impede que alguém, na rua, não atue contra minha vida. Ou me fira não só fisicamente.

Em 2019, o Grupo Gay da Bahia (GGB) divulgou um relatório em que contabilizavam 329 mortes violentas de pessoas LGBTQIA+, no Brasil. Uma morte a cada 26 horas. Desse total de notificações de atos LGBTfóbicos, 297 foram homicídios e 32 suicídios. Assustador. Mais assustador ainda é que nos anos anteriores esse número era maior.

E pior que isso é saber que tal redução teve como um dos motivos a necessidade de nos mantermos mais cautelosos por estarmos em um país governado por um ser que já discursou por inúmeras vezes falas preconceituosas contra a população LGBTQIA+, o que estimula os seus seguidores a exporem com mais propriedade seus discursos e atos de ódio.

É óbvio que a criminalização da LGBTfobia também contribui para essa redução. Porém é preciso salientar que esses dados que o GGB disponibiliza não são governamentais e as subnotificações não foram computadas, o que pode indicar que esses números sejam ainda maiores.

Foto: Wilson Vitorino

Com isso, nós nos questionamos sempre do porquê disso tudo. Já que não faz sentido algum, na minha cabeça, alguém querer tirar a vida de outrem somente por se tratar de uma pessoa LGBTQIA+.

Focando na ideia de que existe apenas uma sexualidade como a correta e normal a ser seguida, a qual tem o domínio sobre a outra, foi e ainda é construída a hierarquia das sexualidades, tendo a heterossexualidade se sobressaindo à homossexualidade ao ponto de haver repulsa contra a que determinam como inferior.

E, para que ocorra veementemente a permanência dessa hegemonia heterossexual, foram e continuam sendo desenvolvidas estratégias que determinam tal aversão, destinando certa patologia à homossexualidade.

A psicóloga Juliana Spinelli Ferrari, em seu texto “O que é a homofobia”, explica que “Podemos entender então que a homofobia compreende duas dimensões fundamentais: de um lado a questão afetiva, de uma rejeição ao homossexual; de outro, a dimensão cultural que destaca a questão cognitiva, onde o objeto do preconceito é a homossexualidade como fenômeno, e não o homossexual enquanto indivíduo”.

Há um medo de que o que é diferente deve ser afastado; a negativa ao homossexual e à homossexualidade também pode ser apenas uma repercussão do que está no interior, como um desejo de ser daquela forma e como uma repressão ao que se sente. E aí ocorre o ataque ao que é dado como desagradável.

São diversas as discussões acerca desse assunto, que não traz nenhuma solução plausível e possível de ser executada na sociedade em que vivemos — infelizmente. Mas, como sempre, que continuemos sonhando com esse mundo — hoje utópico — em que nós, como minoria, não soframos qualquer represália apenas por existirmos e querermos ser visíveis.

“Preconceitos #4: Homofobia e transfobia | Leandro Karnal” — Fonte: YouTube

Leandro Karnal já falou e nós podemos ver que pode ser simples, mas complicado:

Quando nós conseguirmos fazer uma libertação do preconceito; quando conseguirmos produzir uma sociedade que não mate; que não seja violenta; que não use piadas ou expressões para destruir os outros. Quando conseguirmos rir juntos e não rir de alguém. Quando conseguirmos parar com esse pensamento destruidor de pessoas. Aí estaremos dando um passo decisivo para constituir a humanidade. Nesse dia, não precisaremos mais falar de gays, mas o ‘G’ será para ‘gente’. Será apenas para aquilo que nos une a todos. Todos somos seres humanos. Iguais em dignidade. Absolutamente humanos buscando a sua felicidade ora com um gênero ora com o outro; ora transgênero. Todos nós somos exclusivamente humanos.

E será exatamente nesse dia — apenas aí — que os jovens/adolescentes LGBTQIA+ conseguirão pensar na tal imortalidade, que imaturamente considerarão ter nessa etapa da vida. Vida essa que esperamos que realmente seja duradoura e bem vivida, podendo ser quem quiserem ser.

Quebrada Queer — Fonte: YouTube

“Nois tá aqui por cada bicha com a vida interrompida

Por causa de homofobia, ódio e intolerância

Resistimos no dia a dia

Pra poder chegar o dia que prevaleça respeito, igualdade e esperança”.

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Gaby Minchio
Revista Brado

Comunicóloga pela Ufes | Pós-graduanda em Formação do Escrito pela PUC-Rio | Fui colunista da Revista Brado | Escrevo textos que surgem do nada também