O lençol preto é sempre o mais quente

O que existe por trás do estereótipo da sexualização do afrodescendente desde o período do Brasil colônia?

Loraine
Revista Brado
4 min readSep 11, 2021

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Propaganda da cervejaria Devassa objetificando o corpo negro como material de consumo

Quando se fala em Brasil colônia ou grosso modo do Brasil escravocrata é quase impossível não citar, ainda que superficialmente, a repressão da mulher negra, seja ela física, moral ou mesmo sexual.

Em um país onde a cada 11 minutos uma mulher é estuprada, não se pode tratar essa questão como um tema pontual. O fato dessa violência ser sistemática comprova que existe uma cultura de violência contra a mulher, porque também vivemos em um país em que, a cada cinco minutos, uma mulher é agredida.

Anastácia: símbolo da via-crúcis das mulheres negras, da escravidão aos dias atuais por Michele Correia

Mulheres negras escravizadas eram violentadas pelos senhores de escravos e forçadas às mais variadas formas de violência. E o fato da mulher negra ter sido submetida a esse tipo de violência evidencia uma relação direta entre a colonização e a cultura do estupro, uma vez que, por outro lado, a ascendência branca era sempre relacionada a uma posição de poder e respeito, quando considerada a classe média alta feminina.

Mulheres negras são as principais vítimas de assédio sexual no trabalho por Getty Images

Quando o assunto é mercado de trabalho, infelizmente a realidade não é muito melhor. As mulheres pretas e pardas de baixa renda são as principais vítimas de assédio sexual no trabalho, aponta o projeto educativo criado pelo LinkedIn e Think Eva intitulado "Trabalho sem Assédio", que orienta como identificar casos no ambiente de trabalho. O resultado da pesquisa que ouviu 381 mulheres traça o cenário do assédio sexual em ambientes profissionais on e offline.

A pesquisa inédita também priorizou a perspectiva racial e econômica para a busca de insights e traz como foco as mulheres, uma vez que o maior número de ocorrências se dá nesse gênero. Entre os dados apresentados, a pesquisa aponta que uma em cada 6 vítimas pede demissão do trabalho após passar por um caso de assédio.

A consultoria ouviu usuárias de internet no Brasil, para uma avaliação quantitativa e análise de percepção sobre como os casos de assédio são detectados e tratados. Mais de 95% das entrevistadas no estudo afirmam saber o que é assédio sexual no ambiente de trabalho, mas pouco mais de 51% falam com frequência sobre o tema. Nesse universo de discussão, a maioria (54%) é de mulheres pretas ou pardas - seguindo nomenclatura oficial do IBGE- com renda entre dois e três salários, das regiões Nordeste e Centro-Oeste. E quase a metade das entrevistadas já sofreu alguma forma de assédio sexual no ambiente de trabalho (47,12%).

Manifestantes na Marcha da Consciência Negra no último dia 20 de novembro por João Duarte (Photopress)

Essa violência também é muito expressada quando falamos da romantizada miscigenação. O fato de termos uma variedade étnica tão abrangente também se dá pelo fato da violência sexual ter sido um dos pilares da escravidão no Brasil uma vez que chega a ser desumano considerar, na circunstância que for, que uma mulher negra se deitaria de livre e espontânea vontade, entre o chicote e as algemas, com qualquer que fosse o dito cujo opressor.

Essa tentativa de romantização da miscigenação serve apenas para uma tentativa muito frustrada de amenizar o fato histórico e criar uma síndrome de Estocolmo com um ainda pior sentimento forçado de patriotismo. O único negro que se “apaixonou” pelo seu opressor foi aquele que teve o seu direito respeitado e sua qualidade de vida assegurada, ou seja, nenhum de nós. Não existe sentimento de nacionalismo que repare a dívida histórica desse país com a mulher negra; e a melhor forma de impor esse respeito é sempre reforçar quais foram os descasos que permitiram que o que aconteceu acontecesse. Aprender para não repetir.

E para quem sofreu 388 anos de repressão, só no Brasil, esquecer nunca vai ser uma opção.

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