O pomo está maduro

Colhei-o já, senão apodrece

Anderson Barollo Pires Filho
Revista Brado
4 min readSep 7, 2020

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No dia 2 de setembro 1822, a então Princesa Regente Interina do Brasil, Leopoldina, convoca o Conselho de Ministros para articular o fim do vínculo entre Brasil e Portugal. Imagem: Quadro de Georgina de Albuquerque/Acervo Museu Histórico Nacional.

“Pedro, o Brasil está como um vulcão {…}”. Dentre os tantos preâmbulos que já marcaram a história desse país em cartas, atos e discursos, talvez o que mais represente seu — quase permanente — status social seja esse: vulcânico.

De fato, esse é um período eruptivo, marcado por muita violência, tensão, revoltas e rebeliões. Mas, antes de tudo, é também uma época de mudanças, um tempo de esperança.

Naturalmente, falo do ano de 1822, em que ainda éramos um Reino Unido a Portugal e Algarves (1815–1822) e estávamos a um passo para seguirmos diferentes destinos enquanto nação.

Dois deles eram: um retorno ao status de Estado Colônia do reino português ou a eclosão de pequenas repúblicas independentes instauradas por rebeliões.

Ambas as opções resultariam, certamente, em revoluções sangrentas — ou, ao menos, em tentativas. Bem ou mal, nenhum dos dois aconteceu e o resultado você já sabe: “independência ou morte”.

Mas o que talvez poucos saibam ou se lembrem é da figura de uma pessoa — que não é o D. Pedro I — que exerceu um papel fundamental para o que viria a ser proclamado no dia 7 de setembro daquele ano.

A aquariana Carolina Josefa Leopoldina de Habsburgo-Lorena nasceu em Viena, na Áustria, no dia 22 de janeiro de 1797. Integrante de uma das famílias mais poderosas da Europa no século XVIII, ela era filha de Francisco I, Imperador da Áustria. Imagem: Retrato de Josef Kreutzinger, 1815.

A Imperatriz

Ela, que falava 11 idiomas, que estudava ciências naturais, filosofia, botânica e mineralogia; que tinha uma ampla visão política; é muitas vezes lembrada pela história como uma mera esposa e mãe dos dois imperadores do Brasil.

Todavia, “ela” tinha um nome. Para ser sincero, um extenso nome (confira na imagem acima). Mais conhecida como Leopoldina, a austríaca casou-se, por procuração, com o filho do rei D. João VI, o então príncipe Pedro, em 1817.

Nesse mesmo ano, a agora princesa se muda para o Brasil (sede da família real lusa desde 1808), trazendo consigo seu rico repertório para o “Novo Mundo”.

Mas voltemos à independência brasileira saltando cinco anos.

Resumo histórico: A vinda da família real lusa para o Brasil (1808) foi uma manobra de D. João VI para garantir a independência de Portugal, que sofria ameaças de invasão por Napoleão Bonaparte. Como consequência, o Brasil deixou de ser uma colônia para se tornar um Reino Unido a Portugal. Em 1820, os portugueses realizaram a Revolução Liberal do Porto, que, em resumo, exigia o fim do absolutismo; a volta de D. João VI e o retorno do status de colônia para o Brasil. Um ano depois (1821), D. João VI retorna para Portugal, mas deixa seu filho (Pedro) como Príncipe Regente do Brasil. A partir disso, Brasil e Portugal passam a ter grandes atritos. Imagem: Quadro “As cortes constituintes portuguesa de 1820”/ Oscar Pereira da Silva.

Em agosto de 1822, o então Príncipe Regente Pedro havia partido rumo a São Paulo com o intuito de apaziguar as tensões políticas lá presentes, nomeando, pois, sua esposa Leopoldina como Princesa Regente Interina.

No final daquele mesmo mês, Leopoldina recebe cartas com ordens para que o Príncipe e a Princesa retornassem imediatamente para Portugal, acusando-os de traição e — em resumo — trazendo o Brasil de volta ao status de colônia.

Após a leitura, a Princesa Regente convoca o Conselho de Estado para deliberar sobre a posição do Brasil em relação às decisões da corte lusa. É ela quem articula o Conselho a votar a favor do fim dos vínculos com Portugal.

É valido pontuar também o papel sine qua non daquele que é considerado o “patriarca da Independência”: José Bonifácio. É ele que — juntamente com Leopoldina — idealiza um Brasil independente e unificado. Cientista, político e estadista brasileiro, Bonifácio foi uma figura que exerceu diversas influencias e contribuições para o país. Imagem: Retrato de José Bonifácio/ Benedito Calixto de Jesus.

Assim, no dia 2 de setembro, Leopoldina assina uma declaração de independência e escreve uma carta para seu esposo, informando-o sobre o estado vulcânico que o Brasil vivenciava.

É nesta fatídica carta que a Princesa Regente influencia e convence seu marido a referendar e ratificar sua decisão: “O pomo está maduro. Colhei-o já, senão apodrece” ¹.

A carta só chega ao futuro imperador no dia 7 de setembro, “às margens do Rio Ipiranga”, mas a independência brasileira já estava feita, cinco dias antes, pela futura Imperatriz do Brasil.

2 de setembro: uma data esquecida. Na noite de 2 de setembro de 2018, o Museu Nacional (o mesmo lugar onde, quase 200 anos antes, Leopoldina arquitetava a Independência do Brasil) ardia em chamas, queimando séculos de cultura e história do nosso país. Dois anos se passaram e seguimos sem digerir a dimensão exata do tamanho da perda. Foto: Regina Regô/Agência Brasil.

Por fim, a Leopoldina restou um desfecho trágico: uma morte no auge dos seus 29 anos, sofrendo inúmeras crueldades de seu nocivo marido; e seu devido papel na história muitas das vezes caído no esquecimento ou abreviado.

Já o Brasil havia enfim mudado, mas, para continuar igual: uma monarquia com base econômica escravocrata. Alguns historiadores chamam esse fenômeno de “Revolução Conservadora”. Um belo nome para definir nossas transformações, não é mesmo?

Mas não se engane. Houve sim derramamento de sangue, guerras, negros lutando por liberdade e outras mulheres que protagonizaram atos indispensáveis em nossa história, porém seguimos ocultando nossos 2 de setembro para gozarmos patriotismo no dia 7.

“O pomo está maduro. Colhei-o já, senão apodrece” ¹: trecho da carta que a Imperatriz Leopoldina escreveu para seu marido, Pedro. Após a leitura, o futuro imperador então referendava o fato consumado: a Independência. Leia a carta na íntegra clicando aqui.

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Anderson Barollo Pires Filho
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