O que esperar após a Cúpula do Clima?

Líderes de 40 países se reuniram na última semana para estabelecer metas de combate ao aquecimento global

João Vitor Castro
Revista Brado
8 min readApr 25, 2021

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O presidente Jair Bolsonaro e seus ministros assistem ao discurso de abertura do presidente Joe Biden. Foto: Marcos Corrêa/PR

Nos últimos dias 22 e 23 foi realizada a Cúpula dos Líderes sobre o Clima, convocada pelo governo dos Estados Unidos e composta por 40 líderes mundiais. O objetivo era antecipar a COP26, que será realizada em novembro na Escócia e conta com 197 países, e revisar as metas estabelecidas no Acordo de Paris, ratificado em 2015. As 40 nações que participaram do evento são as maiores poluidoras: representam cerca de 80% das emissões de gases de efeito estufa, o principal motor do aquecimento global.

A Cúpula representou o retorno dos EUA ao acordo, que havia sido abandonado pelo ex-presidente Donald Trump. O discurso ambientalmente responsável e focado no combate às mudanças climáticas foi uma das principais plataformas que elegeram Joe Biden. O país é responsável por cerca de 15% das emissões de carbono.

O presidente norte-americano se comprometeu a reduzir entre 50 e 52% das emissões do país (referente aos dados de 2005) até 2030 e antecipou de 2060 para 2050 a meta de neutralidade climática. Um país se torna climaticamente neutro quando suas emissões são inteiramente compensadas pelo sequestro de carbono, ou seja, quando seu potencial de absorção do gás se torna equivalente ao total emitido.

Outros países também estabeleceram metas ambiciosas que, se cumpridas, podem significar grandes avanços. O primeiro ministro espanhol, Pedro Sánchez, afirmou que a Espanha terá, ainda no próximo ano, 85% da geração elétrica por carvão encerrada. Já a primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, planeja cortar pela metade as emissões da pesca e do setor marítimo até 2030, e se comprometeu a investir em energia eólica e na captura de carbono.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Nethanyahu, defendeu que um terço da energia do país até 2030 virá de fontes sustentáveis. A primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, por sua vez, prometeu construir uma ilha de energia limpa no Mar do Norte, que funcionará como uma plataforma flutuante para 200 turbinas eólicas com capacidade de abastecer 10 milhões de residências.

Boris Johnson participa da Cúpula do Clima. Foto: Andrew Parsons / Nº 10 Downing Street

O primeiro-ministro Boris Johnson, do Reino Unido, que presidirá a COP26 em novembro, reformulou as metas anteriores do país para a redução de emissões: de 68% em 2030 para 78% em 2035, com base em números de 1990. A União Europeia incorporará suas metas de reduzir 55% até 2030 em uma Lei de Clima para ser seguida por todos os membros do bloco.

Já a China, o maior poluidor do mundo, que responde por 25% das emissões globais, reafirmou o compromisso firmado em 2016: reduzir as emissões de carbono em até 65% para 2030. O diferencial chinês é que, embora o país não renove constantemente suas metas, é um dos que melhor se encaminham para cumprir as já firmadas. A Coreia do Sul também se comprometeu a alcançar a neutralidade climática até 2050.

Já o Brasil, o sétimo maior poluidor do mundo, responsável por pelo menos 3% das emissões globais, surpreendeu não pelas metas, mas pelo tom do discurso, considerado o mais passivo de seu governo até aqui. Isso se deve à necessidade do país de buscar acordos internacionais e à desvantagem em que se encontra pelos péssimos índices ambientais. O presidente Jair Bolsonaro prometeu reduzir 37% das emissões do país até 2025 e 43% até 2030. Além disso, estimou para 2050 a neutralidade climática brasileira. Para isso, o presidente se comprometeu a eliminar o desmatamento ilegal até 2030.

Governo brasileiro participa da Cúpula do Clima. Foto: Marcos Corrêa/PR

Segundo o biólogo André Aroeira, especialista em políticas públicas para a conservação da biodiversidade, as metas são muito pouco ambiciosas, já que “o grosso das emissões [brasileiras] é o desmatamento e uma agropecuária não muito sustentável, então não é difícil reduzir para atingir essa meta”. Aroeira defende que apenas uma adequação agropecuária, aliada a ações de reflorestamento, já seria capaz de fazer o país capturar carbono e ultrapassar essa meta até 2030.

Apesar disso, o presidente elogiou a agricultura brasileira em seu discurso, que chamou de “uma das mais sustentáveis do planeta”. Bolsonaro também afirmou: “apesar das limitações orçamentárias do governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização”.

Isso, porém, não possui respaldo nos fatos. Logo após o encerramento da Cúpula, o presidente sancionou o Orçamento de 2021, com um corte de 240 milhões de reais do Ministério do Meio Ambiente. Além disso, uma nova Instrução Normativa Conjunta do MMA, Ibama e ICMBio cria obstáculos para a fiscalização de crimes ambientais, por meio de uma burocracia prévia para a ação fiscalizatória dos servidores.

No último dia 15 o delegado Alexandre Saraiva foi exonerado da Superintendência da Polícia Federal no Amazonas após denunciar o ministro Ricardo Salles ao STF. Segundo a denúncia, Salles teria agido para beneficiar madeireiros após a maior apreensão ilegal de madeira da história.

Para Aroeira, o problema ambiental brasileiro “não é só o Salles, mas ele tem uma agenda muito forte de desmonte de políticas ambientais e combate às coisas que geram emissão de gases no Brasil, que é corte de madeira, grilagem de terra, desmatamento raso, garimpo, coisas que derrubam a floresta ou geram uma degradação forte”. Assim, argumenta o biólogo, a Amazônia passa de um local que absorve carbono para um emissor.

A também bióloga Suellen Queiroz, consultora socioambiental e facilitadora em sustentabilidade, afirma que a responsabilidade nesse cenário também é da população. “Se eles estão lá falando as inverdades que estão falando, era para todo mundo estar gritando”, defende.

Protestos receberam o presidente Bolsonaro em Manaus no mesmo dia de seu discurso na Cúpula do Clima, quando foi à cidade receber o título de cidadão amazonense. Foto: Anderson Lima/Amazônia Real

A ambientalista completa: “A maior parte da população ainda é cega sobre a importância de discutir esse tema e como isso impacta a todos. Quando a gente fala de clima a gente tá falando de uma ação global. Clima não tem fronteira, então temos que trabalhar juntos. E a mudança começa também por nós”.

Em seu discurso na Cúpula do Clima, Bolsonaro ainda defende que o Brasil seja “retribuído pelos serviços prestados” na proteção ambiental, sinalizando o desejo de buscar acordos financeiros com países desenvolvidos em nome da preservação. Biden, no entanto, não planeja entregar recursos ao Brasil até que o país tome medidas por conta própria no sentido de cumprir as metas estabelecidas.

2,9 bilhões de reais doados por Alemanha e Noruega por meio do Fundo Amazônia em 2019 ainda estão travados no BNDES por falta de consenso com o governo brasileiro sobre a forma de gerir os recursos. O objetivo de Salles era vetar o acesso de ONGs, estados e municípios ao benefício, e não aceitava regras impostas pelos financiadores.

Joe Biden discursa na Cúpula do Clima. Foto: Adam Schultz/White House

Na Cúpula, Noruega, Reino Unido e Estados Unidos anunciaram a criação de um novo fundo de 1 bilhão de dólares para combater o desmatamento de florestas tropicais. Contudo, o dinheiro só será disponibilizado após apresentação de resultados.

Isso deve atrasar bastante o acesso brasileiro ao novo fundo, já que os índices de desmatamento e queimadas estão em franca ascensão. Em 2020, 8.058 km² foram desmatados na Amazônia, representando a maior perda florestal em 10 anos. O último ano também marcou o recorde de queimadas em uma década, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O desmatamento na Amazônia em 2020 foi mais de 3 vezes superior à meta proposta na Cúpula do Clima.

Bolsonaro e Ricardo Salles na Cúpula do Clima. Foto: Marcos Corrêa/PR

Para Queiroz, “a fala do presidente é totalmente contraditória às suas ações, às decisões que na verdade facilitam o avanço dos madeireiros e do desmatamento. Na atual situação, não tem como ser cumprido [o objetivo de reduzir as emissões] se ele não retroceder nas decisões”. A ambientalista defende que “para reduzir o efeito estufa é preciso parar o desmatamento, pensar em tecnologia, trabalhar fortemente em reflorestamento e diminuir o consumo”.

Aroeira complementa dizendo que “o governo é todo voltado para não entrar em conflito com esse tipo de atividade [como garimpo e grilagem], e muitas vezes fomenta abertamente”. Para o biólogo, essa “é uma visão de governo que perpassa o ministério do Meio Ambiente e o presidente”.

“É todo o governo trabalhando num sentido e a gente precisaria de uma virada brusca, então é bastante improvável que o Brasil tenha resultados bons até o ano que vem, e o governo aposta nisso: eles trabalham com a ideia de que 2030 ainda está longe e não precisa fazer nada agora, o que vai contra o mundo todo”. (André Aroeira, biólogo).

Segundo ele, toda a estrutura do governo está sintonizada no mesmo projeto ambiental, a exemplo da ministra da Agricultura Tereza Cristina, que apoia as medidas do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. “O Onix tem um relacionamento forte com garimpeiros, o Tarcísio da Infraestrutura também tem colocado muito peso em abrir estrada na Amazônia, que é um fator de aumento de desmatamento”, explica.

Para o biólogo, porém, o Brasil deve ser colocado seriamente na reestruturação ambiental ainda que não queira, já que “todas as modelagens mostram que sem a Amazônia todo o esforço de todo mundo vai ser em vão”. Dessa forma, a estratégia dos países para assegurar a segurança climática passa pelo bioma. “O mundo não pode perder a Amazônia se quiser controlar o clima”, conclui.

O presidente russo Vladimir Putin durante a Cúpula do Clima. Foto: Kremlin

Quem também discursou na Cúpula foi o diretor executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), Fatih Birol, que criticou a falta de medidas drásticas a nível global. Na semana anterior, a AIE alertou para o aumento das emissões de carbono ligadas ao setor energético após a queda de 2020 relacionada à pandemia. Segundo a agência, deve haver um aumento de cerca de 5% nessas emissões, o que seria o maior desde 2010, na recuperação da crise financeira de 2008.

Para Aroeira, há a expectativa de que, com os EUA estabelecendo metas ambiciosas e liderando a agenda climática, carregue consigo boa parte do mundo, incluindo ações mais efetivas por parte da China. Para ele, “se o Biden conseguir fazer isso ele está consagrado na história da geopolítica”.

O presidente da Argentina Aberto Fernández discursa na Cúpula do Clima. Foto: Casa Rosada

“A gente vê muito discurso há mais de 30 anos, mas de lá para cá a gente vem sempre patinando”, afirma o biólogo, que completa: “A expectativa é que a coisa a partir de agora realmente engrene, porque o Biden já anunciou esforços grandes, com um pacote de mais de um trilhão de dólares, porque para esses países é muito mais difícil do que para o Brasil”, devido às suas matrizes energéticas fortemente estabelecidas na queima de combustíveis fósseis, ao contrário da brasileira, que é 45% renovável, contra apenas 14% da média global.

Queiroz concorda que as metas são ousadas, mas considera que “enquanto a população mundial não entender que cada um de nós somos corresponsáveis pelo impacto no meio ambiente, não teremos um desenvolvimento sustentável”.

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João Vitor Castro
Revista Brado

Jornalista, editor-chefe da Revista Brado e autor de “Refluxo” (Pedregulho, 2023).