O que há por trás das cortinas do Sesc Glória

Sem previsão para voltar às atividades, Sesc demite funcionários e torna pública sua política de esvaziamento

Maria Fernanda Conti
Revista Brado
5 min readJul 3, 2020

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Sesc Glória tornou-se um dos prédios mais imponentes do Centro de Vitória. Foto: André Sobral/PMV

Como se já não bastasse o atraso do Cais das Artes, a reforma interminável do Teatro Carlos Gomes e do Museu de Arte do Espírito Santo (Maes), além do sucateamento da Biblioteca Pública do estado (BPES), desta vez o Centro Cultural Sesc Glória, em Vitória, foi o escolhido para ser largado às moscas. Por trás dos glamourosos shows de Gal Costa, Letrux, Rubel e Lenine que acontecem por lá, antigos problemas voltaram à tona neste ano, na forma de uma diretoria que tenta esvaziar o prédio durante a crise da Covid-19 e de entraves políticas no eixo RJ-ES.

Os imbróglios mais recentes começaram em abril, quando cerca de cinco técnicos responsáveis pela programação tiveram férias coletivas. Um mês depois, em maio, todos eles foram demitidos, e outros contratos ainda estão suspensos por dois meses — aliás, prestes a vencer agora em julho. A decisão pegou de surpresa a equipe e os frequentadores, lógico, que reagiram de forma ostensiva nas redes sociais.

“Com muita ajuda das circunstâncias e das eternas forças ocultas, eles conseguiram”

“Isso é um verdadeiro DESMANTELAMENTO”

“Tenho colegas super competentes que desenvolvem ótimos projetos no Sesc e que serão afetados por essas medidas. Triste demais esse desmonte”

“Uma cidade sem arte e cultura é um cidade sem alma!”

No geral, as demissões ocorreram nas áreas de Música, Artes Cênicas, Audiovisual, Teatro e Artes Visuais. Ou seja, as linhas de frente do Sesc, que sobrevivia com repasses da gestão nacional e algum dinheiro da venda de ingressos (veremos isso mais adiante, continue acompanhando). A justificativa para o corte seria uma queda de receita após o fechamento de cinemas, museus e galerias pelo governador Renato Casagrande (PSB-ES), o que impossibilitou a manutenção do quadro de funcionários.

Apesar das federações Sesc e Senai possuírem um caixa de mais de R$2,5 bilhões, diz-se que a MP 932/20, editada pelo governo Bolsonaro determinando corte de 50% dos repasses das empresas para o sistema S (Senat, Sesi, Senar e por aí vai), aprofundou as dificuldades financeiras do grupo. O estranho é que essa medida foi revogada no dia 8 de maio pela desembargadora Ângela Maria Catão Alves, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), e nada ainda mudou.

De qualquer forma, se o centro cultural estava fechado desde março por causa do novo coronavírus, agora não há sequer previsão de retorno. E propositalmente. Nos bastidores, fala-se sobre uma reabertura apenas em 2021, mesmo caso o Espírito Santo consiga frear a pandemia até lá.

Escritores Sérgio Blank e Francisco Grijó em um Painel Literário, extinto desde 2019. Foto: Reprodução/Facebook

Mas esse não é o primeiro indício de que as coisas andavam mal. A coordenação do espaço já havia feito outro corte no ano passado, desta vez no setor de Literatura. O assessor responsável foi demitido e, ao que tudo indica, isso provocou o fechamento das salas destinadas às rodas de conversa e aos lançamentos de livros, frequentemente realizados desde sua inauguração, em 2014.

De lá para cá, inúmeras críticas mais agressivas foram feitas àa Gutman Uchôa de Mendonça, diretor geral do Sesc-ES. Sua gestão tinha o apoio financeiro de outros setores do comércio, sendo que até os salários do Glória eram pagos pelo Sesc nacional. Por isso, ele permaneceu subordinado à Confederação Nacional do Comércio (CNC) por muitos anos, cujo comando era da empresária Beatriz Oliveira Santos, quem ainda lhe garantia proteção nas tomadas de decisões.

“Apesar de nossos esforços, sentimos o impacto da crise e tornou-se inviável a conservação do quadro completo de colaboradores neste período. Nossa expectativa, primeiramente, é manter este equipamento cultural tão importante para a cultura e para a cidade de Vitória. Aguardamos dias melhores”, disse o Sesc por nota.

Após a saída dela em 2018, no entanto, essa ajuda financeira deixou de ser enviada para a nossa unidade regional, e os funcionários precisaram redobrar o trabalho para colocar alguns eventos em cartaz. Embora fizessem esforço para garantir receita à instituição, comenta-se que eles eram impedidos de desempenhar algumas de suas atividades, especialmente por Uchôa.

Um dos exemplos disso é o espaço ir na contramão das outras unidades do Sesc, sem realizar qualquer atividade remota durante a pandemia. Atualmente, em São Paulo, uma série de shows é realizada para arrecadar fundos e destiná-los às pessoas que mais precisam, incluindo a própria equipe paulista. Já por aqui, não houve live nas redes sociais, uma oficina à distância ou qualquer tipo de aproximação com os artistas e o público capixaba, que estão totalmente fragilizados neste momento.

Centro cultural é palco para importantes shows nacionais, como o da cantora Letrux. Foto: Tati Hauer/Divulgação

Isso porque, sem outros palcos para se apresentar, a classe artística ficará à própria sorte. Ela precisará garantir sua renda por meio de editais municipais e estaduais, tal como ficar submissa às iniciativas privadas. Bater de frente com atrações nacionais também será algo mais comum, e, com tamanha “síndrome de vira-lata” que temos, não preciso nem dizer quem sairá prejudicado.

Aliás, outro anúncio do Sesc indignou os capixabas enquanto este texto era produzido — não sei se foi coincidência ou é prática constante do grupo. Parece que a instituição não tem dinheiro para pagar os funcionários, mas possui para fazer um evento de turismo em Domingos Martins. Era prometido um jantar típico de festa junina, um “São João nas Montanhas”, neste mês de junho. Pelo visto, é uma ótima hora para comemorações, sobretudo durante a pandemia que já matou mais de mil e quinhentas pessoas no estado.

Talvez esse seja o momento para pensarmos além das críticas mais cruas ao “desmantelamento” da cultura. Claro, todo capixaba sabe que não temos o mesmo apoio como nas grandes metrópoles, mas estamos falando de uma gestão que quer propositalmente esvaziar um dos maiores cartões postais da capital dos anos 2000, que aproveitou a maior crise do século para, de certa forma, encerrar as suas atividades. Mas por que? Qual o interesse por trás? E por que nossos outros centros culturais estão parados? Quem está à frente disso tudo? É intenção política, jurídica ou social?

Alguém arrisca?

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Maria Fernanda Conti
Revista Brado

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Espírito Santo. Colunista de Cultura da Revista Brado.