O que seria do racismo estrutural se não fossem os negros no Brasil?

Loraine
Revista Brado
Published in
4 min readAug 20, 2021
Homem negro usando alimento como máscara de proteção no Quênia. Foto: @0nelegend/Instagram

Há exatos 1 ano, 9 meses e 24 dias da pandemia causada pelo vírus da Covid-19 no Brasil, muito se tem questionado sobre o que esperar de um futuro pós-pandemia e seus efeitos socioeconômicos. Com a ascendência da taxa do desemprego, preocupações passadas como o aumento da extrema pobreza e o crescimento da classe média baixa muito têm preocupado as frentes de governo não apenas no quesito calamidade, mas também em quantidade. Tem se observado em conjunto que as altas taxas de desemprego têm se alarmado principalmente entre os grupos afrodescendentes. Mas por que isso acontece?

Mulher negra em protesto pela falta de oportunidade no mercado de trabalho. Foto: CNM/CUT

Os negros representam 72,9% dos desocupados do país, de um total de 13,9 milhões de pessoas nessa situação. De acordo com o levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 11,9% dos sem ocupação são pretos e 50,1% pardos. Apesar dos números representarem queda em relação ao terceiro trimestre de 2020, quando 14,1 milhões de pessoas estavam desempregadas — 50,5% pardos, 36,3% brancos e 12,6% pretos —, o percentual da população negra ainda é alto.

Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, Edilene Machado, pós-doutora em Relações Étnicas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e doutora em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que “durante um tempo, a justificativa para não contratar pretos e pardos era a falta de escolarização e profissionalização. Tudo começou com a negação do direito à educação para escravizados e ex-escravizados, quando éramos República e os pretos não podiam estudar. O resultado foi o abismo na qualificação em comparação aos brancos. No mercado de trabalho, a cor da pele ainda é uma barreira quase que intransponível. O currículo é muito bom, mas quando o recrutador vê a pessoa, tudo muda”.

Homem senegalês usando mascara. Foto: Jerome Gilles/NurPhoto via Getty Images

Partindo de uma perspectiva pós-pandemia, temos um cenário ainda pior, haja vista todos os cortes nas áreas de educação e capacitação técnica, reforçando a necessidade de um maior investimento na área da saúde. Não obstante todo o já citado abismo educacional causado pelo período escravocrata e, posteriormente, pelo Brasil enquanto República, os negros de classe média baixa que não contam com renda suplementar para a manutenção da própria qualidade de vida ainda têm de lidar com todo o pré-conceito já formado na aquisição da primeira (ou não) mão de obra qualificada.

Apesar de ter ganhado uma grande visibilidade a partir da sanção da Lei 12.711 de 2012, o sistema de cotas no Brasil existe desde o início dos anos 2000, quando a Universidade de Brasília (UnB) decidiu fazer reserva de vagas para alguns candidatos em seu processo seletivo. O texto da Lei de Cotas prevê a destinação de vagas para estudantes de escolas de públicas e, dentro dessa reserva, algumas vagas são para autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. Temos aí dois tipos de reserva: cotas sociais e cotas raciais.

RG — ELA — Formandos negros na Bahia. Foto: Matheus Leite

Com as cotas sociais, as instituições federais de ensino superior são obrigadas a cumprir a reserva de 50% das vagas para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas. Deste percentual, metade deve ser destinada a candidatos que possuam renda mensal per capita igual ou menor a 1,5 salário-mínimo e a outra metade para os estudantes com renda maior que 1,5 salário-mínimo.

Já com as cotas raciais, a autodeclaração de raça é outra forma de concorrer a uma vaga em instituições de ensino superior. Por ela, estudantes pretos, pardos ou indígenas de escolas públicas têm asseguradas por lei carteiras nas universidades federais. No entanto, para chegar ao número de vagas que devem ser reservadas as entidades devem levar em consideração os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o estado no qual a instituição está localizada. Só quem realmente tem direito (e necessidade) ao benefício da cota educacional sabe como o sistema apresenta oportunidade de melhorias quando o assunto é sua execução.

É lamentável que em pleno século da desconstrução da ideologia racial ainda tenhamos que explicar que a tonalidade da pele ou a descendência indígena/afrodescendente não interferem na formação profissional de um indivíduo. E esses comportamentos só reforçam a necessidade da criação de políticas sociais não apenas com o intuito de proteger, mas também de respaldar esses grupos. Políticas socioeconômicas baseadas na etnia e na classificação social são fatores que têm contribuído significativamente para a sua ascensão social.

E analisando um contexto histórico não tão recente, temos uma perspectiva clara de como essas ações foram fundamentais para o ingresso do negro não só no mercado de trabalho mas também em todo grande feito educacional do país. Garantir qualidade de ensino para uma posterior qualidade de trabalho não é só uma questão de interesse político. É uma questão humanitária. E num país onde mais de 50% da população é preta ou parda, é uma questão de sobrevivência.

Não estamos todos no mesmo barco. Cota não é esmola, é reparação histórica.

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