O toque de um abusador

Ou por que não devemos deixar que o estupro de vulnerável seja banalizado

Larissa Barrozo
Revista Brado
4 min readDec 10, 2021

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Imagem: Pixabay

A violência sexual contra mulheres infelizmente é uma realidade no nosso cotidiano. A mídia frequentemente noticia casos de estupro e processos judiciais, onde mais uma vez o agressor sai impune. Atrelado a isso, a cultura do estupro segue sendo difundida e o estupro de vulnerável está crescendo a cada dia tendo um aumento de 90% conforme o delegado da DERCCA.

No artigo 217-A do Código Penal, temos a tipificação do estupro de vulnerável, que consiste basicamente na prática de atos libidinosos com menores de 14 anos, não importando se houve o consentimento da vítima para que seja considerado um crime. Todavia, apesar de ser um ato ilícito, parte da sociedade normaliza e até romantiza esse tipo de relação.

Apesar de poder analisar a questão de forma criminalista e atenta às penalidades que esse ato pode sofrer, focarei aqui nas vítimas que têm sua dignidade sexual, física e mental violada e mesmo assim a sociedade as considera culpadas ou não enxerga violência nos atos de seus abusadores.

O menor de 14 anos, legalmente, não é considerado capaz para consentir ou não à prática de atos sexuais, por isso ele é considerado vulnerável. Contudo, o estupro de vulneráveis é uma crescente no Brasil. Segundo o 13ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2018 houve o maior índice de estupros no país e a maioria das vítimas são meninas com até 13 anos.

Imagem: Pixabay

É muito triste pensar que, por acontecer frequentemente, as pessoas já se acostumaram com isso, mas o estupro de vulnerável jamais deveria ser considerado algo do cotidiano, muito menos uma escolha de alguém capaz, pois mesmo com o consentimento do menor de 14 anos a prática é considerada estupro de vulnerável. Mais triste ainda é saber que no país a cada duas horas há uma denúncia de estupro de vulnerável.

Nossas meninas têm sentido diariamente o toque de um abusador e a maioria acha normal por que ela consentiu. Conforme o editorial da própria revista Brado, “a infeliz verdade é que a sociedade brasileira ainda é cercada não só pela cultura do estupro, mas também por uma cultura da pedofilia”.

O abuso sexual por si só já é um evento traumático e pode acarretar diversas alterações emocionais e comportamentais. Esse abuso sobre um incapaz pode acarretar quadros psicopatológicos, criando um trauma que a vítima levará por toda a vida. É alarmante perceber que há dez anos 70% das vítimas de estupro eram crianças e adolescentes.

Há um grito silencioso de socorro sendo feito por muitas crianças e adolescentes para que nós prestemos atenção no que está acontecendo com eles e para estarmos atentos. 76% dos estupros acontecem dentro de casa por familiares conforme, o 13ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, assim, medidas públicas efetivas carecem de urgência para diminuir esses dados.

Quando somos pequenos, imaginamos um mundo de possibilidades onde os sonhos podem se tornar realidade e a sua dignidade sexual não seja violada, mas à medida que crescemos nos deparamos com quase amores, que de amores não têm nada porque o amor não tira suas escolhas, não tira sua dignidade e tampouco tira sua infância.

Imagem: Pixabay

As consequências desse ato podem não vir de imediato, mas elas sempre vêm. Seja quando a vítima, no futuro, entende o que aconteceu, seja com ela lembrando de algo que esqueceu, seja com gatilhos que possa ter contato e entre muitos outros motivos, sobretudo quando se leva em conta que esses abusos geralmente vêm acompanhados de abusos psicológicos. Os pesquisadores do artigo Psychological Maltreatment afirmam que:

“Precisamente porque interfere na trajetória de desenvolvimento de uma criança, os maus-tratos psicológicos têm sido associados a transtornos de apego, problemas de desenvolvimento e educacionais, problemas de socialização e comportamento perturbador”.

De fato, os abusos sofridos por menores de 14 anos andam lado a lado com o desenvolvimento de deficiências e transtornos emocionais no futuro, podendo ser profundos e afetando negativamente todos os âmbitos da convivência social. Os pais e familiares devem ter o cuidado com seus filhos e ficar sempre atentos a possíveis mudanças comportamentais e isolamento.

Além disso, a sociedade como um todo deve se policiar ao normalizar situações de claro abuso, tanto psicológico quanto físico. O abusador jamais deve ter a razão, então é incabível que justifiquemos a atitude dele, afinal não há aceitação quando não se pode aceitar.

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