Os impactos das redes sociais no meio ambiente vão além do conteúdo

Do cyberativismo ambiental ao consumo energético do armazenamento de dados: as mídias sociais deram origem a uma nova era no meio ambiente

Isabela Siyao Chen
Revista Brado
10 min readJul 10, 2022

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Foto: Shayna Douglas/Unsplash

Este é um dos textos mais demorados que já escrevi, em grande parte por ser sobre meio ambiente. O assunto em si não é o real desafio, mas como em um único texto conseguirei transmitir a mensagem que tanto que quero passar para você, caro leitor. Talvez o editor me mate por estar escrevendo dessa maneira, mas quero muito fazer deste nosso momento um leve intercâmbio de experiências e devaneios que podem aparecer a qualquer momento. Costumo escrever nas editorias de Raça e Saúde desta revista, e escrever para Meio Ambiente me faz sentir que estou saindo da minha bolha, mas parte de mim sente que, na verdade, estou voltando para casa. Até porque questões ambientais são assunto de saúde, e nenhum profissional da saúde pode mais fechar os olhos para as essas questões — e, principalmente, a humanidade precisa assumir sua responsabilidade sobre suas ações no planeta Terra.

Em minhas mais queridas memórias da infância, me vejo com minhas professoras de Ciências e Biologia Elizângela, Sálua e Ana Maria, debatendo sobre o meio ambiente, e hoje reflito que a escola era o único lugar onde falávamos sobre isso. Não havia redes sociais como hoje em dia, e foram elas que me fizeram sentir o mundo como um gigante que pulsa vida tão forte quanto um coração, ao invés de somente olhar para ele como algo estático, efêmero e ordinário. No ensino médio, o professor Gilberto com sua camisa escrito CO2 e consciência me fazia ver os pequenos atos de luta pelo meio ambiente no nosso dia a dia, com suas aulas de sustentabilidade e ecologia cheias de inteligentes indiretas sobre como nossos representantes estavam administrando o Brasil e as crises ambientais do presente e do futuro.

E para quem está lendo podem não estar fazendo nenhum sentido minhas divagações e lembranças que parecem ter uma relação quase nula com o título deste texto. Eu também não sei, só achei pertinente para criar um pouco de intimidade entre nós — ou não. Mas posso tirar desses dois parágrafos o seguinte: a questão ambiental é atemporal, é algo que clama pela nossa atenção, e relembrar esses momentos acende em mim aquela criança que queria salvar o mundo, salvar cada ser vivo e fazer cada um deles valer a pena. Hoje, já adulta, eu olho para esse sonho e vejo responsabilidade, um dever de fazer melhor, ser melhor, de ser exemplo e seguir exemplos para fazer isso, e o que mudou daquela época para agora foi o mundo inteiro — só isso –, e uma das coisas que muito contribuíram para essas mudanças foram as redes sociais.

Foto: Karsten Winegeart/Unsplash

O que antes era conversado na bolha das escolas, hoje você vê em toda parte, mas o que mudou em nossa percepção em relação ao assunto? As redes sociais democratizaram a informação, ao mesmo tempo que a transmite numa constante avalanche, e se não soubermos nos portar nelas, nos perdemos em meio ao extremismo, à desinformação, às teorias conspiratórias, etc.

Nos últimos anos, tem sido crescente o interesse pela sustentabilidade nos diferentes setores sociais, tendo em vista não só os benefícios das práticas sustentáveis, como também os seus impactos nos setores produtivos. Umas das maiores exiguidades de nossa sociedade é a consciência ambiental, e isso vem sendo formado a partir da constatação de que a proteção do meio ambiente não é só uma responsabilidade de grandes empresas, governos e instituições, mas também dos nossos comportamentos, das nossas ânsias e escolhas, tendo atenção a como eles impactam no desenvolvimento sustentável da sociedade. E essa consciência se constrói a partir de nossas convicções e de nossa interpretação em relação as causas ambientais, manifestadas através dos nossos posicionamentos, escolhas como em quem vamos votar para assumir determinado cargo, escolhas na hora de exercer nosso direito de compra e venda, de como é o nosso comportamento em favor do meio ambiente, e se realmente participamos de forma ativa das questões ambientais.

Pessoalmente falando, participar da Associação Ubuntu — posteriormente Atitude Ubuntu –, e conhecer por meio dela a Movive, me trouxe uma outra perspectiva do nosso real impacto e de como precisamos ampliar constantemente nossa visão: não achar que basta não jogar o lixo no chão, mas se importar em saber para onde o meu lixo é descartado, como é feito e se é feito de forma adequada, enxergar quem faz isso por nós e se nós agimos para resguardar a saúde, os direitos e o bem estar dessas pessoas e seu ambiente de trabalho. Meio ambiente é humanizar também os nossos pares, não somente culpar a raça humana pelas desgraça que fazemos, mas valorizar quem está tentando ajudar ou simplesmente está trabalhando. Sabe, aquele velho lance de valorizar a vida, para alguns pode ser até novidade.

Foto: OCG Saving The Ocean/Unsplash

Essa visão de responsabilidade trás valores e perspectivas que devemos ficar atentos, como a inclusão social, com ênfase na igualdade de direitos e a redução das diferenças socioeconômicas, preocupação com o meio ambiente e a solidariedade. A partir disso, geram-se ações de responsabilidades sociais que promovem o engajamento a favor de uma causa social, na qual as redes sociais acabam exercendo um papel importantíssimo, promovendo laços entre usuários, disponibilidade de informações e conteúdos relacionados, que podem vir a despertar novos interesses e incentivar atitudes positivas, aumentando o alcance de pessoas impactadas por aquele assunto. Mas, por outro lado, o extremismo até mesmo dentro dos assuntos ambientais pode afastar as pessoas das causas, principalmente quando a transmissão das ideias e conteúdos se dá de forma agressiva e inibitória, proibindo as pessoas de fazerem isso ou aquilo, ao invés de mostrar opções e novos caminhos, de maneira que permita que as pessoas façam as suas próprias escolhas e criem em si a consciência ambiental.

E por mais incrível que pareça, as redes sociais por si só causam um grande impacto no meio ambiente — e mais real do que imaginamos. Por exemplo, segundo a Netflix, assistir uma hora de streaming equivale a dirigir um carro a gás natural por 400 metros. Todo filme que chega à nossa televisão passa por um processo de produção, armazenamento e divulgação que emite gases de efeito estufa e do aquecimento global. Só em 2020, 50% das emissões de carbono da Netflix ocorreram no processo de produção física de filmes e séries, sendo 45% nas operações corporativas da empresa e 5% nos provedores de serviços em nuvens que fazem com que tenhamos tantos filmes à nossa disposição em casa.

E não para por aí: o simples envio de e-mails e o acesso às nossas redes sociais também são capazes de gerar carbono. Isso porque os nossos dados, aqueles armazenados nas chamadas nuvens, na realidade estão armazenados em gigantescos centros de processamento de dados, chamados de data centers, que nos permitem a comodidade de acessá-los em qualquer lugar do mundo e a qualquer instante. Esses data centers gastam muita energia para funcionar e, por isso, promovem notável emissão de gás poluente — até porque é uma tecnologia que não pode sair do ar, e a fonte de energia dessa tecnologia é derivada de combustíveis fósseis.

Foto: Szabo Viktor/Unsplash

Um exemplo de data center é dado pelo Jornalista francês Guillaume Pitron, autor da investigação que originou o livro “L’enfer numérique, voyage au bout d’un like (Inferno digital, viagem até o fim de uma curtida)”, em entrevista para o G1, em outubro de 2021. Ele cita o data center do Facebook na Suécia, responsável por estocar dados de 800 milhões de usuários europeus, africanos e do Oriente Médio, e diz que cada curtida vai quase até a Lapônia, quase no Círculo Ártico, para depois fazer o sentido contrário até o sul, na Costa do Marfim, ficando estocado sob dezenas de metros de neve, em uma temperatura de -40ºC, pois os servidores aquecem em demasia, alcançando 60ºC, de maneira que não podem ficar em locais com a temperatura mais elevada. Além disso, há mais de 3 milhões de data centers ao redor do mundo, o que torna essa problemática uma questão também geopolítica.

“Como o conteúdo de um mesmo vídeo pode estar distribuído em diversos servidores instalados em diferentes locais com matrizes energéticas limpas e não limpas, no final pode haver emissão significativa de CO2, mas isso é totalmente evitável”. (Tereza Cristina Carvalho, membro do Instituto dos Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, em entrevista para IG Tecnologia, em abril de 2021).

Diante desses impactos gerados somente pelos nossos dados, empresas de tecnologia como o Google têm promovido campanhas com objetivo de emissão zero de carbono na atmosfera, conseguindo esse feito já em 2007, de forma que em setembro de 2020 a empresa anunciou que conseguiu remover todo o carbono já liberado na atmosfera antes de 2007. Ou seja, toda vez que fazemos alguma busca ou usamos nosso G-mail ou vemos algum vídeo pelo YouTube, não estamos mais liberando carbono no meio ambiente. Com o sucesso do Google, esse exemplo está sendo seguido pelas outras gigantes da tecnologia de informação, como o Twitter e o Facebook. O Twitter tem o objetivo de ser 100% carbono-neutro até o fim deste ano, enquanto o Facebook atingiu essa meta ainda em 2020. E não se preocupe com a Netflix: ela acredita que zera essas emissões até o final deste ano também. E isso tudo ocorre por meio de projetos e campanhas de compensação, como se o Google fosse lá e plantasse uma árvore, pois quem vai compensar mesmo esse gás carbônico é a natureza. O Twitter, por exemplo, tem uma parceria com a ONG Cool Effect para financiar projetos verdes ao redor do mundo.

Além disso, outro problema que enfrentamos é o descarte incorreto do lixo eletrônico — já fique atento caso esteja coçando o bolso para comprar o celular da última geração, enquanto o seu ainda funciona perfeitamente. De acordo com o relatório de julho de 2020 da Associação Internacional de Resíduos Sólidos, o mundo alcançou o recorde de produção de lixo eletrônico no ano anterior, atingindo a marca de 53,6 milhões de toneladas, ou sete quilos por habitante do planeta. No ranking, o Brasil ocupa o 7º lugar como maior produtor de lixo eletrônico do mundo, de acordo com relatório da Plataforma para Aceleração da Economia Circular (PACE) e da Coalização das Nações Unidas sobre Lixo Eletrônico. Não estou falando para você não comprar, mas para ter atenção sobre como será feito o descarte do anterior, pois a maioria desse lixo é descartado de forma inadequada, enchendo lixões e aterros que geram gás metano e poluem os solos e lençóis freáticos por meio da radiação.

Foto: Filippo Cesarini/Unsplash

Agir em prol do meio ambiente é um ato de rebeldia, é agir contra as estatísticas do medo, de dados que mostram que assassinatos de ambientalistas bateram recorde em 2020 — com 227 mortes, levando em conta a subnotificação. Essa realidade expõe uma média cruel de quatro mortes por semana, sendo o Brasil responsável por 20 delas, nos colocando como o quarto país mais letal para ambientalistas no mundo e o terceiro na América Latina, segundo a Global Witness, no levantamento de setembro de 2021.

Apesar das redes sociais causarem por si só também diversos impactos, as grandes empresas estão se movimentando, apesar de a passos lentos, para reduzir esses efeitos. E nós, meros mortais, devemos aproveitar essas oportunidades e agir em prol do meio ambiente, usufruir das redes sociais para nos posicionar e conhecer projetos como a Atitude Ubuntu de Vila Velha/ES, a Movive, a ONG Juventude Sustentável, Fotógrafos Juventude, Projeto Movimento de Bem com o Planeta, entre outros. Não há mais tempo para nos desconectarmos das questões que envolvem o meio ambiente. Olhem para dentro de si e se lembrem daquelas crianças interiores que sempre disseram para cuidar de nossa casa, faça essas palavras virarem atitudes. Tenham elas em mente nas eleições, cobrem dos seus representantes, se posicionem nas redes sociais, eduquem, falem, participem.

Honremos as memórias de grandes nomes que deram a vida para cuidar do meio ambiente, como Chico Mendes e Paulo Cesar Vinha, escutemos vozes que estão entre nós como Greta Thunberg e, sim, Leonardo Di Caprio. O discurso de que “vocês acabaram com suas matas e agora querem tomar conta a nossa” acabou. O planeta é de todos nós; todos temos que agir, dar voz aos povos originários, dar voz àqueles que cuidam de nossas terras, àqueles que deram a vida, como Bruno Pereira e Dom Phillips, para que suas vidas não tenham sido em vão. Não é preciso atos grandiosos: só precisamos de atos, protagonismo, exemplos, atitudes cotidianas, não ter medo, precisamos da rebeldia por aqueles que não podem lutar por si mesmos, reafirmando nossos privilégios e, pelo menos, fazendo o uso correto deles.

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Isabela Siyao Chen
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(爱)| Amarela | Paulista | Acadêmica de Medicina | Ambientalista | Voluntária | Colunista da Revista Brado | Um Mistério em Várias Línguas |