Os padrões de feminilidade precedem o assédio

Laura Bovo Girardi
Revista Brado
Published in
4 min readJul 22, 2022
Foto: Keira Burton/Pexels

A sociedade é regida por padrões e moldes nos quais mulheres devem se encaixar para serem aceitas como “femininas” e “desejáveis’’. Essas características, muitas vezes, consistem no vestuário, corte de cabelo e cuidados corporais. Homens, geralmente em posições de poder, seja em ambientes familiares, nos quais exercem autonomia sobre “mulheres da casa”; ambientes de trabalho, no qual “precisam de uma mulher para determinada função”; ou até mesmo na rua, quando não possuem nenhuma posição ou conhecimento a respeito da vida de mulheres desconhecidas, insistem em tecer comentários a respeito da mulher em questão, e de todas as questões que englobam sua feminilidade.

É importante destacar o processo retrógrado que as concepções atuai acerca do corpo feminino sofrem. Quando falamos de vestimentas femininas, o pensamento automaticamente se dirige a um vestido ou roupa decotada. Isso se dá porque as mulheres só puderam começar a usar calças sem criticismos após a Primeira Guerra Mundial, em 1920. Por isso, até os dias de hoje, mulheres que usam vestidos ou saias são consideradas mais femininas do que aquelas que preferem, por exemplo, usar um terno para o trabalho. A mesma lógica se estende para roupas decotadas, curtas e justas. Essas peças tendem a incitar homens, tanto conhecidos como desconhecidos, a tentar chamar a atenção da mulher que as usa. Desse modo, pode-se constatar que, apesar de muitas mulheres gostarem de se vestir com roupas do tipo, elas evitam utilizá-las dependendo do contexto social.

Como complemento, mulheres que, por algum motivo, não aderem ao padrão de estilo feminino, são criticadas por homens. Aquelas que optam por utilizar roupas largas e que não delimitam seu corpo do jeito que a sociedade diz que deve acontecer com o corpo feminino, recebem comentários do tipo: “você é homem ou mulher?” e “comprou as roupas na seção masculina?”. Falas desse tipo apenas instigam o paradigma de que mulheres, na sociedade atual, devem seguir um molde, forjado pela cultura machista, para serem vistas como femininas.

Foto: Karina Carvalho/Unsplash

Nessa linha de pensamento, os pelos e os cabelos são, também, um grande estigma para com as mulheres. É de se estranhar que, com o passar dos anos, pelos corporais foram sendo pintados como algo essencialmente masculino, que impedia mulheres de serem vistas como desejáveis. Sendo assim, há quem escolha depilar os pelos, seja por padrões estéticos ou por conforto, mas existem mulheres que preferem deixar com que eles cresçam e, pela visão arcaica da sociedade, são julgadas anti-higiênicas e masculinas. O corte de cabelo pode ser interpretado da mesma forma. É comum que pensemos em homens com cabelos curtos, geralmente rentes a cabeça, e mulheres com cabelos longos e esvoaçantes. Essa visão, também construída por uma sociedade machista, busca, cada vez mais, desvalorizar a imagem da mulher atual, retrogradando para uma ideia feminina pregada no século XX. Por isso, mulheres que escolhem adotar cortes de cabelos curtos são, muitas vezes, abordadas com comentários que questionam sua sexualidade, deixando claro a visão machista de que uma mulher interessada em homens não poderia se desviar do padrão que os agrada.

Sobretudo, além de todos esses quesitos, pequenos atos, como aplicação de maquiagem, postura ou fala, também servem de estímulo para a construção de críticas daqueles que acreditam fielmente em um molde feminino a ser seguido.

Mulheres na sociedade atual têm que lidar com assédio cotidiano, seja por conhecidos, em ambientes que frequentam diariamente, ou desconhecidos, que acabam passando brevemente. Tendo isso em vista, pode-se observar que os homens tem uma tendência menor de praticar assédio sexual contra uma mulher que não se enquadra nos moldes estipulados. Ou seja, mulheres que se vestem com roupas largas geralmente são menos abordadas na rua, aquelas com um corte de cabelo mais curto são mais frequentemente ignoradas e muitas das que optam por não depilar os pelos corporais não enfrentam tantas tentativas de assédio.

Isso acontece, principalmente, por conta da visão arcaica que a sociedade tem sobre as mulheres e, intrinsecamente com o pensamento machista, as questões de gênero se enquadram na situação do assédio sexual. Em outras palavras, muitas vezes mulheres que optam por utilizar roupas que não sexualizem seu corpo e cortes de cabelo mais curtos não enfrentam situações de impertinência, por serem consideradas lésbicas a partir das concepções dos homens que atrelam estilo à sexualidade. É claro que sexualidade nada tem a ver com o estilo adotado, mas, na visão limitada da sociedade machista, mulheres que não “prezam por sua aparência” não podem ser heterossexuais, visto que não teriam como conquistar um homem com todas as características desfeminilizadas.

As normas de beleza são, de certo modo, um precursor de assédio sexual, podendo se estender ao assédio moral. Muitas vezes, mulheres que não se enquadram nos estereótipos estipulados para sua sexualidade acabam sendo provocadas e perseguidas com comentários de cunho pejorativo, questionando, por exemplo, como uma mulher que usa roupas folgadas pode gostar de homem ou como uma mulher tão afeminada pode ser homossexual.

Comentários e crenças desse tipo levam ao questionamento da cultura do assédio e como ela foi construída. Há muito, mulheres buscam por um meio de garantir uma maior segurança social em uma sociedade cada vez mais machista, mas, quanto mais alimentados forem esses estereótipos, mais serão fomentados os comentários provocativos.

Do assédio sexual ao assédio moral, a aparência, comportamento e cultura das mulheres não devem ditar sua sexualidade e, em caso algum, justificar o assédio e perseguição sofridos no cotidiano.

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Laura Bovo Girardi
Revista Brado

Capixaba Colunista na editoria de MULHERES da revista Brado