Os tratados internacionais contra a mudança global do clima

A evolução histórica dos acordos internacionais realizados até a chegada da Agenda 2030

Rodolfo Nascimento
Revista Brado
9 min readSep 20, 2021

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Representantes nacionais durante a COP-21, em Paris, conferência que resultou no Acordo de Paris, aprovado por quase todos os países do globo. Foto: Presidencia de la República Mexicana/Flickr

A mudança climática, que se refere à variação do clima em escala global temporalmente, é um consenso entre a comunidade científica, que há anos alerta para os prejuízos que serão causados aos sistemas e ecossistemas do planeta. Baseado nas evidências científicas, cerca de 97% dos observadores do clima concluíram que as mudanças climáticas estão acontecendo. Essas alterações podem ser ocasionadas tanto por processos internos, exemplo da variação orbital ou na atividade solar e à deriva dos continentes, bem como pelo resultado da atividade humana, que desde a revolução industrial aumentou os níveis de gases estufa na atmosfera, sobretudo nos últimos cinquenta anos , intensificando a temperatura na Terra.

Embora também possam ter causas naturais, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) afirma haver 90% de certeza de que o aumento de temperatura terrestre é causado pela ação humana. Como resultado, está projetado um aumento de mais de 3°C na temperatura da Terra até o final do século XXI.

Imagem: Reprodução

Classificado como um dos Objetivos Globais para o Desenvolvimento Sustentável, as Ações Contra a Mudança Global do Clima tentam estabelecer medidas transnacionais, em caráter de urgência, para combater tais mudanças e precaver seus impactos.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) liderados pela ONU envolveram seus 193 Estados Membros e a sociedade civil global em um amplo acordo intergovernamental para que os países possam se comprometer a tomar medidas para o desenvolvimento sustentável, com metas claras e objetivas, que resultaram na Agenda 2030.

Os 17 ODS’s e a Agenda 2030 foram adotados em 2015, em Nova York, resultados de décadas de trabalhos e acordos realizados entre a ONU e os países, visando a melhoria da vida humana na Terra. Embora emblemática e um dos principais meios de comprometimento global atualmente, não é a primeira vez que a sociedade internacional se reúne para debater questões ambientais e sociais visando estabelecer medidas para frear as mudanças climáticas e a desigualdade entre os povos.

A Sociedade Internacional moderna, composta pelos Estados, Organizações Internacionais e Indivíduos sujeitos de Direitos Humanos, ao longo da história se relacionam em busca de atingir seus objetivos comuns e interesses em favor de um ideal coletivo.

Prédio das Nações Unidas durante acordo das ODS, em Nova York, 2015. Foto: André Amaral

Os Tratados internacionais

Desde a origem da humanidade, o agrupamento de seres humanos em diversas regiões do planeta estabeleceu a criação de comunidades dotadas de características sociais, culturais, religiosas e políticas comuns. No momento em que esses povos ultrapassam as barreiras territoriais, passam a descobrir outros grupos com características convergentes e a interagir entre si, cria-se a necessidade da coexistência entre elas.

Mapa-múndi político. Imagem: Reprodução/IBGE

Em decorrência desse novo convívio, a civilização passa a litigiar as dificuldades dessa coexistência, visto que entre esses povos com características tão distintas não há um vínculo para que se possa estabelecer relações comunitárias entre os sujeitos que as compõem. Logo, a vida em sociedade torna imprescindível a criação de normas de conduta, visando a harmonia entre esses grupos.

Nesse cenário, o Direito deixa de regular apenas questões internas limitadas aos conflitos de uma comunidade e passa a estabelecer também preceitos entre sujeitos internacionais. À medida que se multiplicam os intercâmbios entre os povos, o Direito ultrapassa os limites territoriais para a criação de um sistema de normas jurídicas capaz de coordenar vários interesses estatais distintos, de forma que os Estados possam se aproximar e estabelecer vínculos intencionais para alcançar suas metas e interesses em comum.

Para tanto, diversos são os meios de se firmar relações internacionais. Atualmente, a forma mais eficaz de regular tais acordos é por meio de tratados, espécies de acordos que possuem características similares às das leis e contratos, criando uma regulação das situações jurídicas em que esses sujeitos internacionais estejam envolvidos.

Foto: Alexander Suhorucov/Pexels

No passado, esses tratados eram reconhecidos pelo livre consentimento e a boa-fé de seus interessados. Com o passar dos anos, pelo crescimento da solidariedade internacional e o surgimento de organizações internacionais permanentes, surge a necessidade de se codificar os tratados. Por esses fatores, em 1949, a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas inicia a discussão sobre a codificação do costume dos Estados relativo aos tratados. Com a participação de 110 Estados, foi firmado um texto final da convenção sobre o tema adotado na Convenção de Viena, em maio de 1969. No Brasil, a convenção foi ratificada pelo Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Em 1986, a Convenção de Viena foi complementada.

A Convenção vigora internacionalmente e diversos tratados, inclusive na esfera ambiental, são acordados dentro dessa regulamentação específica, que busca o fiel cumprimento por todos os contraentes. Embora a terminologia “tratado” seja frequentemente a mais utilizada e de forma genérica, outras expressões fazem parte dessa espécie de acordo escrito, como as Convenções, Acordos, Pactos, Protocolos, Declarações, entre outras. Na prática, todas versam sobre um acordo por escrito e regido pelo Direito Internacional, com algumas finalidades e características distintas.

Dentre essas, na esfera ambiental, a agenda global realizou diversos tratados para tentar solucionar problemas relacionados às mudanças climáticas. Abordaremos os três principais acordos: a Conferência Rio 92, o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris.

Conferência do Rio de Janeiro (Eco-92)

Eco-92, em 14 de junho de 1992. Foto: Frederico Rozario/Folhapress

Considerado o pontapé inicial para a criação da Agenda 2030, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92 ou Rio 92, foi uma conferência sobre o meio ambiente que buscou definir medidas para diminuir a degradação ambiental e garantir a existência de outras gerações. A Rio 92 sucedeu a Conferência de Estocolmo de 1972, considerada o primeiro grande evento sobre meio ambiente realizado no mundo. Entretanto, a conferência no Rio de Janeiro recebe maior relevância pela presença expressiva de Chefes de Estado, onde representantes de 178 países se reuniram. Como resultado, a Conferência produziu diversos documentos oficiais fundamentais para a proteção ambiental, entre eles a Carta da Terra e a Agenda 21.

A Agenda 21 é um documento de 40 capítulos que estabelece a responsabilidade que cada país acordante deve ter sobre a forma com a qual seus governos, empresas, organizações não-governamentais e todos os setores da sociedade devem cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais. Com a Agenda 21, foi instituído um instrumento aprovado pela ONU que tornou possível repensar as políticas públicas que devem ser adotadas em um plano de ação global.

Na época, as mudanças do clima já eram motivo de preocupação. O documento conta com um capítulo específico voltado a proteção da atmosfera, com descrição de base de ação, objetivos e as atividades que devem ser realizadas pelos acordantes.

Protocolo de Quioto

Delegados durante da conferência das Nações Unidas sobre mudança climática em Quioto, no Japão, em 1997. Foto: Toru Yamanaka/AFP

A Eco-92 anteriormente citada serviu de base para outros eventos, como a conferência em Quioto no Japão, em 1997, que deu origem ao Protocolo de Quioto, acordo internacional no qual a maioria das nações concordou em reduzir as emissões de gases estufa. Um dos principais tratados internacionais, o primeiro a abordar especificamente ações contra a mudança global do clima.

O Protocolo de Quioto estabeleceu metas para a redução da emissão de gases poluentes, com destaque para o CO2, propondo calendários pelos quais os países membros têm a obrigação de diminuir a emissão dos gases, além de propor ações de reforma dos setores de energia e transportes, uso de fontes energéticas renováveis, ocasionando mudanças na matriz energética dos países. Os elevados custos levaram os Estados Unidos de George W. Bush a abandonar o protocolo em 2001. Anos depois, o Canadá também se retirou do acordo.

As metas de redução de gases propostas não são homogêneas entre os países que assinaram o acordo. 38 países têm níveis diferenciados nas metas de redução dos gases poluentes. Países em franco desenvolvimento (como Brasil, México e Índia) não receberam metas de redução, o que foi considerado por especialistas “a principal debilidade do Protocolo de Quioto”. Economias de países como China, Índia e Indonésia cresceram rapidamente nos anos seguintes à ratificação do acordo, logo, cresceram suas emissões de gases de efeito estufa.

Embora ainda produza efeitos, um tratado posterior substitui o Protocolo de Quioto: o Acordo Climático de Paris de 2015.

Acordo de Paris

Cerimônia da COP-21, em 29 de novembro de 2015. Foto: Presidencia de la República Mexicana/Flickr

As medidas acordadas em Quioto previam reduções pelo período de 2008 a 2012, posteriormente prorrogadas até 2020. Para as ações contra as mudanças climáticas a partir de 2020, o Acordo de Paris rege medidas de redução de gases estufa, com a finalidade de conter o aquecimento global abaixo de 2°C. O acordo foi negociado em Paris durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015.

O Acordo pretende “aumentar a capacidade de adaptação aos impactos adversos das alterações climáticas e promover a resiliência do clima e o baixo desenvolvimento de emissões de gases do efeito estufa, de maneira que não ameace a produção de alimentos”.

O “Compromisso mundial pelo clima” demonstra o quanto a crise climática tem preocupado as autoridades de diferentes locais. Embora não possua obrigatoriedade no cumprimento das metas, o Acordo de Paris é um tratado devidamente ratificado e validado no cenário internacional. No Brasil, a ratificação ocorreu em 2016. Nos EUA, o governo Trump realizou a retirada do país do Acordo, em 2017. Confirmando seu compromisso de campanha, em 2021, o presidente eleito Joe Biden retorna o país ao acordo.

Como abordado anteriormente, desde a Convenção de Viena de 1969, os tratados possuem uma importância imensurável no plano internacional. Pela sua ratificação, passa a gerar efeitos jurídicos tanto no plano nacional como no internacional, expressando a confirmação da vontade do Estado em obrigar-se perante os demais acordantes, se responsabilizando pelas obrigações impostas no respectivo acordo.

Agenda 2030 e o ODS nº 13

As medidas acordadas tanto no Protocolo de Quioto como no Acordo de Paris buscam cumprir um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. O ODS nº 13 busca “Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos”.

Manifestação sobre as mudanças climáticas, em Berlim. Foto: Reproduçãao/Greenpeace International

Assim como o Acordo de Paris, a Agenda 2030 também foi aprovada em 2015 e igualmente funciona como um acordo intergovernamental que busca uma evolução na sociedade e na relação dos seres humanos com o planeta. São eles os principais guias globalmente definidos para determinar diretrizes necessárias para frear o impacto humano no clima terrestre.

Como exposto, historicamente, diversos acordos, tratados e convenções foram pactuados entre os mais diferentes países ao redor do globo. É visível a preocupação mundial com os impactos que a ação humana podem acarretar. Entretanto, sem reais mudanças práticas em políticas públicas e nas relações de consumo, apenas o entendimento recíproco permanece.

Não bastam acordos ou tratados internacionais para a solução dos efeitos das mudanças climáticas no planeta. Embora tais compromissos sejam resultado da urgência do tema e produzem resultados positivos ao longo do tempo, toda a sociedade deve estar incluída na mobilização e garantia do cumprimento das metas e resoluções. As consequências podem se tornar irreversíveis com o tempo e só a cooperação e a vontade de mudar podem não ser mais suficientes.

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Rodolfo Nascimento
Revista Brado

Capixaba. Estudante de Direito. Diretor de Pesquisa da Associação Atitude Ubuntu. Editor e Colunista da Revista Brado.