Ouro líquido: a geopolítica do petróleo

João Pedro Sabino Frizzera
Revista Brado
Published in
6 min readMar 15, 2021

O petróleo, sendo um recurso de grande importância para a economia e a sociedade contemporânea, costuma despertar profundos interesses e disputas geopolíticas. A descoberta de vastas reservas na camada do Pré-Sal, dentro da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Brasil, não foi diferente, pois suscitou novas dinâmicas internacionais.

Apenas 2 anos após a descoberta, em 2008, os Estados Unidos reativaram a Quarta Frota da Marinha , desligada desde 1950, para cobrir as águas do Atlântico Sul, incluindo toda a costa brasileira. A justificativa dada na ocasião foi de que havia necessidade de ampliar o combate ao tráfico ilegal e aumentar a segurança regional. No entanto, como era de se esperar, o ato causou comoção e preocupação política nos governos da América do Sul, tendo o Brasil requerido formalmente um inquérito sobre as reais missões da frota na época.

Mapa-múndi demonstrando a divisão geográfica das áreas de responsabilidade de cada uma das frotas da marinha americana. Destaque para a América do Sul e Caribe, sob responsabilidade da 4ª Frota.

Mas teria realmente a descoberta do Pré-Sal motivado os EUA a reativarem a frota? O que poderia explicar, além das justificativas dadas, esse tipo de atitude naquele momento? Uma possível explicação passa, na verdade, pela compreensão de dois dos maiores problemas com o petróleo em geopolítica.

O primeiro deles é a questão da localização geográfica desse recurso: as maiores reservas petrolíferas se localizam principalmente no mundo subdesenvolvido, especialmente no Oriente Médio, enquanto os maiores polos consumidores estão localizados na América do Norte, Europa, Ásia Oriental. Juntos, os últimos possuem aproximadamente 40% da população da Terra, porém consomem mais de três quartos de toda a produção mundial de petróleo.

Nem é preciso dizer que o petróleo é algo extremamente essencial para a manutenção da economia e da sociedade dessas nações, que precisam garantir um bom relacionamento com as regiões exportadoras de petróleo. Caso contrário, há o risco de as vendas serem interrompidas, como aconteceu na primeira grande crise do petróleo em 1973. No caso particular dos EUA, esse país é tanto o maior produtor mundial de petróleo, quanto o maior importador e, naturalmente, o maior consumidor. Para se ter noção do tamanho da dependência do combustível fóssil para a economia industrial, ao final do século XX o autor Daniel Yergin disse corretamente que o mundo havia se tornado o mundo da “Sociedade dos Hidrocarbonetos”, povoada por “Homens de Hidrocarboneto”.

Dessa forma, ao longo do século XX principalmente, a geografia do petróleo foi componente de variadas disputas políticas a depender do período e da região. Desde a questão da descolonização do mundo afro-asiático no período pós-segunda guerra, a política de contenção ao comunismo pelos EUA na Guerra Fria e até a Guerra Mundial ao Terror, em tudo que o petróleo “tocava”, geravam-se conflitos.

A razão para tudo isso foi a crescente importância que os Estados davam para a segurança do suprimento energético, manifestado principalmente através de tratados de cooperação para a proteção desse recurso. De outra maneira, Estados passaram a frequentemente travar guerras com a finalidade de assegurar a posse dele. Até hoje, os casos mais claros dessas situações são a aliança estratégica entre os EUA e a Arábia Saudita e a Guerra do Golfo de 1990–1991.

Aviões de combate dos EUA durante a Guerra do Golfo, 1991. Ao fundo, no deserto do Kuwait, centenas de poços de petróleo eram queimados pelos iraquianos em uma tentativa desesperada de atrasar o avanço da coalização internacional. Foto: US Air Force

Concluindo esse raciocínio, e tendo tudo isso em mente, a reativação da Quarta Frota da Marinha dos EUA parece se inserir na lógica de que os EUA desejam dispor de meios para providenciar segurança a zonas fornecedoras desse recurso. Por essa visão, faz sentido pensar que a reativação da frota pode ter sido motivada, ao menos parcialmente, pela descoberta do Pré-Sal no Brasil. Ainda que não fosse o caso, nas Relações Internacionais é essencial que os países assumam as piores intenções dos outros países, evitando assim serem pegos de surpresa em alguma situação adversa . Ou seja, mesmo que essa não tenha sido a real motivação dos EUA, o Brasil precisa assumir as piores hipóteses por uma questão de soberania nacional, pois nunca se sabe o que um outro Estado está realmente pensando.

Dito isso, uma outra possível razão para essa movimentação é o fato de que a existência do petróleo causa aquilo que muitos analistas de relações internacionais chamam de “a maldição dos recursos”. Resumidamente, esse fenômeno — que de forma alguma é um consenso entre especialistas — é caracterizado por países que possuem uma abundância de recursos estratégicos, mas que acabam por não conseguir utilizá-los para obter melhor desenvolvimento social, sendo paradoxalmente marcados pelo baixo crescimento econômico, menores índices democráticos, menor qualidade de vida e até maior instabilidade política.

Nessa lógica, a atitude norte-americana pode ter sido, na verdade, uma antecipação à escalada de instabilidade política no Brasil — que por extensão inclui o restante da América do Sul — envolvendo esse recurso estratégico. Esclarecidos ou não os motivos para a recriação da 4ª Frota, fato é que ela dispõe às Forças Armadas estadunidenses a capacidade de responder a emergências ou necessidades de intervenção na região, o que se insere na política externa dos EUA de se concretizarem como uma “polícia” internacional.

Do outro lado dessa situação, o Brasil tem no Pré-Sal uma útil ferramenta para fazer o país atingir dois de seus objetivos primários em diplomacia: A superação da condição de país subdesenvolvido e a integração no sistema internacional. Não à toa, as prioridades diplomáticas, econômicas e de defesa do Brasil mudaram sensivelmente ao longo dos últimos anos, colocando maior foco em questões diretamente ligadas ao Pré-Sal e a região do Atlântico Sul, como a maior aproximação com países na costa africana do Atlântico, bem como a elaboração do conceito de defesa da “Amazônia Azul”, que envolve a proteção e vigilância das águas e pequenas ilhas no imediato entorno do Brasil. Nesse último ponto, alguns autores apontam que a formulação deste conceito teria sido uma resposta á altura da iniciativa dos EUA em reativar a 4ª Frota.

Enfim, tudo isso soma-se a um cenário cada vez mais complexo da “diplomacia petrolífera”, da qual o Brasil inegavelmente passou a ser parte. Não é solução para o país fazer-se cego ao fato de que a política em torno desse recurso se tornou praticamente indissociável de conflitos ou crises, mas também não é solução pensar que podemos simplesmente ignorar o fato de que a chave para o desenvolvimento de nossa sociedade pode estar, literalmente, no fundo do oceano. É preciso preparo, pragmatismo, cuidado e habilidade em lidar com um recurso com tanto potencial, o que demonstra a necessidade de haver um debate mais amplo e especializado sobre como administrá-lo e, eventualmente, protegê-lo.

Extensão máxima da Amazônia Azul, cuja área equivale á mais da metade do próprio território nacional. Fonte: Marinha do Brasil

Concluindo, não seria exagero, talvez, afirmar que o destino do Brasil está de certa forma atrelado ao petróleo. Depende somente de nós, da sociedade civil, e do Estado que compomos elaborar uma ideia mais consistente e planejada sobre qual futuro queremos ter com ele. A má organização disso acarretará somente em uma sociedade marcada pela dependência, pobreza e atraso; enquanto a melhor distribuição dos benefícios poderá, enfim, elevar as condições de vida dos brasileiros.

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João Pedro Sabino Frizzera
Revista Brado

Estudante de Relações Internacionais pela Universidade Vila Velha | Colunista de Política da Revista Brado.