Para líder do Acredito no RJ, movimentos de renovação política são fruto de sistema partidário em descrédito e “atendem a demanda da sociedade civil”

Thiago Süssekind organizou carreatas pelo impeachment de Bolsonaro e condiciona futuro político do país à derrota do presidente na eleição de 2022

João Vitor Castro
Revista Brado
10 min readApr 26, 2021

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Carreata organizada pelo Movimento Acredito em 23 de janeiro. Foto: Divulgação/Comunicação Acredito

Durante a maior parte da democracia brasileira, a política nacional foi mobilizada por grandes partidos e organizações, como centrais sindicais e associações empresariais. No entanto, desde as Jornadas de Junho de 2013 esse cenário tem se alterado de forma drástica. Movimentos suprapartidários de renovação organizados sobretudo por jovens vêm tomando o espaço de organizações tradicionais e já consolidadas há décadas na arena política.

Com o boom inicial na direita, Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre (MBL) tiveram papel crucial na mobilização popular para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A partir de 2018, novas legendas ganharam destaque, dessa vez mais ao centro, como Livres, Agora! e Acredito. Hoje, diversos movimentos já possuem lideranças eleitas em Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas em várias regiões do país e até no Congresso Nacional. Ao todo, 29 deputados federais e 4 senadores eleitos em 2018 passaram por movimentos de renovação — de todos os lados, do PSOL ao NOVO.

Os casos mais evidentes são dos deputados federais Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP), que pertencem ao Movimento Acredito, e Kim Kataguiri (DEM-SP), que pertence ao MBL. Em apenas dois anos de legislatura, os três, que estão entre os parlamentares mais jovens da Câmara, já colecionam polêmicas envolvendo sua participação em movimentos de renovação.

Desde antes de sua posse, Kataguiri é uma figura controversa no debate público, devido principalmente à sua participação no impeachment de Dilma, que contou até com articulação com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Já Tabata Amaral e Felipe Rigoni se tornaram centro de uma disputa judicial após votarem contra a orientação de seus partidos na reforma da previdência, em 2019.

Para conversar sobre as questões que envolvem esses movimentos e as perspectivas futuras da política brasileira sob a ótica de suas organizações, conversei com Thiago Süssekind, estudante de Direito e líder estadual do Movimento Acredito no Rio de Janeiro. Confira:

Desde 1988, a sociedade civil esteve presente no debate político de uma forma muito localizada nos grandes partidos e associações. A partir de 2013 esse cenário começa a mudar com a explosão de movimentos de renovação. O que isso simboliza? É um sinal de maior participação popular na política? Isso tende a permanecer ou é um sintoma de uma política partidária pouco representativa?

Foto: Acervo Pessoal/Thiago Süssekind

Thiago Süssekind: Eu acho que o surgimento dos movimentos de renovação política é realmente fruto de um sistema partidário muito pouco representativo, principalmente para os jovens. Primeiro surgiram muitos à direita em oposição ao governo Dilma, que não se viam representados pelos partidos de oposição. Mas você tinha ali uma quantidade enorme de jovens que estavam querendo influir na política institucional de alguma maneira e não tinham um caminho para isso. O Acredito existe também com essa mesma vontade de renovar a política. A gente quer renovar pessoas, mas também práticas e princípios, três frentes. Porque com a quantidade de escândalos que o país esteve envolvido surgiu uma demanda, que fragilizou os partidos políticos, por uma política mais ética, pautada por mais transparência. E esses movimentos civis tentam pegar essa demanda e oferecer um espaço seguro para os jovens e pessoas que nunca entraram na política se sentirem representados, conseguirem influir politicamente de alguma forma. Hoje o Acredito de fato é uma porta de entrada para muita gente. O Acredito sempre tenta se posicionar como um movimento progressista, mas que coloca grande valor em responsabilidade fiscal, uma importância destacada em alguns temas que a esquerda não se importava tanto. Então eu acho que esses movimentos de renovação são muito fruto de um sistema partidário que entrou em descrédito e atendem a uma demanda muito grande que existia da sociedade civil e por parte de jovens.

Desde o surgimento desses movimentos, muitos políticos os têm criticado duramente. Um dos momentos de destaque foi quando, em reação ao voto de Tabata Amaral na reforma da previdência, o ex-ministro Ciro Gomes acusou o Acredito de ser um partido clandestino e uma forma de burlar as leis de financiamento de campanha. Qual é a importância da política partidária para o movimento? O Acredito tem alguma pretensão de se tornar um partido político ou restringir as filiações de seus membros?

Tabata Amaral e Ciro Gomes em evento de lançamento da candidatura da deputada em 2018. Foto: Reprodução/Facebook

Thiago Süssekind: O Acredito não tem intenção nenhuma de se tornar um partido político porque parte de um diagnóstico, inclusive em nosso manifesto, de que o Brasil tem partidos demais. A gente tem um problema muito grande no nosso sistema partidário que é essa proliferação de partidos que não representam ideologia alguma e existem apenas por motivos fisiológicos, e que a cláusula de barreira está cumprindo um papel fundamental em barrar. Mas a gente sempre pensa em partir para um caminho de não demonizar a política. Queremos fazer o contrário: pegar essa crise de descrença nos partidos e tentar renovar essa esperança na política fazendo com que as pessoas tenham envolvimento e a vejam como forma de desenvolvimento para o país. O nosso entrave com os partidos é que eles têm uma visão muito crítica com a forma como a gente funciona hoje. Após essa crise da reforma da previdência, por exemplo, o Acredito apresentou um Projeto de Lei na Câmara de reforma partidária. A gente não quer demonizar os partidos, mas hoje a gente tem um problema muito grande com relação a eles, então mesmo reconhecendo o valor das legendas num sistema democrático, achamos que é um sistema que precisa de reformas. Um dia, quando a cláusula de barreira tiver surtido efeito e houver poucos partidos, aí é outra discussão, mas hoje a gente não tem pretensão nenhuma de se tornar uma legenda, de se abrigar numa sigla única, mas a gente tem essa briga com o sistema partidário. E boa parte dessa reação que houve aos movimentos cívicos se deve a uma espécie de ameaça. A gente está aí pra tentar chacoalhar um pouco as coisas.

“A gente quer renovar pessoas, mas também práticas e princípios, três frentes”. (Thiago Süssekind).

No que consiste o projeto de reforma partidária que você citou e em que pé está atualmente?

Thiago Süssekind: Quem está mais à frente disso é o pessoal de Brasília. A maior parte dos Projetos de Lei durante 2020 ficou muito parada por conta da paralisação do trabalho de comissões, então imagino que esteja assim. Mas esse projeto foi uma coalizão, não foi só o Acredito. Uma parte da reforma que ele propõe é na própria Lei de Partidos Políticos, então exige desde balanço patrimonial atualizado, relatórios de transparência, relação de filiados atualizada mensalmente, coisas mais técnicas e básicas assim, relacionadas à transparência, até a questão de democracia interna. Uma das primeiras cláusulas do projeto é para ter mandatos determinados por lei de dirigentes e órgãos partidários. Então cria o limite, se não me engano, de quatro anos para mandato permanente e dois para provisório.

Qual a visão do movimento sobre candidaturas avulsas?

Thiago Süssekind: A gente não tem uma posição firmada. Alguns membros são a favor, outros contra. Mas mesmo as pessoas que defendem candidaturas avulsas vão continuar defendendo a importância dos partidos políticos numa democracia representativa. Mas não há uma posição firmada consensual no movimento hoje.

Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

O Acredito promoveu grandes manifestações junto a outros movimentos pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro e em defesa da democracia, uma das primeiras grandes ações diretas com a sociedade civil. Vocês planejam outras carreatas ou protestos? É possível se unir com outros movimentos mais à direita e que já estiveram até mesmo na base de sustentação do presidente, como MBL e Vem Pra Rua?

Thiago Süssekind: Em primeiro lugar, concordo que foi a primeira manifestação junto à sociedade civil de movimentos de renovação política à esquerda, porque à direita você já tinha MBL e Vem Pra Rua que fizeram esses movimentos pelo impeachment de Dilma. Quando a gente puxou essa ação em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, já na nossa primeira carreata, de 23 de janeiro, logo após a situação de Manaus, a gente esteve junto com a esquerda. A gente recebeu o apoio da Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo, que congregam dentro da estrutura delas os partidos da esquerda tradicional e até sindicatos. A gente tava junto com CUT, MST, Sindipetro. Foi uma coisa puxada pelo Acredito e que a gente conseguiu fazer uma frente conjunta com a esquerda tradicional e que foi muito positiva, a gente fez três carreatas muito grandes nessas cidades. Depois o Agora! e o Livres decidiram apoiar o impeachment. A gente quis fazer uma frente ampla de verdade. Nosso sonho era colocar MBL, MST e CUT na mesma carreata, e tentamos fazer essa articulação, mas acabou não dando certo por problemas dos dois lados, o que foi uma pena. O desejo ainda existe, só que para organizar manifestações, mesmo carreatas, nessa alta da pandemia é ainda mais complicado e agora a gente tem que estudar qual seria o timing, mas é muito positivo quando você vê que esses movimentos da sociedade civil estão pedindo o impeachment do presidente Bolsonaro, a gente já tem uma pauta em comum. A gente estava junto nos pedidos pela CPI da pandemia também. Criamos um site pela CPI para pressionar o Rodrigo Pacheco a instalar.

“A gente tem hoje uma agenda muito destrutiva em meio ambiente e educação; uma sociedade que sempre foi conhecida por ser aberta e inclusiva está cedendo ao ódio e à intolerância”. (Thiago Süssekind).

Caso o presidente chegue até o fim do mandato e haja um candidato com condições de derrotá-lo, há alguma possibilidade do Acredito ceder apoio público a alguma candidatura à presidência?

Thiago Süssekind: Isso é uma coisa que ainda está sendo discutida internamente. O que eu posso dizer é que em 2018 o Acredito se posicionou no segundo turno contra Bolsonaro. A gente colocou uma nota de voto crítico ao Haddad, em defesa da democracia. Então a gente já tomou esse posicionamento em 2018, mas não posso falar para 2022 ainda porque essa posição ainda não foi confirmada.

Foto: Guilherme Gandolfi

Como você vê o futuro da política brasileira a partir dessa transição democrática que estamos vivendo, tanto com a crise da democracia quanto com a inserção de novos movimentos?

Thiago Süssekind: Eu acho que tem alguns pontos diferentes aí. Do ponto de vista político partidário, se não aprovarem a reforma política que o Arthur Lira botou em discussão, que busca rever cláusula de barreira e adotar o modelo ‘distritão’, tem que manter o sistema que a gente adotou agora, na eleição de 2020, que veda as coligações partidárias e mantém uma cláusula de barreira rígida. Eu diria que a gente caminha pra um futuro otimista com menos partidos e partidos mais representativos ideologicamente. Eu acho que os movimentos de renovação, ao pregarem mais ética, transparência e boas práticas, têm um papel fundamental de pressionar outros players da política a também seguirem esse caminho. Então eu sou otimista por esse lado, mas eu também acho que o futuro passa muito pela eleição de 2022, que a gente precisa derrotar o Bolsonaro. Derrotando Bolsonaro o Brasil vai precisar passar por uma reconstrução. A gente tem hoje uma agenda muito destrutiva em meio ambiente e educação; uma sociedade que sempre foi conhecida por ser aberta e inclusiva está cedendo ao ódio e à intolerância. Então eu condiciono um pouco das minhas expectativas no país às eleições do ano que vem.

E você enxerga a sociedade civil se organizando mais em outros movimentos como o de vocês e ocupando as trincheiras da política de uma forma diferente do que temos visto até então?

Thiago Süssekind: Sim. Eu acho que cada vez mais a gente tá tentando criar ambientes agradáveis para o jovem que se interessa na política e também para mulheres, negros, pessoas LGBT que não se sentiam confortáveis pra estar na política institucional. Então existem muitos espaços que são criados para favorecer a entrada do jovem engajado e das minorias dentro da política institucional, que é uma coisa fundamental. Eu acho que a gente caminha sim e o nosso trabalho como movimento de renovação é deixar essa porta de entrada mais aberta.

Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

Muitos analistas veem a polarização atual como resultado em grande parte das redes sociais e do tipo de debate político que se criou nelas, com disseminação de fake news e uso de robôs. As perspectivas quanto a isso para o futuro são muito diversas. A gente pode reverter esse cenário de polarização mesmo nesse ambiente que parece favorecê-la?

Thiago Süssekind: O Acredito tem uma política muito pautada pelo diálogo, a gente gosta de construir propostas únicas com o diferente. Então ao invés de marcar posição pra rede social, a gente gosta de uma política propositiva, de apresentar emendas a projetos ruins e torná-los melhores, fazer uma concessão aqui e acolá para ter um ganho mais à frente. Então eu acho que esse tipo de política que a gente faz já é um ganho nesse sentido. Mas individualmente tenho uma preocupação muito grande com as redes sociais e como elas estão sendo usadas. Uma coisa que eu sempre digo é que antigamente para conseguir fazer a cabeça de tantas pessoas contra o consenso científico, você precisava de uma censura muito grande na imprensa, romper com os filtros tradicionais, e hoje só com uma bolha de rede social você consegue fazer a cabeça de milhares de pessoas para os objetivos mais variados. Então é um problema que a democracia vai precisar enfrentar, mas a nossa parte é sempre construir uma política com dialogo, não violenta, pautada por evidências e que tente oferecer um outro caminho.

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João Vitor Castro
Revista Brado

Jornalista, editor-chefe da Revista Brado e autor de “Refluxo” (Pedregulho, 2023).