Pedofilia: uma prática cultuada mundo afora

Precisamos falar sobre essa tão comum violência contra as crianças

Mylena Ferro
Revista Brado
4 min readSep 1, 2020

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Crédito: Hiasan

Nas últimas semanas, a vida de uma menina de dez anos se tornou uma espécie de reality show que ocupou a mídia e, consequentemente, os debates sociais do Brasil. O caso é estarrecedor, embora não seja um “caso à parte”. Trata-se de uma menina que foi estuprada pelo tio desde os seis anos e, aos dez, engravidou. Recorreu à justiça para realizar um aborto seguro e isso se fez o centro do debate, gerando numa grande parcela da população repulsa da vítima.

Tornou-se pública a identidade da criança, o hospital em que ela realizou o procedimento e a vida da menina de dez anos virou a novela que os brasileiros elegeram para acompanhar no momento. Começou-se a debater a vida da garota e esvaziou-se o debate sobre o crime e a tão profunda e dolorosa violência que foi cometida contra aquela criança que, repito, não é um caso à parte. Não se trata de algo extraordinário. O estupro é recorrente; a pedofilia é recorrente. Não podemos tratar como uma exceção: infelizmente, não é.

Para começar, é importante ressaltar que pedofilia não é considerada crime no Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a condição é uma doença. Estabelece-se, então, uma diferença entre o sujeito pedófilo — que possui a doença, podendo externalizá-la ou não — e o sujeito que pratica a pedofilia— nem todo criminoso que comete crimes sexuais contra crianças e adolescentes é um pedófilo, embora esteja exercendo a pedofilia. A partir do momento que um indivíduo pratica a pedofilia — seja patológica ou não -, é enquadrado como criminoso, mas pelo crime de tipicidade incorrida (estupro de vulnerável).

Falando como uma mulher que não possui conhecimentos jurídicos, legislativos e tampouco de estudos psíquicos, mas, repito, uma mulher — que dentro de uma cultura pedófila é a principal vítima — defendo a necessidade de assegurar a manutenção do caráter criminal de qualquer prática sexual realizada contra crianças.

Usarei, neste texto, de modo vulgar o termo pedofilia.

Reprodução

Sabendo disso, precisamos falar sobre a cultura da pedofilia. Sim, ela existe! Se perpetuam, a todo instante, padrões de beleza e comportamento para mulheres adultas que copiam os padrões infantis: corpos sem pelos, sem muitas curvas, peles “de bebê” e lábios rosados. Se torna cada vez mais comum a “labioplastia” e a “himenoplastia”, cirurgias plásticas que consistem, em suma, em tornar vulvas de mulheres adultas semelhantes às vulvas infantis.

Nos sites que veiculam conteúdos pornográficos no Brasil, algumas das buscas mais realizadas são “adolescente”, “novinha”, “aluna e professor”. Não é incomum perceber homens adultos assediando meninas com uniformes de colegial ou mesmo assediando meninas nas redes sociais, fazendo comentários obscenos ou até mandando e pedindo fotos íntimas para as garotas.

Esses aspectos constituem condições anteriores, mas que culminam, muitas vezes, no estupro de menor. Em São Paulo, o programa Bem Me Quer, no Hospital Pérola Byington, registra em média o atendimento de quatro crianças vítimas de estupro por dia. Só em 2020, o Espírito Santo registrou 259 crianças vítimas de violência sexual. Segundo dados do IPEA, mais de 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes.

É importante entender: Não há consentimento quando se é criança. Não existe sexo nesse cenário: existe violência — mesmo quando são dois menores. O fato de ser um adolescente de quatorze e uma criança de oito, por exemplo, não torna a prática menos violenta ou um “não-estupro”. Como já disse num texto anterior desta mesma coluna, precisamos desmistificar que os praticantes dessa violência são pessoas distantes. Às vezes eles estão dentro de casa, da família, da roda de amigos…. Segundo pesquisa divulgada pela BBC, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima.

Também é importante sempre questionarmos as narrativas de “histórias de amor” entre crianças/adolescentes e pessoas adultas. Mesmo que essas "histórias de amor" culminem num casamento, em filhos, não devemos romantizar relacionamentos de crianças de treze anos com homens de 40, por exemplo, como é o caso de um famoso cantor e compositor da MPB. Não, isso não é saudável. Precisamos prestar atenção nas nossas crianças! Não existe essa história de “madura demais para a idade”. Não podemos cair nessas romantizações que tendem a ser sempre abusivas para a criança envolvida.

Já passou da hora de aderirmos à ampla educação sexual para crianças. Ninguém está sugerindo que as ensine a fazer sexo antes da hora, muito pelo contrário: a sugestão é justamente ensiná-las a se defender, a saber sobre o próprio corpo, a entender se estão sendo violentadas. Muitas meninas passam por essa dor sem sequer saber o que está acontecendo. Elas sentem, mas não sabem. Não é justo que por puritanismo/conservadorismo se tire uma das chances dessas meninas não passarem por experiências tão traumáticas.

Imagem: Reprodução

Para denunciar o abuso sexual infantil, ligue gratuitamente para o disque 100 (Disque Direitos Humanos) ou notifique o conselho tutelar da sua cidade. Não deixe que a negligência permita machucar e retirar a leveza e a infância da vida das crianças.

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