Pobreza menstrual atinge principalmente jovens negras

Loraine
Revista Brado
Published in
4 min readOct 11, 2021
Foto: Pexels

Na última quinta-feira (7), o presidente Jair Bolsonaro vetou partes do Projeto de Lei que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214). Os vetos incluem o trecho da lei que determinava prioridade na distribuição para estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino, mulheres em situação de rua ou em vulnerabilidade social extrema, mulheres apreendidas e presidiárias e mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. O presidente justificou que uma priorização desse tipo iria contra “a universalidade do princípio de universalidade do SUS”.

Apenas os trechos que obrigam o Poder Público a promover campanhas de informação sobre saúde menstrual e que autoriza os gestores educacionais a realizar os gastos necessários para prover esses produtos de higiene e outras questões relacionadas ao tema foram mantidos. O Congresso Nacional pode, em até 30 dias, revogar o veto do presidente.

O objetivo do projeto é ser uma tentativa inicial de erradicação da pobreza menstrual. Segundo o chefe do Executivo, o PL não incluía a fonte orçamentária para sua devida execução. Entretanto, a lei já mostrava que o orçamento para distribuição deveria ser feito utilizando recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Fundo Nacional Penitenciário.

Não é de hoje que estigmas voltados à pobreza menstrual, alimentação precária dentro do ambiente familiar e afins são temas bastante pautados quando o assunto é a relação da juventude negra com as atividades determinadas essenciais dentro do contexto social.

O que pouco tem se falado é sobre como a sub-relação da falta das condições mínimas de vida e saúde da população negra também afetam diretamente não apenas essa relação, mas tudo o que envolve o desenvolvimento da etnia afrodescendente no conceito de igualdade que tanto é pregado.

Dentro dessa vasta linha que envolve toda a relação social desses grupos, ainda nos deparamos com uma segunda vertente, um sub grupo que consegue ser ainda menos privilegiado dentro dessa estatística: as mulheres.

A pobreza menstrual é caracterizada pela falta de acesso a recursos, infraestrutura e até conhecimento por parte de pessoas que menstruam para cuidados envolvendo a própria menstruação.

Atualmente, cerca de 30 milhões de mulheres se encontram hormonalmente ativas no Brasil — é o que aponta um relatório da ONG Girl UP lançado em 8 de março sobre o tema. A pesquisa traz informações e debates ao redor do assunto, entre eles como a falta de acesso a produtos de higiene básica provoca evasão escolar e prejudica a carreira estudantil de milhares de jovens.
Em um país onde 1,5 milhão de brasileiras vivem em residências sem banheiros, a escola poderia ser um local para que mulheres tivessem acesso ao saneamento básico e a produtos similares. A realidade, porém, é diferente: de acordo com dados da Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (PENSE) do IBGE de 2015, cerca de 213 mil meninas frequentam escolas que não têm instalações com condições mínimas de saneamento. 65% dessas garotas são negras.

“Muitas meninas, por não terem absorventes e produtos de higiene menstrual, faltam às aulas. Pensando nessas 213 mil garotas que não têm acesso a banheiros em bom estado — levando em conta que elas ficam cerca de 5 dias menstruadas todo mês e que elas continuem indo ao colégio por pelo menos 5 anos –, imagina o quanto de aulas elas perderão? Precisamos pensar também em um segundo momento, mesmo que essa menina vá à escola, como é o aprendizado dela durante esses dias? Vamos imaginar que ela fique preocupada com a troca de absorventes (porque ela não tem outro, porque ela não tem dinheiro para comprar mais um), ela se sente envergonhada e isso prejudica o aprendizado dela”, alerta Leticia Bahia, coordenadora da ONG Girl UP, em entrevista para a plataforma Universa, do Uol.

De nada basta promovermos campanhas de apoio ao estímulo educacional se o mínimo, que são condições básicas de higiene e saúde, não é acatado. O discurso precisa, além de derrubar o tabu da saúde sobre o assunto, reforçar o quanto ainda somos falhos na questão. A única forma de fato de nos sentirmos representadas quanto ao mínimo que deveria ser oferecido a uma mulher negra seria se tivesse de fato uma mulher negra à frente da gestão do país ou no comando de áreas importantes do Executivo e do Legislativo federal. Como não temos, seguimos no ideal real de trazer informação e acesso a dados, uma vez que, com a informação correta e a desalienação da população quanto aos reais direitos do cidadão, com certeza avançaremos nesse quesito. Mas isso só ocorrerá se as canetas que aprovam ou derrubam os projetos que impactam a vida da maioria da população deixarem de ser seguradas apenas pelos homens, brancos e ricos que representam a minoria e que nos trouxeram até aqui.

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